Capítulo 0: Apenas uma segunda-feira.
O aeroporto estava a cinco quilômetros de onde estávamos. Depois de resolver as situações na Inglaterra, eu e meu amigo voltaríamos ao nosso amado país-arquipélago. Mas…
…Cacete!
Nem em Dokoka as coisas são assim!
— Como diabos esses cornos hackearam a merda de um carro?! — reclamou meu amigo.
O veículo em que nos encontrávamos era um tanto espaçoso, então não deveria ser tão ruim ficar preso nele.
O problema era o calor!
— Esses filhos da puta… eles tão aumentando a temperatura.
— Nathan… o que a gente faz?
— Estamos presos num carro — ele disse o óbvio, como se quisesse confirmar a situação. — O mais lógico é que quebremos as janelas.
Por que eu não tinha pensado nisso antes? Devia ter ficado assustado demais para pensar em algo. Ao contrário de mim, aquele idiota parecia calmo.
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— Acho que seria bom se não tentassem — avisou a voz que veio do painel do motorista. — Os vidros são blindados, aguentam até bala de AK-47. Aliás, o motorista de vocês está do lado de fora com um fuzil — Ele soltou uma risadinha de arrombado —, pulem e terão mais buracos que a lua!
“Mais buracos que a lua”, huh?
O som do vidro sendo quebrado quase me ensurdeceu. Cacos voaram para fora e, durante duas ou três piscadas, vi um homem de fuzil ser arremessado contra a porta a qual eu me encostava.
Nathan havia usado o seu poder.
— What the fuck you doing?! — gritou o inglês no painel.
— Esse maldito de fuzil é você mesmo, não é? — disse o meu amigo, sua voz tão calma quanto a situação em que estávamos.
O cara do painel…
— …E o motorista são o mesmo cara?! — exclamei surpreso.
Os olhos castanhos-claros de Yago Dias, semicerrados, se viraram para mim.
— Arromba a droga dessa porta, Edward!
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— Tá certo! — respondi, e logo em seguida fixando minha atenção na porta ao meu lado. — Hold the Tchan!
Bam!, e um amassado gigante surgiu nela. Com mais quatro baques, a porta foi arremessada ao céu como uma bola de canhão.
— Ei, seu corno — chamou Nathan —, tu parou a merda desse carro bem próximo do aeroporto — Suas mãos invisíveis o fizeram sacudir no ar. — Termine a corrida e eu te poupo. Quê que tu acha?
Ajeitei meu moletom e, pisando firme, corri para trás do motorista, pegando a chave do veículo — estava caída ao lado dele. Idiota, muito idiota esse inglês.
— Can’t understand me? — indagou Nathan.
— I-I can, I can!
— Cool — E fez o ar soltar o nosso quase assassino. — Now… um, ou, Edward, como que fala “faça o que eu mando”?
— “Do as I say”, eu acho — falei, guardando a chave em meu bolso.
Nathan repetiu o que eu disse e o inglês concordou com a cabeça. Assim, ele nos levou ao aeroporto e conseguimos viajar tranquilamente.
Achei super irritante misturarmos o português ao inglês, ainda que o inimigo nos entendesse. Me senti aqueles adolescentes que fingem ser gringos — os do tipo que dizem algo como “eu sou gringo, bro, só nasci no país wrong”.
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Tava estressado. Meu sono não estava — e até hoje não tá — em dia. Assim como Nathan, também tava meio puto por ter que ficar viajando por aí resolvendo os problemas dos outros.
Quer dizer, eu só tava nessa por causa dele. Sempre evito pensar que não tenho nada a ver com as merdas em que ele se enfia, já que vou chegar na conclusão de que sou um grande de um idiota e pensarei no suicídio como uma solução viável.
Bom, de qualquer forma…
O avião era bem confortável e pudemos comer comida boa. Nem sei quantos pedaços de bolo comi — e odeio como isso não me faz esquecer minha frustração por saber de todos os eventos que me levaram a comê-lo.
Perguntei ao Yago Dias se o Motorista Assassino tinha relação com os nossos antigos inimigos em Londres. Ele, franzindo a testa, respondeu:
— Mais ou menos… era só um capanga. Tava na cara que era só um bostinha do mais baixo nível. Por que ele nos atacaria, mesmo com os superiores dele estando mortos…? Sei não — Ele engoliu um pedação do bolo de chocolate —, e nem quero saber.
Também não queria, decidindo apenas soltar um “dane-se” e seguir em frente. Ainda viriam mais infernos pelos quais eu iria passar, de qualquer maneira.
“Viva o agora”… Essa expressão, no meu caso, é impossível de ser dita. Deveria ser “sofra o agora”, na real. Putz, que coisa mais triste!
Pondo os fones de ouvido, liguei meu celular e abri o podcast de notícias. Se você trocasse pra um noticiário brasileiro, não veria nenhuma diferença — sério mesmo, as mesmas coisas de sempre. Assalto, violência, corrupção, algumas coisas que ninguém liga e a previsão do tempo.
Inclusive, sempre me perguntei o porquê das pessoas acharem super natural haver um país-arquipélago, próximo a Fernando de Noronha, que se chama “Dokoka”. Não que valesse a pena perder tempo pensando nisso.
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O engraçado é que eu decidi perder esse tempo.
“Parando pra pensar, um país como esse ser conhecido como ‘O lugar sessenta anos à frente do resto do mundo’, por seu alto avanço tecnológico, também parece ser natural.”
— Ah… e nós, habitantes de lá, usamos nossos poderes paranormais em público — falei. Acabei deixando esse pensamento escapar.
— Não tem problema — disse Nathan, sua cabeça encostada à janela. — Ninguém gravou, eu acho. Desde que ninguém tenha gravado e a mídia divulgue, tá de boa.
— Eu também penso que não há loucos o suficiente para acreditarem e publicarem que dois moleques de quatorze anos derrotaram membros do MI-5 — Nem eu acredito ter vencido um agente do serviço secreto.
— Pois então. Enfim, amanhã é o primeiro dia de aula, não é? Olha, Edward… me desculpa. Eu te fiz perder as férias.
— Nah, de boa — respondi, mesmo que isso fosse mentira. — Eu ficaria preocupado se te deixasse sozinho.
Mais estranho que isso tudo, eis o fato de nós, “aqueles que derrotaram uma divisão do serviço secreto inglês”, sermos meros adolescentes de quatorze anos.
Bem, eu mesmo não teria, por escolha própria uma alcunha como essa. Não fosse o Nathan ter essa mania de se envolver nas merdas dos outros, e eu ir junto, estaria madrugando assistindo animes ou jogando algum dos games que lançaram recentemente.
Tava ficando cansado disso.
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ㅡㅡㅡ
Assim que desembarcamos do avião, já em Daigo — a última das cinco ilhas do arquipélago de Dokoka —, fomos surpreendidos por uma forte intenção assassina.
Paralisados em meio a multidão, descendo a escada rolante que vagarosamente chegava ao chão, senti que seria morto se me virasse para trás.
“Por que eu não consigo ter um dia normal?!”
Minha respiração irregular era o completo oposto de algo desesperado — a cada suspiro que dava, tinha a sensação de esquecer como se respira, ficando sem ar. Foi simplesmente desesperador sentir que os meus pulmões não queriam fazer o seu trabalho.
“Essa pessoa…”
Ela estava nos matando apenas com sua presença.
Tomando um fôlego de coragem, decidi virar o rosto para o lado, vendo uma lâmina roçar o pescoço de Nathan. Ele, aquele moleque pálido dos cabelos bagunçados, parecia uma vela — seus olhos tremiam.
Vi sua boca abrir e fechar algumas vezes, mas nenhuma palavra ou gemido saiu de lá.
A mão que segurava a lâmina parecia delicada. Seria fofa, de verdade, se não segurasse aquela faca Tromantina.
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— Duas semanas — disse a dona da mão. — Você ficou fora por duas semanas. Foi divertido me trair?
Gulp!, pude ouvir Yago Dias engolir sua saliva. Coitado.
— E-Eu não estava te traindo. Amor, eu… eu tava em missão, você não sabia? — E forçou uma risada. Uma sem ritmo, desesperada, quase um choro. — Poderia tirar essa faca do meu pescoço? Eu não posso me virar e te beijar se ela continuar aí.
“Isso! Boa!”
Suh!, o pedaço de metal afiado cortou o ar e foi recolhido. Sentindo a presença da morte se esvair, pude encolher os ombros e descer com segurança da escada rolante.
Pus a mão em meu pescoço.
“Cacete… senti como se fosse ter minha cabeça cortada fora.”
Nathan caminhou para frente, se virou e puxou a garota pelo braço, a envolvendo num abraço apertado. Em seu rosto havia um resquício do choque, mas pareceu ter suprimido esse sentimento.
É o preço por namorar uma stalker, eu acho.
— Vai na frente, Edward. Eu cuido das formalidades — disse ele.
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— Tá… tá certo. Se cuida.
Com a minha mochila pendurada em um dos meus ombros, saí correndo em disparada para fora do aeroporto.
Passei pela gente que vinha de vários lugares do mundo, pelos guardas, pela entrada que parecia uma passarela, e parei de frente para a rua.
Merda…
“O dinheiro… o dinheiro tava com ele.”
Mas eu nem ferrando iria dar meia volta.
“Kakeru Jikan. Aquela garota me assusta.”
Baixa estatura, corpo magro e sempre coberto com roupas longas — camisas largas, preferencialmente de cor preta, agasalhos cinzas e calça de uma dessas duas cores. Fora o seu cabelo naturalmente verde, ela seria apenas uma adolescente qualquer.
O mundo realmente é um lugar muito grande, se possui pessoas como ela.
“Vou a pé mesmo, dane-se!”
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O aeroporto ficava num pedaço de terra fora da ilha. O que ligava-o ao território da cidade era uma ponte semelhante à de São Francisco, nos Estados Unidos. Só que de cor amarela.
Caminhei pela calçada, pensando nas coisas que passei em Londres. Se eu te dissesse que enfrentei espiões, você acreditaria? Heh, é claro que não.
Até agora não entendi, mas no serviço secreto — ou naquela “área” dele, sei lá — havia uma divisão que cuidava de missões ultrassecretas. Coisas como investigações aos destroços de naves alienígenas ou usuários de poderes sobrenaturais..
Sim, eu desci o sarrafo nessa gente.
Por falar nisso, eu sou um deles — não um espião, mas um paranormal. Foi meu sonho de infância conseguir um poder, tipo telecinesia ou piromancia. Claro, cresci lendo os quadrinhos dos Ex-men, em que os protagonistas tinham poderes legais.
Pena que o meu é uma bosta. É bosta e específico. Tão específico que eu me perguntei se Deus era um autor de ficção que estava sem ideias, mas tinha a forte convicção de criar um poder inovador e dá-lo ao seu protagonista.
Isso assumindo que eu sou o protagonista dessa história. Quer dizer, em minha mente, sempre circularam os pensamentos de que as pessoas são protagonistas e antagonistas, sendo os dois ao mesmo tempo.
Não, isso está errado.
— Depende do ponto de vista, eu acho — Acabei falando sozinho. Andando por aquele túnel deserto, escuro e com calçada quase inexistente. Temi ser atingido por um motorista bêbado. — Pessoas, com ou sem poderes, são protagonistas de suas vidas e possivelmente antagonistas para as outras ao redor delas. Beleza, mas nada disso muda o fato de que o meu poder é uma bosta.
Reclamar não mudaria nada, mas odiaria essa verdade mesmo assim.
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ㅡㅡㅡ
Meio frustrado, meio cansado, percorri uma jornada de quase cinco horas até o prédio de dormitórios da escola. Joguei minha mochila num canto e fui tomar banho.
Devidamente higienizado e alimentado, estava pronto para ficar deitado e procrastinar.
O ruim era que aqueles pensamentos ruins iriam passar pela minha cabeça.
“Maravilha!”, falei irônico em minha mente.
Era o primeiro dia de aula, e já comecei faltando. A missão pode ter durado as duas últimas semanas, mas o Nathan me arrastou pra lá e pra cá durante todo o período de férias.
Era tarde demais para lamentar ou ficar irritado com isso. Mas…
“Putz, agora eu tô puto.”
Não é porque eu sou amigo dele que o idiota pode se sentir a vontade para me usar como ajudante. Já passei da fase de brincar de Ratman e Bobin.
Mas fui idiota, também. Sabendo que seria desse jeito, por que não recusei? Que dor. Bem, penso que Nathan também se lamentou por isso.
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Ele não é o tipo de pessoa altruísta que, vendo alguém com problemas, não pensa duas vezes em ir ajudá-la. É exatamente por isso que passei a me questionar quais os propósitos dele ao se envolver nos problemas dos outros.
Até porque o altruísta aqui sou eu. E não, não estou me gabando por isso. Na real, odeio ser assim.
Não poder ficar sem fazer nada ao ver alguém pedindo por ajuda… queria ser apático, seria mais fácil viver assim. E não é, também, como se me sentisse feliz por ser capaz de me importar nesse nível com meus semelhantes e coisas do tipo.
Não…
Passa longe disso.
— Soa como uma obrigação… — murmurei. — Como se eu não pudesse seguir em frente se não fizesse o que tinha de fazer.
E o meu telefone tocou.
— Justo agora? Deixa eu ficar triste, caramba! — E me recusei a levantar da cama.
Ele tocou de novo. O toque era uma música eletrônica cujo cantor era um urso verde.
E eu odeio a voz dele.
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— Desiste logo, merda!
Eu sou o Gami Ber, eu sou o Gami Ber! Sou colorido e divertido, sou o Gami Ber! Uwou! — essas palavras se repetiam.
Eu coloquei essa música…
“…Justamente pra atender assim que me ligassem.”
Às vezes eu acho que me odeio. Irritado, levantei e peguei a droga do telefone e atendi.
— Oh, não! Estava ligando para um amigo?
“Aquele idiota…”
A pessoa do outro lado deveria ser Doorugami Touma, amigo meu.
— Entendo, me desculpe por te atrapalhar.
Era para ser aquele idiota dos cabelos espetados quem estava falando, mas…
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— Quem diabos é você… e o que fez com o Touma? — indaguei, apertando o telefone.
Uma risadinha característica de psicopata de ficção, daquele tipo louco e irritante, entrou em meu ouvido.
— Eu o sequestrei, por quê? — ele perguntou de volta, como se fosse óbvio.
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