Capítulo 74
Dentro do colégio, Kayber corria desesperadamente entre os vários corredores dali. Logo atrás, Sanches e os garotos o perseguiam.
Após alguns segundos, o homem de cabelos azuis finalmente alcançou uma escada que dava acesso ao primeiro andar da escola. Ele a desceu enquanto rogava por socorro, aos berros:
— EI, VOCÊS! MATEM-OS! MATEM-OS!
Sanches, ainda longe do campo de visão da escada, não compreendeu os berros, já que em seu pensamento, não havia mais nenhum capanga restante, a não ser aquele homem.
Porém, ao finalmente alcançar a escada, o Agente se deparou com seguranças do colégio no primeiro andar, fortemente armados.
Sanches percebeu que as pupilas daqueles seguranças estavam completamente dilatadas, além de avermelhadas. Eles estavam fora de si.
O Agente e os garotos estavam literalmente diante da morte naquele momento. A pistola de Sanches se encontrava totalmente descarregada.
Os seguranças, manipulados, reconheceram rapidamente a desvantagem dos perseguidores de Kayber; e logo, apontaram seus fuzis, atirando em seguida, sem se importar com a presença daquelas crianças.
Em uma questão de milissegundos, Harvim puxou a sua mais nova arma, que lhe foi concedida por Slezzy, mas antes que pudesse disparar, Sanches o impediu, empurrando a mão de Harvim para baixo.
— Han!? — reclamou o garoto de cabelos avermelhados, desentendido.
Em seguida, Rayrack assumiu sua forma física, entrando na frente daqueles três e executando novamente a sua habilidade, revidando todos os projéteis.
Os garotos ficaram impressionados novamente, além de confusos com o fato de que os próprios seguranças do colégio estavam do lado daquele mafioso.
No fim, antes de descerem as escadas para o primeiro andar, Harvim questionou o Agente:
— Por que aqueles seguranças… tentaram nos matar, Agente Sanches!?
Sanches se virou para o garoto e o respondeu friamente:
— Suponho que Kayber, de alguma forma, tenha os manipulados… então, vamos precisar ficar atentos ao descer essas escadas. Aliás, fiquei impressionado com a sua atitude garoto, porém, você apenas atrapalharia Rayrack! Não é à toa que você é filho de Adam Cagliari!
O menino sorriu.
Rainn questionou o demônio, que ainda estava em sua forma física:
— Rayrack!? Esse é o seu nome?
Sanches percebeu que o irmão de Slezzy estava muito abalado. As expressões e reações daquele garoto já não lembravam mais a essência do “verdadeiro” Rainn. Era como se estivesse lidando com uma criança desconhecida.
— Sim… E farei de tudo para proteger o meu grande amigo… e claro… os amigos dele também… pequena criança…! — respondeu a criatura, com um tom tímido, ainda de pé.
Rainn deu uma leve gargalhada. A preocupação de Sanches se esvaiu um pouco, após aquele pequeno momento.
— Ei! Sanches! Eu conheço toda a planta dessa escola, de ponta a ponta. Então, acho que tenho uma pequena ideia de onde aquele cara pode ter ido… para falar a verdade, não há muitos locais para se esconder por aqui! — afirmou Harvim.
Sanches sorriu e respondeu o garoto, enquanto recarregava o compartimento da sua pistola:
— Então, vamos descer as escadas e colocar um fim naquele maldito!
Após alguns minutos, Sanches e os garotos, se encontravam em uma grande área aberta, no meio do primeiro andar do colégio, cercada por paredes cobertas de sangue e uma enorme cobertura.
No meio dali, havia cadeiras, mesas, cadernos e mochilas; esparramados por todo o chão.
Era como um cenário apocalíptico. Logo depois, os três adentraram um novo corredor, ainda naquele andar.
— E as tropas militares!? Já não deveriam estar aqui? — questionou Harvim.
— Talvez… os franco-atiradores de Salvador tenham dado mais trabalho do que o esperado. Mas, fique tranquilo, garoto. O que importa agora… é que você e seu amigo… estão a salvo! — respondeu Sanches, sorrindo.
Inesperadamente, de um dos armários do corredor, surgiu aquele que o agente perseguia.
Kayber avançou rapidamente contra o peitoral de Sanches, empurrando-o contra a grossa parede que compunha a outra lateral do corredor.
Os garotos se assustaram e recuaram imediatamente.
Harvim se posicionou à frente de Rainn, protegendo-o, enquanto tentava mirar em Kayber com a sua arma; porém, o mafioso entrou em um árduo combate físico contra Sanches, dificultando um disparo certeiro.
Após uma sequência de socos, Kayber conseguiu desarmar Sanches, chutando sua pistola para o outro canto do corredor.
O agente revidou em seguida, com um chute bem colocado no meio do abdômen daquele homem, afastando-o de si.
Os dois, ofegantes, se encararam por poucos segundos, até que Kayber puxou de sua cintura uma faca extremamente chamativa. Era a sua clássica espada de pequeno porte, com enfeites de rubi.
“Então… essa é a sua arma lendária…?” pensou Sanches.
Ainda naquele momento, o campo de visão para o disparo de Harvim não estava confortável.
Sem expressar qualquer palavra ou esperar mais tempo, Kayber partiu para cima de Sanches novamente, tentando o atingir desesperadamente com sua faca.
O agente tinha em mente que não poderia ser atingido de maneira alguma por aquela faca, já que não conhecia a fundo tal poder concedido pela mesma, além da manipulação misteriosa; provavelmente realizada pelos poderes de Kayber, sobre aqueles seguranças, anteriormente.
“Aqueles seguranças provavelmente foram atingidos por essa pequena faca, e se tornaram pequenas marionetes… em questão de segundos!”
Kayber realizou um ataque horizontal na direção do pescoço de Sanches, que desviou facilmente para baixo; e em seguida, tentou acertar uma das pernas de seu inimigo. Porém, o agente não obteve êxito algum, já que o homem de cabelos azuis saltou, avançando mais uma vez em sua direção.
Sanches posicionou sua perna direita contra a região do tórax de Kayber, que estava sobre o ar, jogando-o contra o armário de aço.
Harvim observava tudo aquilo de forma trêmula, ainda que estivesse apontando sua arma para Kayber.
Sanches se reergueu, e avançou contra Kayber, agora atordoado.
Ele o pegou pelo pescoço; e o arrastou pelo corredor em direção ao seu fim.
Harvim e Rainn avançaram lentamente, acompanhando Sanches.
No final do corredor, Sanches jogou o corpo de Kayber contra a grossa parede, sujando-a com respingos de sangue.
O Agente desarmou aquele homem, chutando sua mão direita contra a parede, forçando-o a soltar a faca de tons avermelhados.
Adiante, Sanches o soltou.
Kayber, cansado e debilitado, caiu de qualquer jeito sobre o duro chão.
O Agente caminhou até sua pistola, que estava jogada em um canto próximo dali. Em seguida, ele se armou e a apontou para a cabeça de Kayber, que o encarou com algumas gargalhadas.
Aquele homem ria de maneira irritante, e curiosamente de olhos fechados.
— Vocês… amigos do Corvo… pelo visto… sempre sentem alguma graça quando estão diante da sensação da morte… — questionou Sanches.
Os garotos observavam tudo aquilo, a alguns metros atrás.
Sanches percebeu que os olhos de Kayber, mesmo que fechados, se remexiam muito. Aquilo levantou uma leve suspeita.
— Por que você também não ri, Arand Sanches!? — retrucou Kayber. — Afinal, você também… não está muito longe dessa sensação no momento…
“Mesmo quase morto, ele ainda continua me provocando?… Certo… esse plano não é apenas uma vingança pessoal… O Corvo deve estar metido nisso de alguma forma… Aliás, como esses miseráveis conseguiram tantas informações?” Sanches refletia.
Kayber tossiu um pouco de sangue antes de prosseguir com sua fala.
“Considerando que não haja mais nenhum capanga de Salvador, escondido nesse prédio, pronto para auxiliar Kayber… talvez… eu ainda possa arrancar algumas informações desse homem…”
Sanches observava seu oponente a frente, em péssimo estado; empunhando sua arma sobre a cabeça do mafioso.
“Não… talvez… eu esteja pensando demais… Mesmo estando com a vida desse homem em minhas mãos e com as crianças a salvo… o mais importante agora é a batalha entre Slezzy e Salvador… A vida daquele jovem corre grande risco… Então… eu preciso acabar com isso, agora!”
— Quarto tópico do Código de Conduta…! — disse Kayber, enquanto remexia seus olhos, ainda fechados, de maneira inquietante e insuportável. — “O demônio que auxiliar o seu mentoreado, interferindo em casos de vida… ou morte…, influenciando na decisão de tal, será penalizado a total perda de memória, tanto de toda sua vida humana, quanto de suas lembranças do Mundo dos Demônios, perdendo também, todos os vínculos com o mesmo”
O agente se impressionou com tal citação. Logo depois, ele se aproximou de Kayber, agachando-se em seguida; e sussurrou:
— Uau! Então você decorou as regras daquele livro enorme!?
O homem de cabelos azuis retrucou, também sussurrando:
— Caso não mate o irmão de Slezzy… você também será acusado de ferir o primeiro e mais importante tópico daquele código… Agente Sanches…
Sanches o agarrou pela gola com sua mão direita, enquanto apontava-o sua arma com a outra mão.
Kayber ignorou aquilo e prosseguiu:
— Você sabe que Rainn não possui a idade mínima para conhecer o Mundo dos Demônios… E segundo as próprias ordens de nosso Lorde… aqueles que flagrarem a existência de nosso mundo e não possuírem a idade mínima… não importando a forma… deverão ser assassinados!
Sanches pressionava o dedo do gatilho de sua arma fortemente, ainda coberto de indecisão sobre seu próximo passo.
— Mas, nós dois sabemos que você não seria capaz de cometer tal ato… — falou Kayber, abrindo seus olhos em seguida.
Sanches se surpreendeu com a nova face daquele homem.
As pupilas de Kayber estavam completamente avermelhadas, assim como a cor dos detalhes de sua arma lendária. Seu nariz começou a sangrar repentinamente.
Rapidamente, o inimigo de Sanches concluiu sua fala anterior:
— Então, fique tranquilo…! EU HONRAREI O NOSSO LORDE!
Após o grito de Kayber, Sanches escutou passos velocistas a alguns metros atrás, seguidos do barulho de três rajadas consecutivas.
“Bang” “Bang” “Bang”
Antes que Sanches pudesse se virar, ele já havia desenhado toda a situação em sua mente: os meninos haviam sido assassinados por algum capanga restante.
Seu coração foi dominado por angústia e desespero, durante um único segundo.
Porém, o Agente se recuperou; e girou todo o seu corpo para averiguar aquela situação.
Harvim e Rainn estavam jogados ao chão, ainda respirando. O pavor em ambas as faces era notório. O menino de cabelos avermelhados segurava uma arma cujo acabara de disparar. A fumaça do disparo realizado ainda estava presente na ponta daquela submetralhadora.
Logo a direita, um segurança do colégio, com um tom de pele branco, careca e de orelhas grandes, estava com seus olhos fortemente avermelhados e fixados nos garotos. Sua testa estava perfurada e seu rosto ensanguentado.
Sanches percebeu, mesmo que ainda de longe, que os olhares daquele segurança, eram muito semelhantes aos de Kayber. Depois, ele concluiu que os garotos não estavam feridos.
O corpo do segurança, sem vida, devido ao disparo de Harvim, se esparramou sobre o chão. Os garotos se afastaram para que não fossem atingidos.
Kayber tentou um último golpe surpresa, aproveitando da falta de atenção de Sanches; saltando sobre a sua espada e a retomando.
Em seguida, o mafioso a arremessou na direção do Agente.
Sanches se virou rapidamente na direção de seu oponente, surpreendendo-o, desviando do arremesso e acertando-lhe, em cheio, um soco de sua mão direita, jogando o corpo de Kayber contra a parede outra vez, violentamente.
Logo após, Sanches caminhou àquele homem.
Pela primeira vez, Kayber esbanjou algum tipo de medo em sua face:
— Espere…! — implorou. Ele foi interrompido pela própria tosse de sangue.
Sem mais nenhuma misericórdia, com olhares raivosos, Sanches começou a acertar diversos golpes contra o corpo sem força de Kayber, enquanto gritava em intervalos, a cada chute, joelhada e soco:
— VOCÊ ACHA MESMO…
“Bronk” “Pow” “Bronk”
—…QUE EU DARIA MAIS ALGUM TEMPO…
“Bronk”
—…PARA ALGUÉM…
“Pow” “Pow”
—…QUE ACABOU DE TENTAR ASSASSINAR…
“Bronk”
—…DUAS CRIANÇAS…
“Pow” “Bronk”
—…INOCENTES!?
“Bronk” “Bronk”
—…ME RESPONDA!
“Pow”
—…DIGA ALGO!
“Bronk”
—…ME DIGA A MERDA… DAS SUAS ÚLTIMAS PALAVRAS!
Harvim notou que Rainn desmaiou após observar todas aquelas cenas.
Sanches sacou sua arma novamente, enquanto observava a face completamente desfigurada e irreconhecível de Kayber.
—…VOCÊ AINDA CONSEGUE ME OUVIR!? NÃO!?
Kayber encarava o agente sem esboçar nenhuma reação. Era perceptível que o homem de cabelos azuis queria dizer algo, porém o seu corpo extremamente fraco não lhe permitia nem mesmo o direito de sua última fala.
—…ENTÃO VÁ PRO INFERNO COM O SEU CÓDIGO DE MERDA! — berrou Sanches, disparando todo os seis projéteis que ocupavam o compartimento de sua arma prateada, na direção do crânio de Kayber, cravando sua morte.
Lentamente, o corpo de Kayber decaiu sobre o chão. Os olhos daquele homem estavam estranhamente cravados em Harvim; e o garoto percebeu aquilo.
O Agente encarou o corpo ensanguentado do mafioso, durante longos segundos, mesmo após o fim de tudo aquilo. Em seguida, ele se ajoelhou perante o mesmo.
Harvim, que estava com a cabeça de Rainn em seu colo, percebeu que Sanches respirava fortemente em meio a algumas lágrimas.
— Rainn… está desmaiado! — alertou Harvim com certo receio.
Sanches, ainda ajoelhado e de costas para o garoto, o ignorou completamente.
A seguir, um grande silêncio tomou todo o local por minutos.
O Agente refletia consigo sobre tudo aquilo, atordoadamente, de frente para o corpo sem vida de Kayber.
Após alguns segundos e a queda de adrenalina, Harvim começou a sentir uma leve dor em sua perna direita. O garoto verificou-a e viu que estava com um corte não tão profundo.
Depois de observar ao redor e ver que a espada de Kayber estava perto de si, com sangue sobre sua lâmina, o garoto concluiu que havia sido atingido pelo último arremesso daquele homem, antes de sua morte.
Ele pressionou o ferimento com sua mão, enquanto observava Sanches.
Todas aquelas cenas perturbadoras dominaram a mente de Harvim, gravando-se para sempre no mais profundo de suas memórias.
*
Na oficina abandonada, Salvador ria inquietamente enquanto girava o seu corpo em rápida velocidade:
— Vamos! Apareça, covarde!
A fumaça provocada pela bomba de Slezzy já não era mais um grande problema de visão naquele ambiente, visto que estava quase esvaída.
— O seu corpo está completamente quebrado, Slezzy! Seus poderes a essa altura já não têm o mesmo impacto! Por que você está fraco! Todos seus truques foram jogados no lixo. Não há mais surpresas. Você não duraria mais um único minuto em um novo combate!
Salvador girava seu corpo, enquanto checava os pontos cegos daquela oficina que ainda não havia verificado, prosseguindo com seu discurso provocativo:
— Então, por que atrasar as coisas? Por que postergar a sua morte? Vamos! Lute até o final! Seu desgraçado…!
Antes que Salvador finalizasse sua fala, ele foi interrompido por um forte chute na lateral de sua barriga, que resultou no arremesso de seu corpo até o portão de ferro daquele lugar.
O capanga do Corvo colidiu com suas costelas naquele portão, provocando um grande barulho. Logo após, ele se virou rapidamente enquanto tentava se reerguer, ouvindo lentos passos em sua direção.
Ao esvair completo da fumaça, Slezzy estava frente a frente com Salvador.
— O que…!? — resmungou o mafioso, após observar o jovem.
O corpo daquele garoto estava diferente. Mesmo após toda aquela longa batalha, suas vestes negras não estavam mais rasgadas. Seu corpo se encontrava num perfeito estado. Seus machucados haviam sido completamente curados.
Slezzy segurava dois contratos, um em cada mão, que respingavam sangue em suas pontas. Seu rosto não demonstrava nenhuma emoção.
Os Irmãos Sam se encontravam ao lado do jovem, ambos em sua forma física. Ao contrário de Haram, que encarava Salvador seriamente, Hiram estava animado com todo aquele momento.
Salvador reagiu àquilo com um grande tremor em suas mãos: — Não… é… possível…



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