Capítulo 50 - Para mudar o mundo
Vários dias se passaram desde que eles se separaram do Mago Orym Torfiel. A viagem tinha sido mais tranquila do que o esperado.
Radagad primeiro os escoltou até um estábulo particular a alguns quilômetros da muralha, nos arredores de uma cidade chamada Noster. Era um local lucrativo, pois os soldados de licença costumavam ir lá para relaxar, assim como os mensageiros do reino. Isso explicava os muitos bordéis e bares que enchiam as ruas.
Ikaris e Ellie finalmente puderam apreciar a beleza de uma verdadeira cidade feudal. Madeira, pedra e tijolo eram os principais materiais, mas o domínio do vidro ainda não havia sido alcançado e as janelas dos prédios estavam sem vidros.
O sistema de esgoto também era inexistente e a cidade foi construída em torno de um rio por esse motivo. O rio Noster corria pela cidade de leste a oeste e os habitantes despejavam nele seus penicos sem escrúpulos. Para evitar qualquer mal-entendido embaraçoso, a água limpa foi retirada do leste do rio a montante da cidade antes de ser poluída por seus dejetos.
Infelizmente, nem todos cumpriam essas regras, e quem morava longe do rio nem sempre tinha vontade de fazer a viagem com seus penicos. As calçadas estavam enlameadas e molhadas, e o cheiro de suor, urina e esterco os deixava enjoados assim que chegavam.
Depois de se aventurar alguns quarteirões, o grupo avistou uma velha desdentada despejando o conteúdo de seu penico pela janela do segundo andar e isso deu a eles uma nova perspectiva do fedor que assaltava suas narinas. Depois disso, Ikaris e os outros se recusaram a andar pelas calçadas lamacentas e se limitaram às principais ruas de paralelepípedos.
Como se para zombar abertamente de suas sensibilidades, Tesão cagou no meio do caminho para o estábulo, manchando o caminho quase limpo com um enorme esterco. O ato foi tão natural quanto respirar e ele nem diminuiu o ritmo.
Logo depois, um transeunte tropeçou nele com a namorada meio bêbada pendurada em seu braço. Ikaris e os outros respiraram fundo e imediatamente aceleraram o passo sem olhar para trás.
“Radagad, como você avalia o saneamento desta cidade em comparação com a capital de Hadrakin?” Ellie perguntou curiosamente quando pararam em frente ao estábulo.
“Uh? Eu já vi piores.” O Arqueiro bocejou com indiferença. Ele estava tão acostumado a esse tipo de visão que nem mesmo o fedor o incomodava mais. “Anor é uma capital com paredes brancas imaculadas e esse tipo de fedor é inimaginável. Ouvi dizer que os feiticeiros usam magia de limpeza várias vezes ao dia para garantir que a cidade permaneça sempre impecável.”
Radagad então negociou longamente com o proprietário do estábulo, um homem corpulento de classe média com longas costeletas. Um momento depois, ele saiu irritado, sua bolsa muito mais leve.
O veterano então os levou para o próximo meio de transporte. Que surpresa foi quando souberam que não passariam os próximos dias a cavalo.
E aqui estavam eles, sentados entediados a vários milhares de metros acima do solo nas costas de um Gryfal, algum tipo de águia de duas cabeças com a envergadura de um avião bombardeiro. Longe de serem confortáveis, suas longas penas marrons eram afiadas como aço, e uma sela especial com uma espécie de cabine maior que uma carruagem servia como residência temporária.
Inclinando-se sobre a borda da janela para espiar o vazio abaixo deles, Toby resmungou de frustração.
“Jesus, por quanto tempo ainda vamos planar? Há dias que estamos nesta caixa que é pouco mais espaçosa do que a minha velha caixa de lixo!”
O militar havia acordado alguns minutos após a decolagem. Sua queixa era compreensível. A cabine poderia ser considerada adequada para três ou quatro pessoas, mas isso era para um voo curto e quando os passageiros eram estritamente humanos.
Um Bisão Demoníaco maior que um hipopótamo não deveria voar nas costas de um Gryfal…
“Cale a boca e pare de choramingar.” Ikaris retrucou concisamente, mantendo os olhos fechados em uma postura meditativa. “Não se esqueça que você deve sua vida ao Tesão. Eu preferia ter deixado você para trás do que ele.”
“Muuu.” Tesão concordou com a cabeça de maneira distinta.
“Oh Deus, tomá no cu. Este nome eu não posso…” Asselin se encolheu pela enésima vez na viagem. “Eu não consigo entender o que estava passando pela sua cabeça, Ikaris, quando você o chamou de Tesão…”
“Para diverção.” O adolescente respondeu laconicamente.
“Yaaay. Tão engraçado…” O aristocrata bufou enquanto olhava pela janela também.
“Quanto tempo até chegarmos lá, senhor Radagad?” Ellie perguntou com uma voz tímida e bajuladora enquanto mexia nervosamente em seus cachos loiros.
O ranger taciturno se abrandou quando a aluna fofa e sempre ansiosa se dirigiu a ele. Malia observou a mulher de Outro Mundo estranhamente, imaginando o que havia de tão especial nela que o guerreiro a trataria de maneira diferente.
Se Ikaris pudesse ouvi-la, teria simplesmente respondido com uma cara de farto,
“Ela é fofa. Ela não olha para todos com frieza como se tivessem matado os pais dela…”
A presença da Vampira Kitsune tornou a viagem sufocante para todos. Além de mudar de posição o tempo todo, cruzando e descruzando continuamente as pernas, ela tinha o hábito recorrente de afiar a espada com uma pedra de amolar sempre que ficava entediada.
A cabine estreita não ajudou em nada, tornando o voo especialmente desagradável. Pela mesma razão, Ikaris não foi capaz de praticar magia como queria e, em vez disso, concentrou-se em seu feitiço Eu sou Eu. Era um feitiço que não exigia que ele se movesse.
Depois de vários dias de viagem, os sintomas persistentes de sua linhagem de Escravo Rastejante diminuíram significativamente e ele se sentiu como ele novamente depois de suportar uma névoa mental prolongada.
Ele também estava conversando com Magnus um pouco telepaticamente e agora estava bastante claro sobre os diferentes estágios dos feiticeiros. Quando entendeu o que significava ser um Mago como Orym, ele começou a suar de medo.
Se o velho os quisesse mortos, nenhum deles teria sobrevivido mais de três segundos.
“Para responder a sua pergunta, Ellie, estamos quase lá. Estaremos lá em menos de uma hora.” Radagad respondeu gentilmente.
Os rostos dos outros passageiros brilharam de felicidade ao saberem que sua provação estava prestes a terminar. O soldado finalmente parecia disposto a falar, então Ellie disparou outra pergunta depois de ser induzida por um olhar encorajador de Ikaris.
“Onde estamos agora? Ou melhor, para onde estamos indo? Deveríamos ter deixado Hadrakin há muito tempo depois de voar por tanto tempo…”
Radagad olhou para eles alternadamente, então suspirou quando os viu prestando atenção em cada palavra sua.
“Às vezes esqueço que, com exceção de Asselin, vocês são todos selvagens sem instrução…”
“Diga isso de novo!” Toby zurrava sem saber o que fazer, mas um movimento sobre-humano do arqueiro quase o fez cair no precipício, quase nocauteando-o.
Ignorando o ex-militar agarrado ao parapeito da janela para não desmaiar devido à concussão, Radagad explicou:
“Acabamos de entrar no espaço aéreo do Império Styr, um Império de Nível 2. É a nação mais próxima de Hadrakin com um Portal de Transporte. Depois de pousar em Chalkyrm, usaremos um para nos teletransportar para Tartarus Shade, a cidade-estado que supervisiona as Terras em Guerra. Uma vez lá, vocês estarão sozinhos, mas ficarei com vocês até que tenham decidido onde pretendem estabelecer sua Estela de Elsisn.”
O grupo de “selvagens” ficou boquiaberto. Um portal de teletransporte? Em que tipo de mundo louco eles caíram?
Por um lado, a tecnologia das Terras Esquecidas estava lamentavelmente atrasada, pairando entre o Neolítico e a Idade do Bronze, e por outro lado havia coisas malucas como este Portal de Teletransporte que superava em muito a tecnologia da Terra. Provavelmente para sempre.
Mas enquanto Ikaris pensava sobre isso, percebeu que não era a primeira vez que eles se deparavam com esse tipo de anacronismo. A armadura dos Feiticeiros Corporais de Hadrakin parecia ser forjada de aço fino. Malia tinha sua própria espada de ferro e o Gryfal em que eles estavam se movia mais rápido do que a maioria dos aviões.
Este mundo era atrasado, mas a magia estava em toda parte, compensando parte do atraso e às vezes até se saindo muito melhor do que a ciência em algumas áreas. Ele estava ansioso para descobrir o que seria capaz de realizar se trouxesse sua formação científica para este planeta.
A magia e a ciência eram a maneira real de mudar o mundo.
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