Capítulo 29 - Colegas de Quarto.
A suave brisa que fluía pelas janelas agitava delicadamente as cortinas, criando uma dança graciosa de tecido no ambiente. Através dessas cortinas, a luz intensa do sol penetrava no cômodo, encontrando os olhos de Colin e inundando sua retina com sua radiância.
Ele finalmente despertou.
Espremeu seus olhos e vislumbrou uma sala de hospital simples, com algumas poções e curativos em cima de uma mesa redonda mais ao fundo.
Colin viu-se sozinho naquele quarto com cheiro estranho.
Os lençóis eram azuis, assim como o colchão e parte da parede.
Ele olhou para a palma de sua mão, e antes de retirar sua coberta, notou que o canto de sua cama estava amarrotado, como se alguém tivesse debruçado ali.
Após isso jogou as cobertas de lado e olhou para seu abdômen.
Estava completamente curado.
Coçando a nuca, ele sentou-se na cama devagar. Tentou lembrar de tudo que aconteceu, mas seus pensamentos estavam nublados. De repente, a porta abriu, e Millie, a secretária, adentrou o quarto.
— Então você acordou… — disse ela fechando a porta.
Millie segurava uma prancheta em mãos e estava vestida casualmente. Ela aproximou-se de Colin e exibiu um sorriso gentil.
— Quem é você?
— Millie, muito prazer! Estou cuidando do seu tratamento. Você ficou muito mal, sabia?
Num estalo, se lembrou-se de tudo. Do confronto contra Anton, de seus ferimentos e de seus companheiros.
Engolindo em seco, Colin sentiu-se culpado e, ao mesmo tempo, bastante fraco. O amargor da derrota ainda estava em seus lábios.
— Como meus amigos estão? — perguntou baixinho, quase sussurrando.
Millie sentou-se na cama ao lado dele.
— Todos estão bem, até iniciaram as aulas.
Colin suspirou.
— Então fomos realmente aprovados?
Ela sorriu e fez que sim.
— Seus amigos estão muito preocupados com você. Eles têm vindo aqui regularmente depois das aulas, principalmente aquela do cabelo verde. Ela senta ao lado da sua cama e fica parada por horas, às vezes até adormece. Você deve ser muito importante para ela.
Colin engoliu em seco e sentiu-se culpado.
Escolher enfrentar Anton sozinho foi uma decisão dele, mas mesmo se sentindo culpado, ele não se arrependeu.
— A culpa foi minha. Depois de vencer tanta gente em batalhas complicadas, pensei que fosse invencível.
Ela apoiou uma das mãos no ombro dele.
— Tenho certeza que eles não irão culpar você. Têm bons amigos, senhor Colin.
Colin sabia que suas companheiras realmente não fariam isso. Provavelmente eram elas que sentiram-se culpadas por serem pegas pelo inimigo no primeiro momento.
— Você disse que está cuidando do meu tratamento, não é? Por que Brighid não está fazendo isso?
— Sua companheira de cabelo verde, né? Você não deve saber, mas quando magos utilizam seu poder além do limite de seus corpos, somos punidos de alguma forma. Você, por exemplo, sua reserva de mana teve uma queda brusca. Foi arriscado mudar a forma da mana para aumentar a potência daquele seu golpe, mas, diga-se de passagem, foi um golpe e tanto.
Colin olhou para baixo pensativo. Sua reserva de mana já era baixa, mas Millie disse que ele teve uma queda brusca. Sua maior preocupação seria se ele conseguiria voltar ao normal.
— Senhorita Millie, minha reserva de mana, pode se reestabelecer?
— Irá depender exclusivamente de você, mas estou aqui para facilitar esse processo. Hodrixey me pediu para cuidar de você pessoalmente. Não é todo mundo que consegue impressioná-lo, sabia?
“Hodrixey? O cabeça por trás da universidade?”
— Esse Hodrixey, o quão forte ele é?
Millie ergueu-se e puxou uma cadeira, fazendo sinal para que Colin sentasse.
— O que é isso? — perguntou ele.
— Com você acordado fica mais fácil o tratamento. Sente-se aqui por gentileza.
— Certo…
Colin sentou-se na cadeira e Millie moveu-se para trás dele, apoiando as mãos em suas costas.
Uma luz amarela começou a brilhar intensamente enquanto Colin sentia uma sensação agradável. Era semelhante ao processo de cura de Brighid, porém, era bem mais intenso.
— Perguntou o quão forte Hodrixey é, já ouviu falar no conselho de Lótus?
Colin fez que não com a cabeça.
— Vim do interior… não se falava muito sobre eles no lugar onde vivi.
Millie achou estranho, pois até mesmo as crianças de vilarejos remotos ouviram falar do conselho de lótus.
“Talvez ele esteja fazendo algum joguinho comigo”, pensou ela.
— E de qual vilarejo você veio?
Colin deu de ombros.
— Algum sem importância, mas o que é esse tal conselho de Lótus?
Ela ainda continuava desconfiada, mas Colin parecia que realmente não iria ceder. Não era nada de mais falar sobre o conselho de lótus, não era um segredo escondido a sete chaves. Mesmo que Colin fosse alguém perigoso, aquelas informações que ela estava prestes a revelar eram de conhecimento público.
— Então — disse ela ajeitando os óculos com o indicador. — Quando o véu caiu há alguns séculos, foi feito um conselho de crise para tratar dos novos seres que chegaram a este mundo. Alguns dos seres até mesmo foram integrados no conselho por serem extremamente fortes.
Ela terminou de curá-lo e se ergueu, encostando o quadril na cama frente a ele. Millie ajeitou os óculos mais uma vez e cruzou os braços.
— Não vai me dizer que no vilarejo onde nasceu os Elfos Negros não contaram esta história…
Colin sorriu e coçou a bochecha.
Ele até havia esquecido que neste mundo existia essa rixa entre os humanos e outras raças. Como um bom mentiroso, ele entrou no jogo.
— Eles contaram, mas eu queria ouvir a versão de vocês da história… então me desculpe por não ter sido sincero desde o começo.
Ela deu de ombros.
“Então era mesmo um jogo.”
— Tudo bem! — disse ela. — Respeito isso. O conselho havia nomeado 12 seres para o integrarem, os doze monarcas correspondente as 12 árvores. Este mesmo sistema perdura ainda hoje. O conselho de lótus é uma organização mediadora de conflitos.
“Quanta besteira”.
Colin achou aquilo ridículo. Como uma organização mediadora deixa uma guerra acontecer por séculos?
— Se o conselho media conflitos, então por que ainda existe guerra? — indagou Colin.
— A resposta é simples, “dinheiro”. Até mesmo o conselho de lótus tem que pagar tributos e, simultaneamente, ele é sustentado pelo alto clero. Não é interessante para a elite o fim da guerra.
Colin assentiu. Ele estava começando a entender o jogo político arquitetado por trás das cortinas.
— Então o conselho de lótus é o braço de ferro da Elite, certo? Uma organização de fachada que sobrevive de subsídios do alto clero? Para mim, parecem mais um bando de sangue sugas medrosos.
— Interprete como quiser, mas se o senhor Hodrixey não fizesse parte do conselho de lótus, a guerra com certeza teria chegado até aqui.
— Então por que Hodrixey ainda paga tributos aos ricos se ele tem esse tipo de “acordo” com eles?
— Para que ele continue isento da guerra. Existem estudantes aqui onde famílias estão em guerras umas contra as outras. Pagar o tributo isenta que os herdeiros sejam atacados na universidade. Senhor Hodrixey não paga a taxa somente para proteger a universidade, mas toda a cidade que a cerca além do império, já que a capital é o coração de Ultan. Pensa que ninguém nunca quis invadir a capital? Hodrixey junto as 10 guildas protegem o imperador.
— Dez Guildas?
Ela assentiu.
— Bom, existem guildas que são ranqueadas segundo o número de missões que completam com êxito. Os que completam um número absurdo de missões quase impossíveis conseguem subir mais rápido. A Guilda mais forte está no castelo do imperador, vivendo como reis. O restante é enviado para alguma linha de frente ou designado para uma tarefa mais complicada.
Colin assentiu.
Conversar com a secretária realmente abriu sua mente. Ele entendia melhor o sistema desse mundo e, como secretária de um integrante de um grupo poderoso, talvez pudesse arrancar alguma informação relevante que ela simplesmente poderia deixar vazar.
— O conselho de lótus… ninguém realmente nunca tentou desafiá-lo?
A secretária trocou a posição das pernas e ajeitou novamente seus óculos com o indicador.
— Então os Elfos Negros do seu vilarejo também não contaram sobre o grande massacre de Nuntra em Valéria, certo?
— Grande massacre?
Ela fez que sim.
— Teve uma vez, uma única vez, que o conselho de lótus foi aniquilado por um único homem, mas isso foi há muito tempo, bem antes do conselho atual existir e se integrar ao império. Foi um gigantesco momento de crise, mas as casas em ascensão se apressaram para fundar outro conselho com pessoas ainda mais fortes.
“Então realmente existem pessoas capazes de desafiar poderes imensuráveis nesse mundo. Vencer o conselho de lótus sozinho… cara, isso parece loucura só pelo nível de importância deles.”
Colin a olhou de cima a baixo.
— Você parece ser forte.
Millie sorriu convencida. Colin não estava errado, ela era sim muito forte, forte o bastante para ser o braço direito de Hodrixey.
— Sou uma maga pertencente a Árvore do Reparo, nível 8. Nível 5 na Árvore do Vácuo e nível 7 na Árvore do Conjuro. Posso parecer forte, garoto, mas esta universidade está cheia de pessoas tão habilidosas quanto, até mesmo entre os alunos.
“Existem alunos tão fortes assim? É claro que existem, se aquele Anton foi capaz de me dar uma surra, com certeza devem ter outros.”
— Qual sua raça? O único ser que vi dominar tantas habilidades vive a mais de 1 milênio.
— Sou uma meia Elfa da floresta. Aliás, você é um meio Elfo Negro, Calimaniano ou o quê? Sua reserva de mana é um pouco baixa para um meio Elfo, e apesar de ter 1,85 de altura, é uma média meio baixa para um meio Elfo do sexo masculino.
Colin deu de ombros.
— Suponho que sou uma anormalidade.
— Não é para tanto. Vimos sua luta, apesar de baixa reserva, você controla bem sua mana, diria que até bem demais. Ensinaram isso no vilarejo onde nasceu?
Colin fez que não.
— Aprendi com alguém forte, só isso.
A mente de Colin pensava em diversas coisas, diversos assuntos diferentes, mas em meio a sua mente bagunçada, ele decidiu perguntar novamente sobre as aulas na universidade e seus amigos.
— As garotas, elas estão indo bem nas aulas?
— Muito bem por sinal. Safira aprende rápido, ela se matriculou em esgrima recentemente e está indo muito bem. Brighid é um gênio, apesar de não poder usar magia de cura por enquanto, ela é incrível. Até recebeu um convite para lecionar na universidade e disse que iria pensar sobre depois que você despertasse.
“Claro, afinal ela é uma Monarca de duas Árvores.”
Colin abriu um sorriso de canto. Ele estava feliz que suas companheiras estavam conseguindo se sair tão bem sem ele.
— E aquele garoto, Kurth?
— Ele também tem se saído bem, na verdade, ele começou a estudar dois dias depois de suas amigas. Assim como você, ele estava de cama.
Colin estava curioso de como foram separadas as turmas, se foram por notas ou por ordem alfabética. Ele estava ciente que a universidade tinha um forte sistema hierárquico, principalmente entre os bolsistas.
— Em que turma estou? Fiquei entre os melhores?
Millie fez que não e suspirou.
— Você fez uma boa participação, mas os nobres decidiram não financiar você como financiam suas amigas, por isso você foi mandado para uma turma mediana… sinto muito…
Colin sorriu em desespero e suspirou.
Ele não esperava por isso, na verdade, esperava que ficasse entre os melhores. Mas tudo bem para ele, desde que chegou a este mundo nada tem sido fácil, então aquela seria apenas mais uma oportunidade de ele treinar e sair bem perante algum desafio.
— E os outros? — perguntou ele.
— Bem… suas duas amigas estão em excelentes turmas, já o garoto Kurth acabou na mesma turma que você pelos mesmos motivos.
Colin ergueu uma das sobrancelhas.
— Mas você não disse que ele está se saindo bem?
— E está, para um aluno matriculado naquela turma, ele está se saindo bem até demais.
Millie descruzou as pernas e se ergueu.
— Acabamos por aqui. Proponho conhecermos seu novo dormitório, mas antes…
Millie ficou ante a Colin e sorriu ajeitando os óculos com o indicador.
Ela estendeu a mão sobre a cabeça de Colin e suas roupas simples de hospital deram origem a um uniforme branco com detalhes vermelhos. A camisa era de manga longa com botões e detalhes vermelhos na manga e em partes da blusa. As calças e botas eram pretas.
Por cima da blusa usava um paletó vermelho com detalhes dourados. Até mesmo o cheiro era diferente. De um jeito estranho, sentiu-se como um príncipe após ser ajudado pela fada madrinha.
— Agora podemos ir.
Erguendo-se, Colin olhou sua roupa pomposa. Ele nunca vestiu nada assim na terra. Se sentiu como se estivesse em uma festa fantasia com o tema de roupas da realeza britânica do século XIX. A roupa era confortável e tinha uma boa temperatura apesar de seu pano grosso.
Millie deixou a pequena sala indo direto para o corredor movimentado.
A secretária alta atraía olhares, mas os olhares fixaram-se mesmo em Colin assim que ele deixou a sala médica. Algumas meninas cochichavam, outras pessoas franziam seus semblantes para ele.
— Esqueci de avisar — disse Millie ajeitando os óculos. — Você ficou bem famoso desde seu confronto com Anton. Conseguiu inimigos e um pouco de fãs.
Colin deu de ombros.
— Não me importo muito com fama ou inimigos, mas me diz, quando vou poder me encontrar com Hodrixey?
— No momento o diretor está em uma viagem importante, ele deve voltar em alguns dias.
Como diretor, era normal que Hodrixey fosse um homem ocupado. Ainda mais depois de Colin ter a ciência que ele pertencia a um grupo tão famoso quanto o lótus.
Eles seguiram em silêncio pelo corredor e viraram na esquina, dando de cara com um corredor extenso cheio de janelas perfeitamente detalhadas. Toda arquitetura da universidade lembrava os grandes palácios élficos de histórias fantasiosas.
Estando a tanto tempo em um mundo mágico, Colin já deveria ter se acostumado, mas para alguém como ele que parecia estar dentro de um livro de fantasia, era bem difícil isso acontecer. Seus olhos não paravam de brilhar.
A parte da universidade que estavam era acessível somente para os alunos, e felizmente, agora Colin era um deles.
Entre olhares e encaradas, eles chagaram enfim ao dormitório que mais parecia um prédio gigantesco.
Colin olhou para cima, avistando um prédio único com a arquitetura clássica de um prédio élfico. A frente toda era decorada com uma vidraçaria espelhada. Ele começava quadrado, mas seu topo era triangular. Tinha cerca de 50 andares e raízes grossas cresciam pelas suas laterais, indo até o topo.
Millie adentrou o hall e se deparou com diversos sofás chamativos e ornados, com vários estudantes sentados neles jogando conversa fora ou lendo pergaminhos sozinhos em um canto.
Ela subiu as escadas ornadas de madeira, indo em direção ao décimo quinto andar.
— Enfim, chegamos! — disse Mille apontando com o queixo para a porta de madeira envernizada. — Você vai dormir aqui, já preparei uma muda de roupas e tem comida na dispensa. Não se apresse para conhecer seus novos colegas de quarto, eu diria que eles são… excêntricos.
— Colegas de quarto? Meus companheiros não estão aí?
Millie sorriu e fez que não.
— O dormitório dos rapazes e moças são separados. Meu trabalho aqui está feito.
Erguendo a mão na direção de Colin, Millie conjurou um pergaminho e entregou para ele.
— Aí estão os horários e onde acontecerão suas aulas. Analisando todos os seus graus de magia, tomei a liberdade em te matricular em matérias que tenho certeza que você vai se sair bem.
Colin ergueu uma das sobrancelhas.
— Tomou a liberdade?
— Se você não se importar, claro.
Colin fez que não com a mão.
— Tudo bem, eu não me importo.
— Ótimo, avisarei seus amigos que você recebeu alta, tenho certeza que eles virão te visitar em breve.
Virando-se de costas, Millie se dirigiu até as escadas, mas parou, encarando Colin por cima dos ombros.
— Você perdeu o começo do ano letivo, por sorte peguei com os professores tudo que você precisa para não ficar para trás ante seus colegas de classe. Está tudo dentro de uma pasta no seu guarda-roupa. Caso tenha alguma dificuldade na matéria, pode perguntar aos seus amigos de classe, ou me procure no escritório do diretor que agendarei suas aulas particulares lecionadas exclusivamente por mim.
— Aulas particulares… não se preocupe, eu vou ficar bem.
— Você quem sabe.
Colin, com discrição, acompanhava os movimentos de Millie enquanto ela descia as escadas com calma. A secretária emanava uma aura de sensualidade que não passava despercebida por ele, embora o fato de ser mais alta do que Colin normalmente não estivesse em sua lista de preferências.
De forma inconsciente, Colin se viu atraído pelo encanto de Millie e seus olhos se fixaram involuntariamente nas curvas de seu corpo, especialmente em sua provocante silhueta.
Imagens indecorosas começaram a tomar forma em sua mente, alimentando sua imaginação. No entanto, ao perceber que Millie estava se virando, ele rapidamente desviou o olhar, preocupado em ser pego observando-a de forma imprópria.
— Esqueci de mencionar uma coisa, amanhã terá um grande banquete de boas-vindas para os novos estudantes. Todos os alunos vão estar lá. — Ela encarou Colin com uma expressão bem séria. — Espero que você se comporte, senhor Colin.
Dando de ombros, Colin cruzou os braços e olhou para cima fingindo que não era com ele.
— Tá…
Ele girou a maçaneta devagar, adentrando seu novo apartamento. Era incrivelmente organizado e aconchegante. Os três sofás que formavam a sala de entrada eram bastante acolchoados e tinham um tom verde bastante discreto. A mesa de centro era feita de madeira marfim e ao lado estava uma lareira. Nas laterais, exibia-se uma luz fraca das lamparinas com orbes dentro delas.
Logo atrás era a cozinha.
Tinha uma bancada de madeira bem polida e um gigantesco armário também feito de madeira marfim.
Evitando sujar o soalho de granito com seus sapatos, Colin os tirou e deixou no tapete da porta. Ele deu alguns passos sentindo chão gelado.
Passou pela sala e foi até a cozinha, abrindo o armário. Encontrou alguns pães e um pote de grãos que se parecia com amendoim.
Fazia dias que ele só se alimentava de soro, então, sem pensar duas vezes abriu o saco pegando um pão e o colocando direto na boca. Foi como comer o pedaço de uma nuvem de algodão, o gosto era doce e derretia na língua.
— Isso aqui tá uma delícia! — disse de boca cheia.
— Ei! Seu rato! Tire as mãos da minha comida!
Colin se virou, assustando-se imediatamente com o que viu. Avistou um Orc um pouco maior que Millie o encarar com uma cara assustadora.
— Me desculpe! — disse Colin assustado com o tamanho daquele Orc — Eu não sabia que era sua!
O Orc, de pele avermelhada e rosto grosseiro, se aproximou de Colin e tomou o saco de pães de sua mão. Irritado, o Orc segurou Colin pela gola da camisa e o ergueu.
— Agora vai saber!
— Para com isso, Kodogog! — disse uma voz jovial que veio da sala de estar. — Esse é nosso novo colega de quarto.
“Ele estava ali o tempo todo? Espera, eu conheço essa voz!”
Kodogog cheirou Colin e o soltou.
— Então tudo bem, coma o que quiser, amigo! — disse o Orc com um sorriso vazado naquele rosto grosseiro.
— Meu nome é Stedd, o justiceiro — disse o humano sentado no sofá. — A gente se conheceu no beco daquela vez. O nome do meu amigo grandão é Kodogog, o poderoso. E você deve ser Colin, o assassino do Bakurak.
Colin achou estranho todas aquelas alcunhas, ele se sentiu dentro de um RPG de mesa. O mais estranho, era ele nem ao menos ter notado Stedd sentado quando chegou.
— Isso, sou o Colin. Eu não queria roubar a comida de vocês.
Stedd balançou uma das mãos.
— Não se preocupe com isso, é só um pão, tem vários na dispensa.
— Certo…
Apoiando um dos pés na mesa de centro enquanto estava sentado no sofá, Stedd fez um gesto para que Colin se sentasse. Ele fez o caminho de volta para a sala e sentou-se no sofá ante a Steed.
Kodogog ocupava dois assentos, então ele sentou-se no sofá que estava sobrando.
Steed tinha o cabelo prateado dividido ao meio. Seus olhos eram levemente avermelhados. Ele era um rapaz belo e tão alto quanto Colin.
— Então você é uma celebridade, certo, Colin? — Stedd sorriu ao dizer aquilo. Os seus dentes caninos se destacavam bastante naquele sorriso.
— Corta essa, eu não sou uma celebridade.
— É claro que é! Você enfrentou Anton Irotemir e conseguiu deixar aquele merda num estado deplorável. Com certeza sou seu fã.
Colin achou estranho aquela revelação, pois pensou que Anton fosse um plebeu por fazer uma prova de bolsistas.
— Anton é rico?
— Ele não é rico, ele é podre de rico, mas os nobres odeiam sua família por terem se enriquecido de maneira gradual. Tenho que dar meus parabéns a eles por isso.
— E não era mais fácil ele entrar pagando do que fazer uma prova daquelas?
Stedd fez que sim com a cabeça.
— De fato, mas Anton está seguindo os passos do irmão que se formou ano passado. Ele era bem popular por aqui.
Kodogog bufou, chamando a atenção para si.
— Ei! Stedd! — disse o Orc com aquela voz imponente — Você tem que entregar para ele.
Stedd fez que sim algumas vezes.
— Eu já estava me esquecendo.
Apoiando a mão no paletó azulado, Stedd retirou algumas cartas e as jogou na mesa de centro, ao lado de seus pés.
— São suas! — Stedd apontou para as cartas.
Colin olhou para as cartas e depois para Stedd.
— Alguém escreveu para mim? — indagou.
— Em que mundo você vive? Você tem praticamente um fã clube. Às vezes, garotas vêm aqui saber se você já saiu da ala médica e eu não sei como elas sabiam que você era nosso colega de quarto, mas não sabiam do seu paradeiro na ala médica.
Colin apanhou as cartas devagar, passando uma por uma. As cartas estavam cheias de coraçõezinhos e mensagens fofas. Ele sentiu-se desconfortável e extremamente envergonhado. Colin juntou as cartas em um bolo e suspirou.
— Depois leio isso com mais calma…
— É melhor mesmo, tem pelo menos umas cinco aí que adorariam “se deitar com você”, se é que você me entendeu.
— Você as leu?
Stedd deu de ombros.
— Desculpa, cara, eu estava entediado.
Deixando aquilo de lado por enquanto, Colin desejava saber mais de seus novos colegas de quarto, já que eles moravam juntos agora.
— Stedd, né?! Você é um bolsista ou um nobre?
— Nenhum dos dois. Minha família trabalha com assassinatos. Com a guerra estourando em todo lugar, sempre precisam de alguém morto, sabe? É assim que ganhamos a vida. Mas ouso dizer que minha família é a melhor do continente nisso.
“Esse cara deve ser perigoso. Por isso não consegui sentir a presença dele quando cheguei.”
— E você, Kodogog? — perguntou Colin.
— Kodogog é de uma família de guerreiros — disse o Orc. — O pai de Kodogog o mandou para cá para se fortalecer, pois, Kodogog irá assumir a tribo um dia.
“Ele fala em terceira pessoa?”
— E você, Colin, o que veio fazer aqui além de roubar as garotas de nós?
Colin pensou na derrota humilhante que teve para Anton e só uma coisa estava em sua mente agora.
— Eu só quero ficar mais forte…
— Simples e direto, do jeito que eu gosto. — Stedd lhe deu uma piscadela. — É melhor descansar, amanhã é o grande dia da festa de boas-vindas a nova leva de calouros.
— É, senhorita Millie comentou sobre quando me trouxe até aqui.
— O quê? — perguntou Stedd surpreso. — A secretária gostosa te trouxe aqui pessoalmente!?
— Foi um pedido do diretor, eu acho.
Stedd ajeitou no sofá e fez que sim.
— Atraindo garotas, andando por aí com duas companheiras lindas, chamando atenção do diretor… é, você realmente parece ser alguém que atrai muita atenção.
Colin deu de ombros e sacudiu as mãos.
— Corta todo esse papo furado e me fale sobre a festa.
— Cuidado com a língua, Colinzinho, mas bem, toda a universidade vai estar nessa festa. Será divertido!
Cruzando as pernas, Stedd se sentou ainda mais relaxado no sofá.
— Não se preocupa, iremos nos vestir a caráter para a ocasião e te apresentarei a universidade. Te apresentarei cada família rica desse lugar e você conhecerá quem realmente é quem. Será como uma excursão ao zoológico de Butrein, porém, em vez de animais exóticos, veremos um bando de ricos pomposos com roupas de gala. É um ótimo lugar para colocar alguns riquinhos filhos da puta em seus devidos lugares.
— Senhorita Millie acabou de me alertar sobre arrumar confusão. Eu realmente quero só ficar em paz.
— Do que está falando? Nem parece o Colin dos boatos. Penso que é como dizem: uma surra bem dada muda uma pessoa.
— Eu não mudei, e você não me conhece para dizer algo assim sobre mim.
Stedd ergueu as duas mãos em rendição.
— Uii, fica calmo, amigo. Não quer brigar comigo e acabar na enfermaria por mais cinco dias, né?
Colin inclinou-se levemente para frente.
— Está me ameaçando?!
Estalando o dedo, Stedd abriu um sorriso largo.
— Esse é o Colin que eu queria ver!
— Mas Stedd — disse Kodogog. — Ele não está tomando cuidado com a língua. — Tudo bem, dessa vez deixo passar. Precisaremos “desse Colin” amanhã.
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