Capítulo 201 – Dama da lua
Brighid estava no topo de um morro encarando o mar. Seu cabelo negro era agitado pela brisa enquanto dava fim a uma oração, pedindo para que os Deuses estivessem com seu marido, já que ela não podia. Gaivotas não paravam de grasnar na praia lá em baixo. Ela sentiu uma paz indescritível.
Seus pés descalços sentiam a grama esponjosa, e a luz do sol do fim de tarde tocava sua pele gentilmente. Ela suspirou e afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha.
Os últimos meses foram bastante difíceis. Brighid se sentia praticamente uma nômade. Foi difícil aguentar todos os enjoos e vertigens, mas Brighid fez isso com maestria. Em breve entraria no sexto mês. Os bebês continuavam ganhando peso e seus rostinhos já estavam formados.
Eles já se mexiam bastante e, às vezes, ficava difícil dormir devido aos chutes frequentes. Brighid já os imaginava treinando com ela e Colin, e aquilo a deixava completamente boba.
Quanto mais cedo encontrasse um lugar seguro, mas bem se sentiria para dar à luz e ficar mais calma. Às vezes seus pés ficavam inchados, mas o início do segundo trimestre estava mais tranquilo se comparado ao primeiro.
Brighid almejava ter apenas um único filho, mas estava ansiosa pelos três que estavam chegando. Vez ou outra se pegava pensando nos próximos filhos que planejava ter com Colin. Esse tipo de pensamento não condizia com a cultura das fadas, e ela julgou que parte disso era culpa do marido.
Ele não era de falar muito, mas havia comentado sobre uma família grande como a de Stedd, e ela alimentou isso. Por isso que mesmo com os incômodos, enjoos e dores, ela estava feliz, uma felicidade que jamais sentiu antes.
Notou que não só seu corpo havia mudado, mas ela na totalidade. Quando Magnus ameaçou ferir seus filhos, ela só entendeu que deveria matá-lo o mais rápido possível.
Foi a primeira vez que o seu instinto de proteção materno foi tão forte.
O sol se pôs, e Brighid continuou de pé no alto do morro, vendo a lua cheia aparecer lentamente. Estava tão próxima que parecia beijar o mar.
Era uma noite sem nuvens.
A rachadura que ia de ponta a outra era algo que se destacava bastante no céu noturno.
— Uhh Uhh! — ouviu-se o bufar de uma baleia.
Willy se aproximava ao longe voando naquele céu estrelado. Pouco a pouco, a pandoriana abaixou e Morgana saltou de suas costas, chegando gentilmente ao chão gramado. Ela usava botas e calças pretas, uma camisa branca e uma jaqueta de couro preta. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo e seus olhos pareciam ainda mais vermelhos.
— O que faz aqui? — indagou Morgana. — Eu não havia te deixado naquele vilarejo mais ao Leste?
Brighid abriu um sorriso sem graça.
— Aconteceu um probleminha…
— Que problema? Aquelas invejosas fizeram algo com você? Posso voltar lá e dar um jeito nelas se quiser.
— N-Não precisa — Brighid abanou as mãos — Apareceram alguns homens que estavam caçando criaturas do abismo. Chegaram a mim de algum modo. Nagini me protegeu.
Morgana suspirou e cruzou os braços.
— Entendi, e os bebês, estão bem?
— Sim, só estão chutando bastante, mas consigo aguentar.
Morgana assentiu.
— Encontrei a ilha das fadas.
Brighid arregalou os olhos.
— S-Sério? Como está lá? Você disse que me conhece?
— Ei, ei, uma pergunta de cada vez.
— Desculpa, só fiquei um pouco empolgada…
Morgana deu de ombros e suspirou.
— Vaguei por aquela ilha a noite passada inteira. A maioria deles se assustou com meu tamanho, e eu pensei que todas as fadas fossem como você, mas elas são pequenas e tem dois pares de asas.
— B-Bem, eu transmutei hehe, então tenho a essência de fada, mas não tenho o corpo de uma, entende?
— Entendi, bem, perguntei se eles conheciam alguma Jayla Wrinklebud ent-
— Minha mãe está bem? — interrompeu Brighid ansiosa.
Morgana franziu o cenho.
— Ei, se acalma, já vou chegar lá.
— Tá, desculpa…
— Ahem! — pigarreou Morgana — As fadas me levaram até outro vilarejo próximo ao centro. A ilha das fadas é bem grande, quase do tamanho de um país. Levou um tempo até que eu encontrasse a tal Jayla. Expliquei sobre você e ela ficou bastante feliz, na verdade, chorou por quase meia hora. Ela jurou que você estivesse morta.
Brighid franziu os lábios e seus olhos se encheram d’água.
— Que bom que ela está bem… — Limpou as lágrimas no canto de seus olhos.
— Sua mãe me convidou para passar o dia lá, e foi isso que fiz. Falamos de você basicamente o dia todo. Ela ficou bem feliz em saber que você estava grávida, ainda mais surpresa em saber que estava esperando três.
Brighid se aproximou de Morgana e segurou suas mãos.
— Morgana, muito obrigada, não sei o que seria de mim sem você…
A vampira corou um pouco e desviou o olhar.
— N-Não me olha assim, só fiz o que qualquer um faria, não confunda as coisas, entendeu?
Brighid assentiu com um sorriso.
— Você tem um bom coração e é uma boa amiga também. Não posso fazer muito nessas condições, mas pode contar comigo para qualquer coisa, tá?!
Morgana engoliu o seco.
— T-Tá. — Ela se afastou — Se a gente se apressar, conseguiremos chegar lá antes do sol nascer.
— Certo!
Numa cripta iluminada por orbes de luz celeste, o frio se fazia presente. Havia várias estátuas demoníacas no local, e mais ao fundo foi aberto um portal.
Plack!
As botas de Ehocne alcançaram uma poça de sangue. Vestindo uma túnica escura que cobria todo seu corpo, ela começou a andar por toda cripta, olhando vários corpos espalhados pelo local.
— Você demorou bastante desta vez, pensei que tivesse acontecido algo. — disse uma voz no fundo.
Saphielle estava com a roupa encharcada de sangue. Havia um ferimento aberto em sua testa, seu cabelo louro estava encardido de sangue e os cantos de seus lábios também sangravam.
Ela retirou a espada cravada no peito de um homem vestindo Hanfu escuro. Olhou para a irmã e afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha. Rasgou a manga da camisa e usou para fechar o ferimento da mão esquerda.
— O que aconteceu aqui? — indagou Ehocne assustada com o cenário.
Saphielle agachou, fuçou no interior do Hanfu do velho e puxou alguns cigarros de palha. Após estalar o dedo, uma faísca incendiou a ponta do cigarro, o ascendendo.
Ela puxou a fumaça e a soltou devagar, jogando a espada ao lado do velho e pulando alguns corpos.
— A Tríade Hang — disse ela apoiando o quadril em uma mesa de pedra — Esses desgraçados me pegaram desprevenida, mas está tudo bem, ainda estou viva.
Ehocne engoliu o seco. A brutalidade de Saphielle era algo bem característico. Ao invés de deixar tudo destruído como seu irmão mais novo fazia, ela deixava os lugares intactos, focando apenas no inimigo.
— Por que a tríade Hang está atrás de você?
Saphielle soltou fumaça mais uma vez.
— Vendi informações de estado para Jack Ubiytsy e eles descobriram, mas não se preocupe, esses desgraçados terão o que merecem.
— Entendi… — Ehocne assentiu e enfiou a mão no interior da túnica, tirando um pergaminho — Aqui estão as informações que pediu. — Ela jogou o pergaminho para a irmã — Acho que papai está desconfiando de mim, então tem pouca coisa dessa vez.
— E a garota, como ela está?
— Papai está a treinando. Ela deve conseguir se tornar monarca em um ou dois anos.
Saphielle assentiu.
— E as memórias dela, como estão?
— Não acho que tenha sido uma boa ideia fragmentar a memória dela. Às vezes ela acorda de um pesadelo chamando o nome de Colin ou de algum outro companheiro antigo. Papai disse que isso era normal, mas ela pode acabar se lembrando de tudo eventualmente e isso me tornaria um alvo.
— Então fique atenta, mas é melhor que ela se lembre cedo ou tarde. Seria uma boa aliada contra o papai. E nosso irmãozinho, como ele está?
Ehocne engoliu o seco.
— Ele virou um mercenário com aquelas outras garotas que sobreviveram. Ouvi boatos que ele é bem cruel, deixando uma carnificina por onde passa. — Ela cerrou os punhos e desviou o olhar — E se ele me culpa pela morte dos amigos dele? A-Acha que Colin me perdoaria?
— Fique tranquila, ele vai entender os nossos motivos no futuro. E Lumur, o encontrou?
— Sim, ele buscou exílio no império do sul. Está controlando um batalhão de trezentos mil homens, o segundo maior do continente. Dizem serem bem habilidosos.
Saphielle soltou fumaça pelo nariz.
— Com o que você sabe, me diz o que acha que acontecerá, você sempre foi boa em palpites.
Ehocne franziu os lábios.
— Papai e os caídos não tem planos de se moverem atualmente. Graff e os vampiros sumiram do mapa, e isso deixa o continente com alguns atores poderosos, o pontífice no centro-leste, sacerdote Heien no centro, Lumur no Sul e os Elfos negros no Oeste. Uma guerra pelo continente deve ser iniciada entre esses quatro. Sem forças relativamente poderosas, acredito que um deles deve conseguir tomar todo continente em menos de três anos.
Após levar o cigarro novamente a boca, Saphielle soltou fumaça pelo nariz olhando para o nada. As quatro opções eram horríveis. Todos eles tinham objetivos próprios que mais atrapalhariam que ajudariam o que ela almejava.
— E o Norte, ainda sofrendo com gigantes?
— Sim. Acredito que em meio ano eles terão perdido metade do Norte e mais de 70% de seu contingente. O Norte será varrido do mapa em breve.
Segurando o cigarro com os lábios, Saphielle alisou o queixo pensativa. Gigantes não eram uma força a ser subestimada, e por serem mais fortes, era provável que os deixassem para ser conquistados por último. Porém, ela acreditava que o Norte deveria ser tomado primeiro, assim como centro-leste, possibilitando o acesso ao mar.
— Colin já foi atrás dos contratos que eu indiquei?
— Acredito que não. Ele deve estar atrás da esposa, foi o que ouvi.
— Esse imbecil… Continua correndo atrás de um rabo de saia quando o futuro de milhões está em risco. Ele trabalha para alguém em específico?
— Bom, ele tem trabalhado com o duque Otto. É um homem mesquinho com complexo de superioridade. Tem vários grupos de mercenários no bolso e comanda um grande comércio de escravos que saem do centro-leste e vão direto para a fronteira.
Aquilo era perfeito.
Saphielle apagou o cigarro na mesa.
— Marcarei uma reunião com Jack Ubiytsy.
— O quê? Por quê?
— Preciso que ele me ajude com a tríade Hang enquanto movo algumas peças.
Ehocne continuava sem entender.
— O que vai fazer exatamente?
— Farei uma visita ao duque Otto. Se tudo correr bem, acredito que Colin seria um aliado poderoso. Ele tomaria o Leste, quem sabe o continente. Poderíamos juntar forças com os Ubiytsy e acabar de vez com a encruzilhada, terminando a guerra e indo diretamente ao que interessa. Vamos enfim poder nos concentrar inteiramente na Masmorra do infinito.
Após engolir o seco, Ehocne assentiu.
— Tem certeza disso? É um passo arriscado que depende de Colin para funcionar… Não acha que seria melhor falar com ele? Digo… Ele é nosso irmão, ele vai nos ouvir, certo?
— Talvez ouça, mas ele é um errante, a sensação de ter poder é prazeroso, especialmente para nós. Colin seguirá o planejado, não se preocupe.
— Se você está dizendo…
— Continue vigiando a garota Safira, qualquer mudança me avise.
— Pode deixar…
[Atualmente].
Caminhando até uma casa em chamas, Coen trajava túnicas negras e estava sozinho. A noite deixava as estrelas mais brilhantes e haviam duas luas enormes no céu, tão próximas que dava a impressão de que era possível tocá-las.
Da casa em chamas saiu um sátiro às pressas. Ele lembrava um humano atarracado com a parte de baixo peluda e cascos iam em seus pés. O sátiro caiu no chão, diante dos pés de Coen, que agachou para encará-lo nos olhos.
— Onde ela está?
O sátiro se afastou apavorado.
— E-Eu nunca vou dizer a você!
— É o que todos dizem. — Coen se ergueu e caminhou até o sátiro que continuava tremendo de medo. — Tenho algo que fará você mudar de ideia.
Coen ergueu o braço direito e um portal abriu atrás do sátiro. O errante o pegou pelo colarinho e o jogou no portal, fazendo-o desabar na lama.
Splash!
Assim que olhou em volta, o sátiro viu de cima de um morro, uma cidade queimar. No céu, um gigantesco dragão negro não cuspia fogo, mas tormentas de raios carmesins, destruindo tudo que tocava.
— O-Oque você fez?! — O sátiro cerrou os dentes, furioso enquanto lágrimas escorriam por suas bochechas — Seu amaldiçoado de merda! Como pôde?!
Após abrir um sorriso, Coen deu um passo para o lado, revelando uma mulher sátiro junto a duas crianças da mesma raça. Eles estavam apavorados.
— Querido! — disse a mulher segurando o choro.
— Querida! — Os olhos do sátiro exalavam preocupação. — V-Vou salvá-la, não se preocupe!
Coen se pôs na frente dela.
— Não antes de me dar o que eu quero. Vamos lá, bode, a vida da sua esposa e dos seus filhos é mais importante que isso?
O sátiro continuou sem dizer nada. Coen foi até a mulher sátiro e energizou o braço direito, conjurando uma espada de raios carmesim.
— Última chance, bode, ou irei exterminar sua família, começando por sua mulher.
— E-Espera! — O braço de Coen voltou ao normal — Eu te levo até lá… Eu te levo até a dama da lua…
Coen abriu um sorriso de canto e caminhou até o sátiro, tocando em seu ombro. — Pense no local com clareza.
Após suspirar, o sátiro se concentrou cerrando os olhos, quando os abriu, notou estar em uma sala pequena com um baú de ouro em cima de um púlpito. A sala era escura e sem vida, mas escutavam estrondos vindos de cima e poeira caía do teto.
— Estamos em baixo da cidade? Isso, sim, é surpreendente. — Coen caminhou até o baú protegido por uma magia de selamento e estendeu o braço direito sobre ela, sugando a magia e abrindo o baú em um rompante.
Clack!
Enfiou a mão no baú e retirou uma esfera de vidro brilhante que se parecia com a lua cheia — A dama da lua, aí está você. — A esfera desapareceu, sugada pelas tatuagens de Coen — Vamos voltar, sátiro.
Coen tocou no ombro dele e eles foram tele portados, bem para onde estavam antes. O imenso dragão negro havia feito seu trabalho. Coen se sentiu nostálgico ao ver as chamas engolirem toda uma cidade.
— Os seres desses planos tão distantes da grande árvore são patéticos. — Coen enfiou as mãos nos bolsos — Devia me agradecer, sátiro, quando você renascer, nascerá com magia. — Ele olhou para o dragão negro de pé na cidade, olhando diretamente para ele. Aquela coisa parecia uma montanha com asas, algo que conseguia colocar medo em qualquer um — Tudo bem! — Berrou Coen, mesmo que a criatura não pudesse escutar devido à distância — Acabe com isso e vamos para casa!
O dragão começou a encher os pulmões enquanto encarava a lua. Apressado, o sátiro foi até sua família e os abraçou apertado. A garganta daquele monstro se energizou com raios carmesins. Mesmo distante, tudo começou a tremer enquanto o peito do dragão ficava cada vez mais inchado.
— Sátiro, me responda uma coisa — As pedras entorno começaram a levitar enquanto tudo tremia — Se pudesse escolher como seu mundo acabaria, como seria?
O sátiro abraçou ainda mais forte sua família e o dragão disparou um raio diretamente na lua, o som daquilo foi agonizante, trazendo também um poderoso vendaval. Apesar de aparentar estar perto, o raio demorou a atingir a lua, e quando a atingiu, pareceu só um pequeno ponto em algo colossal.
Tudo que os sátiros puderam fazer foi observar a lua rachar pouco a pouco, até que enormes blocos começaram a se deslocar, caindo naquele planeta como se fossem meteoros.
Um portal enorme abriu na frente do dragão e ele adentrou.
— Em breve sua alma retornará para árvore e irá renascer, a parte boa disso é que você não se lembrará que sua vida foi patética. Adeus, sátiro.
Um gigantesco meteoro começou a cair na direção deles. Coen abriu um portal e adentrou, saindo em uma sala pequena mal iluminada. No fundo, havia uma garota ajeitando as ataduras dos braços. Ela estava com roupas de treino e seu corpo estava bem malhado, cheio de definições.
— O senhor demorou desta vez, onde estava?
Safira saiu das sombras. O olhar inocente dela havia desaparecido completamente, seus chifres estavam maiores, assim como ela parecia ter crescido e seu corpo ganhado músculos e mais curvas. Seu cabelo estava na altura dos ombros, e ela trajava regata que ia até o umbigo, revelando seu abdômen trincado e seu short curto mostrava suas coxas malhadas.
— Fui buscar um presente para você. — A dama da lua começou a ganhar forma na palma da mão de Coen. Ele jogou para Safira e ela pegou — Cuide bem dela.
Safira olhou para a esfera e ergueu uma das sobrancelhas.
— O que é isso?
— A dama da lua está presa aí dentro.
— Dama da lua? E isso é… uma pessoa?
— Uma entidade superior, é o mais próximo da palavra “Deus” que os humanos adoram mencionar.
Safira suspirou e apoiou uma das mãos na cintura.
— E o que quer que eu faça com isso?
Coen abriu um sorriso de canto.
— Está na hora de você ter um pandoriano.
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