Capítulo 41 — Alma
Azrael
Pensando estrategicamente, a opção mais sensata era partir para o mundo dos caídos sem perder tempo. No entanto, como Azrael poderia aceitar algo tão arriscado com tanta facilidade? A confiança que sentiu ao ouvir o nome de Hidekon foi suficiente para colocá-lo em risco?
Talvez fosse pela pessoa que comentou sobre o planeta. Mesmo sabendo que se tratava da futura versão de Eriel, ele sentia que, se fosse ela a pedir, aceitaria a proposta sem hesitar. Algo em Eriel parecia ter uma influência sobre ele, um vínculo que nem mesmo ele conseguia compreender totalmente.
Com os séculos de vida acumulada, Azrael já soube identificar situações em que tudo poderia dar errado. Mesmo assim, estava disposto a se arriscar, a buscar o que Eriel sugeriu. Mas por quê? Por que colocou sua vida em perigo para provar que ela era certa?
Hidekon poderia ser o local onde uma das espadas do Deus Supremo estava escondida, mas ele não tinha certeza. Na verdade, ele não precisa de mais uma espada. Noir e Sonne já eram mais do que suficientes para garantir seu domínio. Então, por que continuar com a missão? Por que embarcar nela sem saber ao certo o que encontraria?
Essas questões assombravam Azrael, algo raro para ele. Foi uma demonstração clara de que sua intuição estava em alerta. Talvez fosse mesmo necessário seguir por esse caminho, talvez o destino fosse mais importante do que ele imaginava.
Enquanto ponderava, Samael permanecia no escritório, observando-o em silêncio. Seu olhar transmitia tudo o que ela não dizia: “Isso é loucura” e “Você pode se machucar”. Ela sabia o quanto Azrael compreendia os riscos de sua decisão, e, ainda assim, ele parecia pronto para seguir em frente.
Samael conhecia o planeta mortal como ninguém. Durante três anos, ela e Azrael treinaram lá, mas sempre em uma região relativamente segura. Mesmo assim, a sensação de perigo estava presente a cada momento. Agora, Azrael se preparou para ir além, em direção às áreas mais hostis, enfrentando criaturas poderosas. Tudo para validar as palavras de Eriel. Se o que ele “precisava” realmente estivesse em Hidekon, isso poderia ser crucial para a guerra que se aproximava.
“Sei que este é nosso primeiro encontro em…” começou Azrael.
“Duzentos anos?” Samael o interrompeu, arqueando uma sobrancelha. “Você está certo. E, por mais que eu queira continuar ao seu lado, não acho que mudaria sua decisão, mesmo se eu pedisse.”
Ela estava certa. Não havia como Azrael mudar sua decisão. Não importava o quanto ele tentasse, a missão estava traçada.
“Estarei torcendo pela sua segurança enquanto supervisiono o treinamento de sua amada”, Samael disse com um sorriso que não chegava aos olhos. “Esse é o meu dever como sua mestra. Então… na guerra que está por vir, mostre-me o quanto você cresceu.”
Havia um peso nas palavras de Samael. Azrael sabia que ela não estava animada com o que estava por vir, assim como ele não esperava ser arrastado para uma guerra logo após seu reencontro com ela.
“Você pode verificar a arma que foi entregue para Eriel? Z parece ter colocado algo nela, mas não consegui identificar o que foi, já que não prestei atenção no momento”, pediu Azrael, mudando de assunto.
“Quer que eu descubra o que ele fez?” Samael disse, com um toque de ironia na voz.
Azrael balançou a cabeça. “Não vejo a arma como uma obra-prima. Está longe da perfeição que imaginei. Uma arma ideal deveria ser capaz de suportar uma alma, mas não encontrei uma alma poderosa o suficiente. Não sei se a minha criação será capaz de aguentar todo o poder.”
“Você copiou as habilidades de Hefesto e estudou as forjas do próprio Deus Supremo”, comentou Samael, cruzando os braços. “Seus talentos estão longe do nível comum.”
Azrael suspirou, já impaciente. “De qualquer forma, vou partir. Deixo os outros sob sua responsabilidade.”
Samael suspirou e assentiu. “Farei o meu melhor.”
Azrael se moveu para sair do escritório, seus passos firmes. A guerra estava se aproximando e, antes de enfrentá-la, ele precisava seguir para um destino incerto. O futuro estava por ser escrito, mas ele estava pronto para enfrentá-lo.
Eriel
Eriel não sabia dizer se estava satisfeita. O treinamento com Samael havia começado logo após a partida de Azrael, e todos na mansão haviam se reunido para se despedir dele. A sensação de responsabilidade a corroía. As informações que recolhera deixavam claro que indicara um destino extremamente perigoso. Beherit, em particular, havia detalhado os horrores do planeta que Azrael estava prestes a visitar.
Hidekon era um lugar mortal, onde o simples ato de respirar tornava-se um desafio. O ar tóxico corroía os pulmões, e todo o ambiente conspirava contra qualquer um que ousasse pisar em seu solo. Criaturas de nível divino, pântanos traiçoeiros, água envenenada e uma escassez cruel de recursos naturais eram apenas alguns dos muitos perigos do planeta.
Era difícil ignorar que Azrael enfrentaria tudo isso com apenas duas companheiras: Noir e Sonne. Mesmo com seu vasto conhecimento, manipulação de mana superior e o domínio da rara mana corrompida, a missão parecia insana. Essa mana, acima até da mana primordial, era algo que apenas dois indivíduos em todo o universo possuíam: Azrael e Lúcifer.
Enquanto Eriel continuava cavando sob o sol abrasador, a tarefa parecia interminável. A cada segundo, ela se sentia mais inquieta. Para desviar a mente, passou a observar Samael, que permanecia sentada em uma cadeira próxima, apreciando uma bebida gelada. Seus olhos afiados nunca perdiam um detalhe sequer, e ela percebeu de imediato quando Eriel considerou parar para descansar.
“Descansar está fora de questão,” disse Samael, com uma expressão severa.
Eriel suspirou, tentando aliviar a tensão com uma pergunta:
“Samael… Você disse que apenas Azrael e Lúcifer possuem mana corrompida, certo? O que torna essa mana tão especial?”
Samael colocou sua bebida sobre a mesa ao lado antes de responder.
“Mana corrompida possui todas as características dos elementos primordiais, permitindo ao usuário manipular todos os elementos naturais com maestria, amplificar e polir o poder de qualquer magia. É como se o usuário fosse um mestre nato em qualquer tipo de magia que desejasse usar.”
Eriel franziu o cenho, tentando processar aquilo. “Quer dizer que eles podem usar, por exemplo, mana de fogo como se fosse o elemento base deles?”
Samael assentiu. “Exatamente. Mas há algo ainda mais intrigante. Embora Lúcifer tenha sido o primeiro a acessar mana corrompida, Azrael é considerado o primeiro verdadeiro usuário. Sabe por quê?”
Eriel hesitou, sentindo o peso da pergunta. Não queria errar. O silêncio foi sua resposta.
“Azrael dominou a mana corrompida. Já Lúcifer, embora a utilize, não compreende completamente seu funcionamento. Ele usa uma versão incompleta,” Samael explicou, com um olhar atento para garantir que Eriel não perdesse o foco. “A mana corrompida de Lúcifer é limitada por sua natureza. A base dele é a luz, e ele utiliza a escuridão como uma imitação. Quando a magia se corrompeu, ela foi criada a partir de uma versão enfraquecida da escuridão. Ou seja, a mana corrompida perfeita não deveria sequer existir. Lúcifer sacrificou sua Luz primordial para conseguir usar a corrompida. Agora, pode me dizer como Azrael consegue usar a mana perfeita?”
Eriel permaneceu em silêncio por um momento, suas engrenagens mentais girando rapidamente. Finalmente, ela percebeu:
“Azrael tem dois elementos?”
O sorriso satisfeito de Samael confirmou sua resposta.
“Sim. Azrael nasceu com os elementos luz e escuridão como base. Ele não é apenas um usuário de mana primordial, mas domina ambos os elementos em seu estado puro.”
A revelação deixou Eriel perplexa. Era difícil imaginar o impacto de possuir dois elementos opostos. Naturalmente, isso deveria ter causado um colapso em algum momento da infância de Azrael.
“Azrael não sabia que podia usar luz,” continuou Samael. “Ele treinou apenas a escuridão, mas quando perdeu sua amada, acabou liberando a mana de luz sem querer. Isso levou seu corpo a entrar em colapso.”
Eriel sentiu um calafrio ao ouvir aquilo. “Ele sobreviveu a isso?”
“Sim. Ele passou dois anos em coma, enquanto seu corpo era destruído gradualmente. A regeneração dele evitou danos permanentes. Já Lúcifer, que é um usuário impuro, ficou em coma por apenas dois dias. Essa é a diferença entre alguém que possui a mana naturalmente e alguém que tenta replicá-la. Para Azrael, o impacto foi muito maior, mas ele sobreviveu e se tornou o primeiro verdadeiro usuário de mana corrompida.”
Eriel assimilou a informação, compreendendo o peso de carregar tal poder.
“Então, Lúcifer utiliza mana corrompida, mas de forma limitada?”
“Exatamente. Lúcifer não a domina plenamente. Azrael, por outro lado, usa mana corrompida de maneira natural. Ele pode alternar entre luz, escuridão ou os elementos primordiais sem dificuldades, porque sua mana corrompida é parte intrínseca de seu núcleo.”
Samael sorriu ao notar o olhar fascinado de Eriel.
“Agora, entenda isso: mesmo com o segundo selo em seu corpo, Azrael usava apenas a escuridão. Você percebeu isso, não é?”
Eriel acenou com a cabeça em confirmação.
“Ele não podia usar sua mana corrompida. É forte o suficiente para causar danos ao próprio usuário. Com o nível de poder que ele possuía sob o selo, a melhor escolha era utilizar um elemento por vez.”
Eriel ouvia atentamente enquanto Samael continuava a explicar. A mana corrompida oferecia benefícios únicos, mas também trazia grandes riscos. O corpo do usuário precisava se adaptar à sobrecarga ao manipular algo tão poderoso quanto a mana corrompida.
“Significa que eu poderia usar mana corrompida?” Eriel perguntou, com hesitação em sua voz.
O rosto de Samael ficou sério, sem qualquer sinal de otimismo.
“Tecnicamente, sim. Seu elemento base é a luz, então você possui o potencial. Mas controlar a Escuridão já é um desafio por si só, e seu corpo não suportaria o impacto. Suponhamos que Azrael a ensine a manipular a Escuridão e você, de alguma forma, obtenha poder suficiente para corromper sua luz. O resultado seria catastrófico. Como seu elemento base é o ‘poder’, o rebote seria ainda mais severo do que para um usuário de escuridão.”
Samael fez uma pausa, observando a reação de Eriel antes de continuar.
“Se um usuário de escuridão aprendesse a manipular a luz e, em seguida, corrompesse, o rebote no corpo seria menor. Usuários de escuridão têm o ‘conhecimento’, e por isso têm mais facilidade para aprender magias complexas. A escuridão pode ser menos poderosa, mas compensa isso com precisão e controle. Por outro lado, usuários de luz possuem o ‘poder’, o que torna seus feitiços naturalmente mais devastadores, mas dependem de treinamento constante para dominar sua magia.”
Era como comparar “esforço” a “dom natural”.
“Em termos simples,” Samael concluiu, “você pode corromper sua magia com o treinamento adequado, mas seu corpo colapsaria quase imediatamente. Humanos não foram feitos para suportar uma abundância de mana. Além disso, para você, um usuário de luz, aprender a manipular a escuridão seria muito mais difícil. Se fosse o oposto, um usuário de escuridão precisaria de apenas alguns anos de prática para dominar a luz.”
Eriel suspirou em desânimo, voltando sua atenção para o buraco que continuava a cavar. O esforço parecia se arrastar com o passar do tempo.
“Vou usar Azrael como exemplo mais uma vez,” Samael disse, como se tentasse ilustrar melhor seu ponto. “Azrael treinou por anos sua magia de escuridão. Quando ele finalmente usou a luz, foi como se já fosse um especialista no elemento. Isso aconteceu porque ele tinha aptidão natural para a luz, mas treinou sua escuridão de forma tão meticulosa que o conhecimento transbordou de um elemento para o outro. Foi como um processo natural.”
Eriel ficou em silêncio, refletindo sobre o quão desconectado Azrael parecia estar do resto do universo. Mesmo entre os anjos, ninguém parecia ser capaz de utilizar a mana corrompida, o que, em uma batalha hipotética, poderia lhe conceder uma vantagem única contra seres tão poderosos.
Com essa ideia em mente, Eriel resolveu perguntar:
“Com a mana corrompida, Azrael seria capaz de lutar contra um anjo?”
“Contra um anjo… no estado atual dele? Não,” respondeu Samael, de forma objetiva. “Azrael é forte, não me entenda mal. Mas os anjos estão em outro patamar. Agora, no auge de seu poder, com mana corrompida, suas armas e aquele sobretudo… Ele teria uma chance contra um anjo de baixo nível. Ainda assim, é tudo hipotético.”
As palavras de Samael deixaram Eriel indecisa sobre o verdadeiro potencial de Azrael. Ele era incrivelmente poderoso ou ainda estava distante de alcançar todo o seu potencial?
“Bom,” disse Samael, interrompendo seus pensamentos. “Proponho que paremos de conversar e você continue cavando. Azrael me pediu para treiná-la. Tanto eu quanto você precisamos nos comprometer.”
“Entendido,” respondeu Eriel, determinada.
“Na verdade…” Samael pareceu se lembrar de algo. “Azrael mencionou uma arma… Onde ela está?”
Eriel pensou na espada que Azrael havia criado e dado a ela. A arma sempre estava consigo, guardada de forma segura. Canalizando sua mana para os brincos em forma de ampulheta que usava, ela criou uma distorção no espaço ao seu redor, de onde retirou a espada branca.
Assim que a espada, Paradoxo, entrou em contato com sua mana de luz, uma reação ocorreu. Parte de sua energia vital, vinculada ao tempo, foi drenada instantaneamente pela lâmina.
“Esses brincos? Como eu não notei antes? Não, mais importante… Essa espada é algo além do que imaginei.” Samael examinou a arma com olhos atentos e, ao fazer isso, um sorriso diferente se formou em seu rosto.
“Maldito Azrael…” murmurou Samael, com uma mistura de admiração e surpresa. “Ele mencionou a espada, mas nunca pensei que ela estivesse em um estado divino. Essa arma se iguala às espadas criadas pelo Deus Supremo… E ela possui uma alma. Como isso é possível?”
O tom de Samael mudou. De alguma forma, ela parecia animada.
“Quando terminar de cavar, vamos para a sala de treinamento. Está na hora de despertar sua espada.”
Eriel ficou pensativa. Se Paradoxo realmente possuía uma alma, isso significava que sua arma estava em um nível equivalente às lendárias armas dos cavaleiros do apocalipse ou até mesmo comparável a Noir e Sonne.
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