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    No dia seguinte, Mayck e Alexander se reuniram com Elias e seus principais subordinados — cerca de três — que pertenciam a ele naquele momento. Com a derrota de Elias, ele não poderia reclamar, já que apostou tudo o que tinha.

    Se Mayck tivesse perdido, seria diferente e Falcão teria ganhado a cidade inteira. O garoto agradecia internamente por não ter sido derrotado — uma vez que ele apostou vidas alheias. Se alguém descobrisse, seria desprezado por toda a população. 

    Mesmo após a humilhação que sofreu, Elias se recuperou rapidamente. Aparentemente, uma sessão de espancamento de seus homens foi o suficiente para fazê-lo se sentir bem. Esse era um fato que Mayck gostaria de não saber, e se descobrisse tinha o direito de punir Elias, já que ele era seu subordinado e não tinha poder de ordenar as tropas sem a permissão do garoto. 

    Com a vitória veio a oportunidade de conseguir um local formal para as reuniões: o escritório de Elias. Apesar de resmungar sobre isso, ele não tinha escolha a não ser aceitar. Mayck se regozijava de sua vitória de forma sarcástica quando necessário, visando pôr os homens na linha, que não estavam aceitando muito bem o novo líder. Entretanto, nenhum deles reclamou de nada. 

    Quando Mayck e Alexander chegaram, foram bem recebidos por Vini. Eles tinham ganhado o respeito do maromba pela bravura e pela vitória fácil contra Elias.

    Por não confiar no antigo líder da região, o garoto levantou Diogo para ser seu auxiliar, assim como Alexander. Embora fosse chamada de reunião, o nível de formalidade era completamente baixo. Todos estavam divididos e Alexander preferiu ficar sentado na base da janela com a vista para a cidade. Alguns dos presentes, como era o caso de Albert, reclamavam, mas suas vozes eram ignoradas completamente pelo mercenário. 

    Levou alguns minutos até que todos se acalmassem e quando aconteceu, Mayck pôde iniciar a reunião. 

    “Muito bem. Eu os chamei aqui para comunicar a vocês o que eu quero fazer.” Apesar dos pesares, o garoto não podia evitar ser formal. Até porque todos ali eram mais velhos que ele. 

    “Um momento, por favor.” Albert levantou a mão com uma expressão nada satisfeita. 

    “Sim?”

    “Se você se diz nosso novo líder, porque não tira a máscara de seu rosto e nos mostra quem você é de verdade?” 

    Provavelmente isso era o que todos ali, com exceção de Alexander, queriam saber. Albert planejava usar as leis da ética para fazer o garoto retirar a máscara. Porém, com toda essa insistência, Mayck já sabia quem era o culpado se uma rebelião começasse antes de derrubar a organização. 

    “Foi mal, mas eu não quero que vocês saibam quem eu sou. Quando tudo isso acabar, vocês não me verão nunca mais. Então não existe necessidade para eu mostrar o meu rosto.” 

    Alexander concordava com isso. Mas os outros não. Eles continuaram resmungando e isso levou o garoto a chamar-lhes a atenção de uma forma nada amigável. Parecia que o evento do dia anterior já havia sido esquecido por eles. 

    “Se me interromperem de novo, eu vou ser obrigado a escolher quem vai ficar”, Mayck falou de forma imponente. 

    Com expressões irritadas em seus rostos, eles se calaram e os insultos ficaram apenas em suas mentes. 

    “Bom, eu não sou de fazer longos discursos, então vou direto ao ponto. Nós iremos derrubar os outros líderes.”

    A declaração foi o gatilho para os resmungos recomeçarem e, novamente, Albert tomou a frente, se levantando e batendo na mesa. Mas, dessa vez não era vontade de insultar o garoto, mas, sim, um misto de surpresa e irritação. 

    “Você enlouqueceu? Sabe o que acabou de dizer?” Ele não queria acreditar no que ouviu. Depois de trabalhar com Elias por anos, já tinha ouvido muitos absurdos, mas nunca ouviu sair da boca de seu antigo chefe algo tão inacreditável. Ele só conseguia ver Mayck como um verdadeiro louco. 

    “Acha que é tão forte ao ponto de derrotar todos os líderes? Há um limite para tanta arrogância”, Elias falou relaxadamente. 

    “Eu não estou tentando testar meus poderes nem nada. Eu tenho outro motivo para isso. Além do mais, se eu fosse tão arrogante assim, eu não teria pedido ajuda a ninguém.”

    Aquela afirmação fazia sentido. Elias sinalizou para Albert que se calou e se sentou, embora tivesse xingamentos ao garoto para dar e vender.

    “E o que você tem em mente?” Diogo ficou curioso.

    “Ele quer derrubar a organização”, Alexander se adiantou. Mais uma vez todos ficaram boquiabertos e os resmungos começaram, outra vez, deixando a sala barulhenta. Aquilo estava começando a ficar irritante para o garoto. Elias abriu os olhos e encarou Mayck, depois de ouvir algo tão inesperado. 

    “É por isso”, Mayck falou com a voz elevada para conseguir a atenção deles. “Que eu preciso derrotar os líderes. De acordo com minhas informações, o número de portadores a disposição deles é muito grande e eu prefiro não arriscar atacar sozinho.”

    “Resumindo, você quer criar um exército e derrubar a organização”, Diogo deduziu. 

    “Isso.”

    Elias suspirou. Se era só aquilo, então não era necessário todo aquele show, ele pensou, se o garoto dissesse o que queria antes, ele poderia ter conseguido a cooperação deles de forma amigável. Mas se foi preciso fazer daquela forma, então tinha algo mais. 

    “Eu imagino o que estão pensando”, ele continuou. “Mas tudo isso teve um propósito. Eu não quero criar um exército onde todos façam o que querem. Buscar apenas a cooperação de vocês poderia resultar em coisas problemáticas.” 

    Mayck se referiu ao fato de acabar envolvendo civis e destruir a cidade em caso de uma batalha de grande escala, dado o fato de como as personalidades deles eram. 

    “Ou seja, você quer ter a última palavra.” Elias finalizou com o que havia pensado. “Mas espere só um pouco, você falou que o número de portadores da organização é muito grande e isso é um fato. Mas você deve ter mais informações do que isso, não é?” Elias, por incrível que pudesse parecer, estava levando o assunto a sério, sem arrependimentos. Ou pelo menos ele demonstrava isso. 

    “Eu tenho um contato na organização. Além do mais, eu sou um agente de outro país e vim aqui para supervisionar as coisas.” 

    Não era tudo mentira. Mas, o motivo para dizer aquilo foi para aumentar a confiança nele e eliminar várias questões sobre quem ele era. Se todos ali pensassem que ele fosse filiado a uma organização, a ideia iria diretamente para a maior e mais conhecida delas, Strike Down. Não parecia que alguém ali tivesse conhecimento sobre a Black Room, ou pensasse que a Ascension tivesse algum envolvimento. Para a maior parte do mundo, Ascension era uma organização extinta. 

    “Um agente de outra organização? Se for assim, então faz sentido você querer derrubar os mandantes desse país.” Diogo revelou seus pensamentos e muito ali concordaram com ele. 

    “Espera aí, e se ele estiver mentindo? Não temos como saber, não é? Devo admitir que você é poderoso. Mas você não poderia estar tentando derrubar a organização para poder controlar tudo?” Albert estava firme em sua convicção de ir contra Mayck até o fim. 

    Essa pergunta abriu caminho para que todos pensassem sobre isso. Se Mayck queria controlar o país, então fazia sentido ele querer derrubar a organização. Um impasse foi criado ali. Mayck percebeu que o rumo da conversa estava indo para outro lado, mas não poderia ser ajudado. Não era só falar “quero fazer isso e preciso da ajuda de vocês” que as coisas iriam dar certo. 

    “Se vocês pensarem assim, as coisas não vão para frente”, Mayck retrucou. 

    No entanto, Albert continuou. 

    “Estão vendo? Ele está tentando nos manipular. Quer nos fazer acreditar que vai derrubar a organização e depois ir embora. Mas, quando tudo acabar, ele vai simplesmente nos domar como animais.”

    Albert não parou com sua teoria absurda e ninguém tentava impedi-lo. Diogo até tentou objetar, mas só piorou a situação, fazendo ele ir cada vez mais longe em suas paranóias. Sim. Era isso o que Mayck achava. Tudo o que saía da boca dele não passava de palavras caluniosas e que chegou a um nível tão absurdo que a porcentagem de crença em sua teoria caiu completamente.

    Albert dizia que Diogo e até mesmo Elias estavam cooperando com ele. Que era tudo um teatro para dominarem o país. 

    Albert sempre foi uma pessoa problemática. Todos sabiam disso. O que o pôs no topo foram suas habilidades de comandar uma tropa, nada além disso. Ele sentia inveja de Diogo, que era o subordinado mais próximo de Elias e sempre que tinha a chance, tentava tirá-lo de lá. Seus companheiros o conheciam muito bem e se sentiram completos idiotas por terem acreditado em suas palavras por algum tempo. 

    Mayck ficou cansado das injúrias. Ele ficou quieto durante todo o tempo de fala de Albert, mas não iria mais tolerar aquele comportamento. Pessoas que tentam derrubar os outros através de mentiras descaradas… era o tipo de gente que Mayck odiava com todas as forças. 

    O garoto apoiou seus cotovelos na mesa e descansou sua cabeça sobre o dorso de suas mãos, enquanto se mantinha em silêncio. Seus olhos mudando de cor através da máscara indicavam que sua ID havia sido ativada. Sem um único movimento brusco, apenas com seu olhar, Mayck tirou Albert, que ainda continuava falando, e o lançou de seu assento. Albert bateu sua cabeça com força na parede e derrubou uma luminária que estava lá. 

    Quando voltou do choque, ele acariciou o local atingido e levantou sua voz para gritar. Mas se calou no instante seguinte em que seus olhos foram direcionados unicamente para Mayck. Tudo estava escuro, havia apenas ele e o garoto. O ambiente frio trazendo arrepios até a alma paralisou o homem. Foi apenas por um segundo, mas suficiente para fazer suas pernas bambearem e ele cair no lugar em que estava. 

    Sem saber o que havia acontecido, todos decidiram apenas ignorar e Mayck fingiu que nada havia acontecido, deixando Albert apavorado no chão. Com isso, eles puderam retomar a conversa e Elias foi o primeiro a abrir a boca.

    “Eu sei o quão idiota Albert é, mas até que faz sentido o que ele falou. Como podemos ter certeza que você não pretende subir no topo do país?”

    “Eu não sou como você. Me poupe de todo esse trabalho. Só de lidar com vocês me dá uma exaustão incrível.”

    Mayck reforçou que não pensava como eles. Ele já havia, sim, sido corrompido pelo poder, mas essa fase já tinha passado há muito tempo. O garoto era uma pessoa que conseguia se adaptar quando necessário, no entanto, sua natureza era preguiçosa.

    Ele nunca tinha pensado em governar ninguém com o poder que possuía. Apenas ter que obrigar Elias e seus homens a obedecê-lo, lhe deixava com borboletas no estômago. Mayck era uma pessoa que não se importava em estar acima dos outros. Quanto menos atenção tivesse, melhor. 

    Mas não seria fácil convencer aquelas pessoas . Se um garoto surgia do nada e obrigava alguém a se submeter a ele, qualquer um suspeitaria de que havia algo por trás. 

    Contudo, Elias estava disposto a deixar essas questões pararem no ar. Mesmo tendo sido derrotado e tirado de seu posto, era impossível apagar sua influência sobre seus subordinados da noite para o dia. 

    “Vamos deixar isso de lado”, Elias determinou. “Você já deve saber, que era isso o que eu pretendia, então faremos isso, eu vou cooperar com você porque nossos objetivos são iguais até esse ponto.”

    Elias insinuou o que ele tinha em mente. Até que a organização fosse tirada do pódio, eles seriam aliados. Porém, após isso, eventualmente, a aliança seria quebrada e uma luta pelo poder se iniciaria. 

    “Todos de acordo?” Mayck perguntou buscando o consentimento de todos. 

    “Não tenho objeções. Se Falcão diz que está tudo bem, então não vou reclamar. Eu ainda sou fiel ao meu líder e vou segui-lo para onde for necessário.” Fabrício deu voz aos seus pensamentos mais honestos. 

    Os demais seguiram o fluxo e também concordaram. 

    A primeira parte da reunião se encerrou com um acordo mútuo entre as partes. Alexander se manteve quieto o tempo todo, sem expor suas opiniões. A partir dali, seria decidido como iriam lidar com os outros líderes para que eles cooperassem. O objetivo final era do interesse de todos, mas para atingi-lo, ainda existia um longo caminho. Se os outros líderes aceitariam ajudar era outra questão.

    “Pode ser que consigamos uma aliança sem usar a força”, Diogo sugeriu. 

    Mayck voltou seus olhos para ele e esperou que continuasse. 

    “Os representantes já vieram aqui e eles já sabem sobre o seu poder. Inevitavelmente, os líderes buscarão uma forma de lidar com você. É possível que eles tenham uma armadilha preparada. Então não seria melhor buscarmos o auxílio deles formalmente?”

    Eles se entreolharam. Era verdade que existia a chance dos líderes aceitarem ajudá-los. Uma vez que teriam a chance de disputar o controle do país, um objetivo extremamente grande. 

    “Nós podemos tentar. Eu apreciaria se eles nos ajudassem sem precisar de uma disputa, no entanto…” Ainda havia um porém. “Eu não quero que eles façam o que quiserem, como já discutimos antes.”

    Envolver os civis e a cidade era algo que deveria ser evitado a todo custo. Mayck não queria que pessoas não relacionadas a isso fossem feridas. Além de machucar o seu orgulho como ser humano, ele, com certeza, carregaria um fardo maior do que conseguia carregar. Se os líderes ao menos fossem pessoas decentes… só de imaginar o quão inconsequentes e egoístas eles eram, uma chama queimava em seu coração. 

    “Não. Está tudo bem. Vamos desafiá-lo em uma luta que envolve força.”

    “Você ouviu o que eu disse?”

    “Ouvi. Mas não vai ser bom. Se eu disser que não tenho objetivos pessoais em derrubar os líderes, eu estaria mentindo.”

    “Tá pensando em ser um herói, é?” Elias zombou. 

    “Claro que não. Mas não é só a organização que anda fazendo merda por aí.” Mayck olhou bem nos olhos de Elias. 

    Se este mesmo Elias possuía um objetivo tão problemático e egoísta, o que poderia impedir que os outros líderes também tivessem? Derrubar a organização não era para livrar o país das mãos de pessoas ignorantes e perversas. Derrubar a organização era para o bem do próprio Mayck. Tirar os líderes de seus pódios também era um desejo pessoal que ele buscava. Uma vez ele prometeu a Nikkie que iria parar os portadores que abusavam de seu poder.

    Esse era o que ele realmente queria, mas não contaria para ninguém. 

    “Esse assunto está encerrado. Que vou pensar sobre isso depois. Agora, eu quero que me contem sobre eles. Quero todas as informações que tiverem.”

    Mayck percebeu que se não fosse rígido, seria tratado como um idiota. Usar seu poder para subjugar essas pessoas problemáticas era a forma mais fácil de chegar ao que queria.

    Elias percebeu o que Mayck procurava e respirou fundo. Ele não via nenhum problema em entregar informações de seus inimigos. Era isso o que eles eram. Estar em paz um com o outro, não queria dizer que estavam em bons termos necessariamente. 

    Elias contou o que sabia sobre cada um deles, sem esconder nada. Era tanta honestidade que Mayck até desconfiava, mas não precisava pensar muito no que ele queria. Ter alguém para tirar os outros líderes da jogada era uma ajuda e tanto. 

    O líder que governava a região norte, Adriano, mais conhecido como Vespa, era um homem completamente indiferente que não filtrava meios para alcançar seus objetivos. 

    Fora Elias, ele era o mais novo a fazer parte dos quatro líderes, mas isso não determinou o seu poder, que poderia facilmente superar o dos três líderes juntos. Isso era possível porque sua ID manipulava a mente dos outros e ele garantiu vários escravos para si — Adriano era como um livro aberto, que não se importava em guardar segredos.

    Seu objetivo era simplesmente estar acima dos outros e ter uma vida completamente relaxada. O completo oposto do líder da região sul, Roger, que estava sempre atrás de uma boa briga e não se importava com quantas pessoas seriam machucadas no processo — o que era igual para os dois. 

    O único líder digno de nota por sua sensatez era o líder da região oeste, Hugo. Sua personalidade calma e racional o tornava o mais inteligente entre o restante. Ninguém sabia como ele havia chegado a sua posição, mas detrás de seu olhar alegre e acolhedor existia alguém perverso e manipulador, embora ele nunca mostrasse tal lado para ninguém. 

    Elias afirmou que só havia se encontrado com esses dois últimos. E, fora isso, ele não sabia mais nada sobre seus colegas. 

    Mayck juntou essas informações em sua cabeça. Ele viu que contra Roger uma luta seria a forma mais rápida de conseguir sua força. Por outro lado, um diálogo saudável e uma negociação benéfica poderia dar conta do recado e trazer Hugo para o seu lado.

    O maior problema seria lidar com Adriano. Se ele era alguém tão calado que não se importava com nada, seria muito difícil convencê-lo — quer fosse com palavras, quer fosse com uma luta. Adriano não daria atenção para nenhum desses meios. 

    Mayck entendia o fato dele ser assim. Havia momentos em que o garoto, simplesmente, parava de se importar com tudo e todos, querendo apenas ficar em silêncio. Mas algo ainda lhe chamava a atenção, porque Adriano chegou tão longe se ele era tão indiferente assim?

    Apesar de todas essas dúvidas, Mayck tomou sua decisão. 

    “Muito bem. Eu já sei o que vamos fazer.”

    “Já pensou tão rápido?” Diogo se surpreendeu com a velocidade em que o garoto encontrou um meio de lidar com os líderes. 

    “Bem, sim. Como eu disse antes, meu tempo é curto, então tenho que ir o mais rápido que puder”, Mayck falou e relaxou em sua cadeira. 

    Assim como Diogo, todos os presentes estavam surpresos. Alexander deu um sorriso de canto, como quem já esperava por aquilo. Mas, a pergunta que não podia calar era…

    “E como você pretende fazer isso? Tem certeza que vai dar certo?” Elias perguntou de forma sincera. 

    Realmente, saber que fazer era fácil. Difícil era saber se daria certo. 

    “Tá tudo bem. O que for necessário nós consertaremos no caminho. Por ora, apenas escutem.” Mayck reforçou seu pedido e a atenção nele foi dobrada. “Nós vamos lidar com LS da mesma forma que fiz com Elias.”

    “Hã? Vai desafiar ele para um rouba bandeira?” 

    “Quase isso. Como Elias falou, Roger é um maníaco por lutas. Vamos usar isso e desafiá-lo para um torneio de combate valendo sua lealdade.”

    “É isso mesmo? Falar é mais fácil do que fazer. E se perdermos?”

    “Isso depende de vocês, que ficarão encarregados disso.” Mayck se referiu a Diogo e a Alexander.

    “O quê?! Você enlouqueceu?!” Desta vez, Fabrício tomou o lugar de Albert e elevou sua voz, o que era justificável. “Eu admito que Diogo e vocês são poderosos. Mas estamos falando de um líder de região aqui. Não tem como eles vencerem.” 

    “Relaxa. Eu já tenho um plano para isso também, caso vocês percam, mas se jogarem com as regras que eu disser, vai dar tudo certo.”

    “Não sei não, hein…” Fabrício não sentia segurança naquilo, mas se sentou calmamente. 

    “E quanto aos outros dois, podem deixar comigo. Eu vou dar um jeito nos dois. Elias vai comigo dessa vez.”

    “Eu?” 

    “Sim, você.”

    Elias suspirou amargamente. Parecia que ele não queria fazer nenhum trabalho complicado, mas, na verdade, ele só não queria ter de encontrar os outros líderes. Deixando Adriano e Hugo de lado, Roger zombaria dele, até não aguentar mais, por ter sido derrotado por um garoto. A última vez que eles se viram, foi dois meses depois que ele tomou posse da região leste e tiveram uma convenção sobre as relações entre as regiões. 

    Essas facções tinham um comportamento um tanto quanto diplomático, apesar de não serem líderes oficialmente reconhecidos pelo governo. Eles agiam como pequenos reinos centrados em um país enorme e lutavam entre si pela posse de outras regiões. 

    “Certo. Já estamos decididos. Agora vamos nos preparar”, Mayck levantou, enquanto dava seu veredicto. Mas tal ato fez Diogo se levantar rapidamente, alarmado. 

    “Mas, já?!”. 

    “É claro. Eu falei que não tenho muito tempo. Bom, conto com vocês.”

    Diogo suspirou. Com Mayck no comando, ele percebeu que não teria descanso. Mas o maior problema viria depois disso. Ele seria capaz de trabalhar com Alexander? Pensando nisso, ele olhou para seu novo colega de trabalho que acenou para ele e seguiu Mayck para fora da sala. 

    |×××|

    Estando já fora e bem longe do escritório, Alexander e Mayck tiraram suas máscaras e seguiram pelas ruas da cidade. O sol brilhava forte e o número de pessoas transitando era razoável. Mas a melhor parte era que não havia indícios de que alguém houvesse espalhado o ocorrido da noite ou da madrugada. 

    Alexander andava lado a lado com Mayck, que permaneceu em silêncio por um bom tempo até ele pôr suas perguntas para fora. 

    “Você tem certeza que isso vai dar certo?”

    “Fala de você e Diogo trabalharem juntos? Não se preocupe. Vocês não precisam ser amigos.”

    “Isso é o de menos. Se eu estiver recebendo, eu trabalho com qualquer um.”

    “E qual o problema, então?” Mayck se fingiu de desentendido, mas ele já sabia o que viria a seguir. A dúvida de Alexander estava relacionada ao trabalho em si. 

    “Eu não queria admitir, mas em uma batalha mano a mano com um maníaco por lutas é bem difícil.”

    “Você diz isso sem nem saber como é o físico dele?”

    “Bem… é parte da minha imaginação. Mas não importa. Digamos que ele tenha dez vezes a minha massa muscular.”

    “Isso realmente seria um problema. É por isso que vocês vão jogar com as regras que eu disser. ” Apesar de demonstrar compreensão com Alexander, Mayck parecia não ver isso como um verdadeiro obstáculo. “Vocês não precisam vencer, apenas ganhar tempo.” 

    “Ganhar tempo…? Lá vem você com suas ideias malucas de novo. Você tem certeza que não está sendo muito arrogante?”

    “Hmm… talvez eu esteja sendo um pouco. Mas se você está tão inseguro de sua própria força, então eu posso mandar Elias em seu lugar.”

    “Não estou inseguro.”

    “Você é que sabe. Você é um mercenário. Um trabalho desse tipo não deveria ser um problema grande.”

    Alexander respirou fundo. Ele percebeu que Mayck estava certo. Como mercenário, ele tinha que realizar todos os trabalhos que apareciam, se não, não receberia seu pagamento e morreria de fome, já que seu orgulho o impedia de roubar. Lidar com Roger deveria ser fácil. 

    “Ugh! Tá, tá. Eu vou fazer isso.” Irritado, Alexander apertou o chapéu em sua cabeça. 

    “Que bom. Agora, vamos nos separar aqui. Eu tenho algumas coisas para fazer e não quero você me seguindo.”

    “Cala boca, seu mequetrefe.”

    Ignorando essas palavras, Mayck deixou Alexander para trás, que tomou um outro caminho, e foi embora. 

    Quando chegou em frente ao portão da casa de seus avós, Mayck se deparou logo com Jade, que estava saindo de casa para ir ao mercado e junto dela estava Lorena. Sem hesitar, a garota o convidou para ir junto e Mayck aceitou. 

    As compras não eram muitas, então eles levaram pouco tempo no mercado. Só precisaram comprar o básico para o jantar. Depois de feito o trabalho, eles voltaram para casa. 

    Quando a noite caiu e a cidade adormeceu, Mayck saiu para fazer algo que não fazia há bastante tempo. Mesmo que Eugênio tenha sido derrotado, não queria dizer que os problemas com Ninkais haviam acabado. Elas ainda estavam por aí.

    O garoto se perguntava como não tinha encontrado mais deles nas noites que passou em claro. Mayck só tinha dado de cara com eles em quatro ocasiões, quando chegou, no segundo encontro com Alexander, antes da luta com Miguel e o grupo que Eugênio controlava.

    Era uma situação bem preocupante quando os monstros não eram vistos e com a aparição daquela figura no outro dia, a situação só piorava. 

    Mayck se perguntava se aquele monstro imenso havia afugentado os outros. Além disso, onde ele teria se enfiado? Um ser daquele tamanho não podia se esconder tão facilmente, a não ser que ele estivesse fora do planeta ou dentro do oceano. Fosse o que fosse, não era hora de se preocupar. Quando tudo o que ele estava fazendo acabar, ele iria reportar isso à Black Room, se falta. Se livrar daquelas responsabilidades era o que ele mais queria. 

    Vagando pelas ruas, não havia nenhuma alma perambulando, estava tudo deserto. Era como se todos tivessem decidido se trancar em casa. Mas isso não era tão alarmante, pelo contrário, trazia certo conforto. Se uma pessoa não estivesse fora de casa, menor as chances dela ser comida por um Ninkai.

    Mayck colocou as mãos no bolso. Um vento gelado passou por ele e lhe deu calafrios. Um som distante chegou aos seus ouvidos e ele parou de se mover, buscando escutar com mais atenção. Era um ruído baixo, mas que foi tomando forma em seu cérebro. Aos poucos, o som se assemelhava a um grito. 

    O garoto se pôs a andar na direção em que imaginava estar a origem do som. Depois de vários passos, ele chegou a uma construção parada, no meio de duas casas. Apesar da obra estar abandonada, dois andares já haviam sido feitos. Dentro dela estava um breu. Nem a luz do poste de iluminação conseguia clarear mais do que menos de dois metros dentro do local. Mas aquilo não era tão relevante. Os sons se tornaram gemidos de dor e começaram a formar palavras de socorro. 

    Gemidos desesperançosos e apavorados. Aquilo não soava nada bom para os ouvidos do garoto. 

    Respirando fundo, Mayck deu um passo adiante. Seu coração batia rápido e ele não sabia o motivo. Se fosse um Ninkai, tudo bem. Era só eliminá-lo com uma ou duas habilidades. No entanto, não era só essa possibilidade que vinha à mente do garoto. Ninguém pediria por favor a um monstro irracional. 

    Cada passo na terra misturada com areia e alguns cacos de tijolos no chão pareciam um estrondo nos ossos do garoto. As pequenas plantas que cresciam naquele solo bagunçado indicavam há quanto tempo aquele local estava abandonado pelos donos. 

    Mayck chegou bem ao fundo do lugar, onde não se via mais nada, ou deveria ser isso. Talvez por causa de sua ID, a visão natural dele melhorou muito e ele conseguia ver parcialmente bem no escuro. Ele enxergava tão bem, que notou uma escada de madeira a poucos metros dele, que dava para o andar de cima, de onde o choro saía. 

    Mayck encarou a escada e tomou coragem para subir. Ele subiu em passos leves para não chamar atenção e logo sua cabeça passou pelo teto para o segundo andar. 

    Sem antes analisar o ambiente, Mayck levou seus olhos diretamente para a origem daquele choro. Ele estava saindo de um cômodo ao lado da escada. 

    “Cala essa boca e tira logo.” Uma voz feminina irritada ecoou pelos cômodos. 

    “Por favor… deixa eu ir embora…” a voz chorosa, também de uma garota, implorou. 

    Alguns risos vieram depois, seguidos de insultos pesados contra a vítima. 

    Por um momento, Mayck se sentiu aliviado por não ser a primeira coisa que ele imaginou ao subir as escadas. No entanto, mesmo assim, ele não poderia apenas sair de lá. Ele subiu o último degrau da escada e se esgueirou até a porta do cômodo. Pp

    “Anda, sua piranha, tira logo essa roupa”, uma mulher falou enquanto ria. 

    Uma pequena fonte de luz apareceu no local. Vinha de um smartphone que, pela conversa, parecia estar com a câmera ligada. 

    “Por favor…” a garota implorou outra vez e um estalo percorreu a construção. 

    Uma das mulheres andou até a vítima e a estapeou várias vezes, ordenado que ela tirasse a roupa e a ameaçando de morte. 

    Não aguentando mais aquilo e desistindo de resistir, a garota apenas chorou silenciosamente, enquanto tirava sua roupa. E como se fosse um tipo de espetáculo, as outras garotas batiam palmas. 

    “Agora olha para a câmera e fala: “Eu sou a puta que pega o macho dos outros. Se cuida, se não eu vou pegar o seu também.” Anda.”

    Mayck lamentou quando entendeu o que estava acontecendo. Era algo tão ridículo que ele queria só dar meia volta e esquecer o que estava presenciando. Mas sua integridade o impediu. 

    É melhor eu fazer algo antes que piore. 

    Com um sentimento de total desprezo, Mayck chamou a atenção do grupo, que se voltou para ele, alarmado. 

    “O que você tá fazendo aqui?” Uma das agressoras deu um passo a frente. Assim como as outras, ela estava abismada por alguém ter pego elas cometendo um crime tão absurdo. 

    “Sou eu que pergunto aqui. Eu, você, o que elas estão fazendo?”

    Era uma pergunta idiota, dado o fato de que ele já sabia o que era. Mas as coisas precisavam andar de alguma forma. 

    “Me ajuda. Elas estão abusando de mim.”

    “Cala boca, caralho!” A mulher que parecia ser a líder do grupo, tentou silenciar a vítima. 

    “Sério isso? Vem aqui, anda.” Mayck mandou a garota se afastar de onde estava e ir para o seu lado. Sem hesitar, ela pegou suas roupas e correu até o garoto. 

    Mayck pegou seu celular e começou a digitar o número da polícia. 

    “Que coisa ridícula. Quantos anos vocês tem?” Mayck pode dizer, pelo rosto delas, que ela não tinha a mesma idade da vítima. 

    “Não te interessa, filho da puta. Vai embora, se não a gente vai fazer a mesma coisa com você.”

    “Mesmo que não me diga, vocês vão se resolver com a polícia.”

    “Arrombado! Se chamar a polícia a gente te mata.” Elas entraram em pânico quando a polícia foi mencionada e começaram a ameaçá-lo com xingamentos e juras de morte, mas nenhuma delas se movia. Mayck apenas as ignorou e ficou parado na frente da porta para evitar que elas fugissem. Como eram pessoas normais, ele não iria arriscar usar seus poderes para não chamar atenção. 

    Contudo, as três mulheres não iriam se deixar serem presas tão facilmente. Armada com uma faca de cozinha, uma delas avançou em Mayck, enquanto a outra segurava a lanterna do celular, ainda em modo de gravação. O intuito delas era esfaquear os dois, Mayck e a garota, e fugirem. 

    “Cuidado!” A garota, mesmo estremecendo e em choque, berrou e agarrou a blusa de Mayck. 

    No momento certo, Mayck bateu na mão que segurava a faca com força, fazendo a derrubar a arma e girou o braço dela, aplicando um shime waza em seguida. Ele a segurou por alguns segundos até desmaiá-la. As outras mulheres gritaram apavoradas, chamado Mayck de assassino e ele tentou confortá-las dizendo que ela ainda estava viva.

    No entanto, aquela agressoras ainda estavam determinadas a fugir, mesmo que tivessem que deixar uma delas para trás. 

    Gritando, elas avançaram em Mayck juntas. 

    “Fecho seus olhos só um pouquinho”, Mayck pediu a garota atrás dele, que não se importou em fazer isso. 

    Em um estalar de dedos as vozes delas foram silenciadas e elas foram desmaiadas. Isso aconteceu porque elas olharam para os olhos do garoto e humanos que não possuiam ID desenvolvida não podiam permanecer de pé diante dele. 

    Quando abriu os olhos, a garota só via a luz do celular no chão e as três mulheres inconscientes. 

    “O que aconteceu…?” Ela perguntou, perplexa. 

    “A polícia já está chegando. Você pode ir embora ou pode ficar aqui para dar depoimento.”

    “Eu vou… ir embora…” Ela parecia indecisa, mas tomou a melhor decisão naquele momento. 

    A garota se vestiu e acompanhou Mayck para fora da construção. Ela tinha perguntas ao garoto, mas ele não estava a fim de respondê-las e se despediu dela sem olhar para trás. 

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