Capítulo 14: Extermínio
Progenitor das Sombras
Caderno 1 – Sangue de Magma
Capítulo -2 | 14
Logo que a barreira se tornou parcialmente ativa, o número de criaturas invadindo a cidade apenas aumentou. Era impossível parar todas as criaturas, mas o objetivo daqueles guardas a muito tempo havia mudado.
— (Atirar!) — A ordem ecoou pelo campo de batalha, os guardas que puxavam firmemente as cordas de seus arcos as soltaram, lançando aljava de flechas em direção as criaturas que tentaram se aproximar, porém, também foram impedidas pelas barreiras de fogo criadas pelos Vocan, que os protegia das criaturas.
— Não vou mudar minha ordem, eu estou no comando e, EU, não vou aceitar — afirmei mantendo minha palavra. — Se Cláudio deseja avançar, diga para ele mesmo fazê-lo, mas enquanto eu estiver aqui, não darei a essas pessoas uma morte em vão.
— Se é assim que planeja continuar, Cavaleiro Katastroff, que seja, as consequências de seus atos serão decididas pelo Mestre — disse uma voz vinda de lugar nenhum, sumindo no vazio da escuridão.
Eu observava o horizonte da linha de frente, vendo sombras, monstros e demônios, as três espécies mais comuns nesse mundo.
Os monstros até agora eram os maiores problemas, além dos ghouls, espreitadores começaram a aparecer: criatura sem nenhuma cavidade em seu rosto além da própria boca e, no centro de sua testa, uma pedra repousava. Essa era a criatura mais intuitiva de todas, e por ser mais rápido que os ghouls, podiam facilmente desviar de uma espada.
— Eu já disse! Não olhem para a pedra na testa deles, eles não o atacarão se fizer isso! — Gritei avisando mais uma vez para aqueles que ainda insistiam em enfrentar aqueles monstros.
Apesar de estarem aqui há anos, esses cavaleiros nunca haviam saído da cidade, nunca enfrentaram o real perigo tão de perto, por isso, não sabiam o que fazer. Olhando para baixo, vi as sombras se moverem de forma estranha, me observava, outra espécie de criatura.
As sombras não tinham forma física, por isso, era o menor dos problemas. Desde que os Vocan continuassem usando seu poder e gerassem luz através do fogo, essas criaturas não ousariam se aproximar. Mas é diferente comigo, não preciso os temer, nenhuma dessas criaturas.
Por um instante senti uma presença incômoda, como um calafrio seguido por um cheiro de abafado, mas bem menos irritante. Olhando para trás, observei Ezequiel parado a um passo de sair da muralha, mas algo parecia incomodá-lo.
Preso ao meu pé, um cão do inferno arranhava seus dentes em minha armadura, gerando um som estridente como o de um garfo arranhando um prato. Eu tinha que parar aquele garoto, mas estava muito ocupado para isso agora.
— Que criatura perigosa, não seria uma surpresa se eu morresse de desgosto ao ouvir esse som. É uma pena, realmente queria parar aquele garoto, mas enfrentar esse ser me traz tamanha angústia que não posso ignorá-lo — eu disse em voz alta, para aqueles que observavam nas sombras.
Me virando novamente para o garoto, observei ele enfrentar seu dilema. Algo estava errado, até que ele finalmente correu, forte, inabalável, uma figura quase que… espera, algo estava errado. Aquela figura que gerava ódio aos nobres, aqueles olhos determinados, eles haviam se fechado. Suas pernas eram magras, ele era assim, mas não frágil como estavam naquele momento.
Me pus a persegui-lo, matei todas as criaturas que vieram em minha direção, mas não o ajudei. Se ele quisesse mesmo fugir, era um caminho que ele mesmo devia trilhar. Atrás de mim os gritos de ira dos cavaleiros ecoavam, eles corriam com suas espadas em direção às criaturas. Vendo aquilo, me assustei.
— MAS QUE PORRAS VOCÊS ESTÃO FAZENDO?!!
— Como ordenado! Estamos lutando, Senhor Katastroff!! — gritou um dos cavaleiros no meio da multidão. Quem ordenou? Não havia sido eu, então, quem? Foi por apenas um instante, mas logo que olhei para trás, vi minha própria imagem próxima a muralha.
Tentei gritar uma ordem, mas antes que eu pudesse uma voz ecoou, rouca, grossa, cortando as palavras como se tivesse dificuldade de falar, calando instantaneamente minha: — Deixe-me, passar — Apenas pude ver a alta silhueta escura se mover, pontiaguda, enferrujada, meus olhos se moveram perseguindo-a, quando se deram conta de não ser alguém.
A lança em minha mão se moveu, foi instintivo ao reconhecer o perigo no meu oponente. O som de metal contra metal ecoou pelo vasto deserto, tentei puxar a lança, mas a lâmina estava presa na mão daquele ser desconhecido, que a segurava com extrema facilidade.
Uma armadura escura, encardida e enferrujada, devia ter mais de dois metros, pois era bem maior que eu.
— Quem é você? O que quer aqui?! — perguntei enquanto observava o ser desconhecido, que estudava a lança em sua mão. Soltando-a, ele respondeu:
— Preciso, voltar — disse ele fazendo novamente seu caminho para a cidade. Erro tolo, nunca se deve virar as costas para um oponente.
Aproveitando a chance, lancei o pé esquerdo para frente, forçando a lança em um ataque perfurante. Instantaneamente o vi se virar, batendo com o cotovelo na ponta da lança e a empurrando longe de si. Sua mão foi rápida, tanto que mal consegui ver seu golpe chegar ao meu rosto até que já estivesse lá.
Senti a brisa empoeirada do deserto entrar pela armadura, a mão negra havia parado a um centímetro de me acertar. — … eu preciso, voltar, para casa…
Um pouco mais e eu estaria morto, quem era aquele ser? O que ele queria? Não havia como saber, mas cada passo que ele dava em direção à cidade eu sentia seu poder aumentar ainda mais.
— ESSA É UMA ORDEM DIRETA DE MIM, KATASTROFF. A PARTIR DE AGORA, TODOS OS CAVALEIROS DEVEM RECUAR PARA AS MURALHAS INTERNAS!! REPASSEM!!!! — Preparei novamente a lança em minhas mãos, não importa como eu veja, se aquela coisa entrasse na cidade, todas aquelas vidas estariam em perigo. Além disso, eu podia ouvir os gritos de cada um daqueles cavaleiros, desde os que lutavam bravamente aos que morriam despedaçados, como poderia deixá-los se sacrificar assim?
— Senhor, nós ficaremos…
— ISSO É UMA ORDEM!!!
O cavaleiro acenou com a cabeça: — VOCÊS OUVIRAM!! VAMOS RECUAR! — Logo que eles começaram a ir embora, chamei a atenção daquele ser desconhecido;
— Ei, você!!
— Não tente, me, impedir. — A voz meio rouca ecoou novamente, rasgando o ar de forma agressiva. Não esperei, me jogando em sua direção, mirei a lança no lugar mais propício a causar danos, o joelho, onde pelo menos ele iria se desequilibrar. Instantaneamente ele se virou, a lança perfurou o ar, mas apenas o ar; desviando dela, ele abriu os braços na tentativa de me agarrar. Passando por debaixo de seus braços, me movi novamente para o lado da muralha. Nunca tentei acertá-lo para causar dano, mas se eu golpeasse, todos aqueles cavaleiros seriam atingidos.
— [Pelo sangue de meu povo, ascenderei aos céus, puro, belo, como aquele feito pelo próprio criador…] — A ponta de minha lança brilhou com uma energia esbranquiçada, iluminando a areia acinzentada ao meu redor. A energia se espalhou pela lança seguindo minha voz, ressoando com minhas preces, até envolver completamente a arma em minhas mãos.
— Uma auréola?!! O SENHOR KATASTROFF É UM ANJO!! — Uma voz ecoou vinda dos cavaleiros ao mesmo tempo que uma energia se intensificava em cima de minha cabeça, seguida pela voz do desconhecido:
— Preciso, voltar, saia, do caminho.
— Meu povo me ensinou que devemos saber o nome daqueles que enfrentamos, diga-me, ou vá embora desse lugar! — Eu disse na tentativa de ganhar um pouco de tempo, até que minha energia estivesse se intensificado.
O desconhecido não se moveu, apenas ficou ali, imóvel, quando sua voz novamente ecoou: — Nome… — Uma aura escura começou a emanar da armadura e, pela primeira vez, sua voz não travou, mas aquela energia escura emanava ainda mais a cada palavra —, ele me deu um nome, Ezra, mas não sou digno de usá-lo. Eu sou aquele que abandonou meu criador, indigno, só posso me chamar de renegado, o Cavaleiro da Escuridão.
Apesar de saber o que eu estava fazendo, ele não me parou, por que ele também estava se preparando. Isso não era uma simples apresentação, um “nome” era algo que representava sua alma, tão importante quanto sua própria vida e, no momento que ele me revelou o seu, eu entendi seu poder.
Pela coloração escura poderia ser terra ou mesmo raio, tudo dependia do método que a pessoa usasse para treinar, mas agora eu tinha certeza, sombras, assim como seu nome.
— Perante Kyría, minha lança; Ezra, o Cavaleiro da Escuridão cairá. — Não esperei por uma resposta, me joguei para frente na tentativa de perfurar o peito da armadura. Seus movimentos eram rápidos, tanto que apenas se afastar era o suficiente para ele conseguir desviar, mas sua mão avançava ferozmente, tentando se aproveitar da brecha em minha postura ao atacar. Esperto, mas a cada golpe perdido de sua parte sua energia vazava de forma incomum.
Ele bufou, cada golpe dado por mim era sorrateiro, rasgava aos poucos sua armadura enquanto permitia eu me afastar. Até que segurou a lâmina da lança, erro tolo, minha força foi o suficiente para puxá-la, arrancando um grande buraco na palma de sua manopla esquerda.
Olhando para a marca deixada por minha arma, ele parou, como se estivesse pensando em algo em seu interior. Tarde demais, minha lança viajou em direção ao seu coração, ele não deu indícios de se mover, estava acabado, o som do metal sendo perfurado ecoou pelo deserto vazio.
..
— Eu vejo, descendente dos anjos, Kyría da terra. Seu corpo é tão duro quanto a armadura que usa, mas eu não posso desistir, eu preciso do perdão — disse o cavaleiro segurando a haste da lança com a mão direita, impedindo seu braço esquerdo de ser ainda mais perfurado, o braço que ele usou para se defender. — Eu tenho que voltar, voltar, minha casa, aquele que me criou… você, venha comigo.
— O que?! — disse tentando puxar a lança, ele a segurava com apenas uma mão, mesmo assim, não conseguia retirá-la de seu corpo.
— Você é um ser daquele sangue, os que foram escravizados pelos humanos, como pode estar entre eles, eu não entendo — Ele puxou a lança para próximo de si, fazendo-a tocar o peito de sua armadura. — Eu vejo os olhares, eles anseiam por algo em você.
— São humanos! Eles são tolos! AHHH!! — Não importava quanta força eu colocava, a lança mal se movia, nem para frente ou para trás. De repente, um barulho, seguido por altas batidas que percorriam o solo, o chão começou a tremer. Olhando para o horizonte do deserto, não vi nada de incomum, quando percebi algo se mover.
Há algumas horas eu havia mandado meus homens investigarem algo, dentro de uma tempestade de areia havia uma sombra, algo incomum já que não existiam montanhas nesse lugar, e a sombra continuava ali, mas, saindo da tempestade…
— Ele chegou — disse o cavaleiro, puxando a lança de seu braço e a arremessando em minha direção, me fazendo cair para trás. — O presente da minha redenção.
Saindo de dentro da tempestade, próximo a saída do deserto, as enormes patas derreteram as montanhas em seu caminho. Um rugido alto ecoou, incomparável, tanto que instantaneamente tentei tapar os ouvidos, mas fui impedido pelo capacete em minha cabeça. Os gritos dos soldados também ecoaram pelo deserto, dessa vez realmente estava acabado, os que não morreram em batalha, estavam morrendo aos poucos agonizando enquanto tinham seus tímpanos estourados.
A criatura se moveu, não apenas grande, sua postura corporal era como a de uma onça, mas não havia pele, apenas uma armadura de músculos. Seus olhos vermelhos observavam nessa direção, brilhavam tanto que podia vê-los a essa distância.
Segurando o cabo da minha lança, me levantei. Sentia minhas pernas ainda bambas e certa dor se espalhar por meus membros, como se cada um deles estivesse sendo congelado. Medo, apenas alguns tipos de monstros podiam gerar esse tipo de efeito, ainda mais em alguém da minha raça.
— É você quem está trazendo ele para cá, não é?
— Sim, ele está sob meu comando.
— Eu imaginei, não há motivo para uma criatura tão grande vir a esse lugar. Então, se eu te matar, ela iria embora? — Me mantive firme, mas estava estampado em minha voz quão amedrontado eu estava, não era intencional, mas não era um sentimento bom.
— Está correto, Kyría da terra. E é por isso que te darei uma nova chance de sobreviver — Da fenda criada por minha lança em seu braço esquerdo, o cavaleiro começou a puxar algo; uma energia escura emanava daquela parte de seu corpo, se moldando aos poucos em uma espada fina, não tão longa, e às vezes era como se ela se desfizesse no ar. — Seu “nome”, dá-lo a mim como oferenda nesse duelo, se vencer, me irei, mas se eu vencer, seu nome será meu e irei entregá-lo como presente ao meu mestre.
— Próximo Capítulo – Sangue —
NOTAS: Opa, entre meio a quedas de energia, chuvas fortes e problemas com o discord, finalmente consegui terminar esse capitulo. Porém, tenho uma noticia boa, o servidor no discord que estou criando está quase pronto. Além disso, vou tentar fazer um combo daqui para frente, apesar de ser difícil com tanta chuva assim.
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