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    O caminho para a zona sul era longo. Antes de partirem, Alexander efetuou um último trabalho ali que lhe fora ordenado. Ele devia fazer isso sem o conhecimento de Diogo, mas não sabia o porquê. Diogo era uma pessoa tão boa… mas não importava, eram ordens de Mayck no fim das contas. E se ele queria manter um bom disfarce, não podia questionar tudo. 

    Alexander se dirigiu primeiramente até a periferia para buscar Miguel, que resistiu em ir, mas logo desistiu. Em seguida, ele foi passar as ordens para mais uma pessoa. Pessoa esta, que seria essencial para essa parte da tarefa — Albert. 

    Albert, após o fim da reunião no dia anterior se retirou da sala e não falou com ninguém. Ele ainda estava apavorado pelo que aconteceu com Mayck na assembleia. Ele nunca imaginou que alguém pudesse ferir seu ego com apenas um simples olhar. Este mesmo Albert que sempre passou por cima das pessoas e esteve certo em tudo o que dizia — ou era o que ele achava — foi intimidado por um garoto sem a chance de lutar. Nem Elias sofreu tanta humilhação.

    Alexander procurou por ele e usando informações que conseguia com os outros homens, chegou até um hotel onde ele estava hospedado e foi até a recepção, na intenção de falar com ele. 

    “Com licença, eu estou procurando Albert Rocha, mas não sei o número do quarto dele.”

    “Você é um conhecido dele?” A recepcionista perguntou. Poderia parecer intrometido da parte dela, mas aquele era um protocolo a ser seguido em seu ramo de trabalho. 

    “Sou um colega de trabalho. Me chamo Elias Monteiro.”

    “Elias Monteiro, certo? Só um minuto, por favor.”

    A recepcionista se moveu em sua cadeira e pegou um telefone, discando alguns números em seguida. Ela trocou algumas palavras com a pessoa do outro lado da linha. Depois, desligou o telefone e o colocou de volta no gancho. Ela se virou para Alexander e falou gentilmente:

    “Ele já está descendo. Aguarde um momento.”

    “Tudo bem.”

    Alexander saiu de perto do balcão e se sentou em uma das cadeiras do salão de espera. Não levou muito tempo até Albert aparecer com seu terno que parecia ter sido colocado às pressas. Ao sair do elevador, ele andou até o balcão e falou com a recepcionista. Ela apontou para Alexander, que acenou levemente, chamando a atenção de Albert. 

    Ao ver aquele homem, Albert ficou confuso, mas foi até ele mesmo assim. 

    “Quem é você? Por que usou o nome do chefe?”

    “Não importa. Temos trabalho.”

    Só de ver, ele não podia dizer quem era Alexander ou que ele era um dos subordinados do senhor M, já que Alexander estava usando uma máscara no dia da reunião. Entretanto, ele não podia ser uma pessoa qualquer. Até porque usou o nome de seu chefe, então devia ser alguém relacionado a eles. 

    “Não sabia precisava ser avisado por um terceiro quando houvesse trabalho.”

    “Evite fazer perguntas. Isso deve ser feito imediatamente. Além disso, é melhor não questionar as ordens de seu chefe, certo?”

    Albert estalou a língua. De certa forma era verdade e ele não podia reclamar caso Elias lhe mandasse fazer algo. O que o incomodava, era que alguém, além de seu chefe, havia o avisado. As ordens que ele recebia sempre vinham diretamente de Elias. 

    Os dois saíram do hotel e seguiram para o prédio onde estava localizada a sala de Elias. 

    “E o que tenho que fazer?” Contra a sua vontade, Albert perguntou sobre sua tarefa.

    “Você não quer falar sobre isso aqui, quer?”

    Conversar no meio da rua sobre algo tão sigiloso era uma idiotice imensa. Mas Albert estava ficando cada vez mais irritado. Primeiro, um garoto tomou o controle de sua superior e depois ele recebe ordens de alguém que nunca havia visto antes. Era demais para ele. 

    Os dois ficaram em silêncio até chegarem ao escritório. Quando chegaram lá, encontraram Miguel perto da janela, usando um moletom e de braços cruzados. Ao se verem, Miguel e Albert estalaram a língua ao mesmo tempo. 

    “O que esse cara tá fazendo aqui?” Albert apontou para Miguel com uma expressão irritada. 

    “Não reclame. Vocês terão que trabalhar juntos agora.”

    “O que foi, seu rato? Quem devia ficar puto agora era eu”, Miguel falou, se referindo a antigos acontecimentos. 

    Esses dois possuíam um passado juntos. Na época em que a facção de Miguel e a facção Falcão lutavam entre si, Albert era um dos aliados de Elias e o ajudou a tirar Miguel do pódio. Então o motivo para eles se odiarem era justificável. 

    “Cala a sua boca. Um mero traficante como você, deve ficar quieto com o rabo entre as pernas.”

    “Você não está falando um pouco demais, parasita? Vai lá lamber o saco do seu Falcão, vai.”

    “Maldito desgraçado…” Albert caminhou até Miguel e o encarou no fundo de seus olhos. 

    Vendo que aquela discussão poderia escalar até a violência, Alexander achou melhor interrompê-los batendo na mesa e conseguindo a atenção deles, que estavam prestes a saírem no soco. 

    “Já deu, vocês dois. Tenho ordens para vocês.” Com um ar de hostilidade, os dois se afastaram e olharam para Alexander. “Hoje, senhor M e Elias foram até a zona oeste para conseguir o apoio de Hugo. E Diogo vai até a zona sul, atrás de Roger. Isso quer dizer que a cidade vai ficar desprotegida e sob o risco de um ataque. A missão de vocês é evitar que isso aconteça, colocando homens em cada ponto principal da região que tenha ligação direta para as outras regiões.”

    “É só isso? Devia ter falado antes. E por que você está dizendo isso? Elias poderia ter falado ontem, não é?”

    “Mas ele quis falar hoje. Escutem, se a região for atacada e houver baixas, vocês dois serão responsabilizados.”

    “Quê? Que merda é essa?”

    “Eu sei que vocês não querem trabalhar juntos. Eu também não queria ter que olhar pra cara de vocês, mas não podemos fazer nada. Se aqueles dois mandarem, vocês obedecem.”

    “Hã?! E por que eu tenho que aceitar as ordens daquele pirralho medíocre?”

    “Você já viu o que ele pode fazer, não viu? Sei que Miguel também compartilha a mesma experiência que você.”

    Albert e Miguel se entreolharam. Mas a energia entre eles era tão ruim que suas caras de nojo poderiam ser vistas a quilômetros de distância. 

    “É isso. Tudo o que vocês precisam fazer é evitar que sejamos atacados. Então parem de agir como crianças e façam seus trabalho direito.”

    Deixando essas palavras, Alexander saiu da sala. Ele nem queria saber o que iria acontecer dali para frente. 

    Voltando para o parque, ele encontrou Diogo e o restante dos homens no carro e partiram. Repassaram o plano mais uma vez e chegaram na região sul em cerca de uma hora e meia. O trânsito estava favorável, então não levaram mais tempo. 

    Diferente de outros lugares de São Paulo, a região sul poderia ser considerada a mais tranquila pelos seus residentes acolhedores e toda a energia de tranquilidade que rodeava aquela parte do mapa. Mas, claro, isso mudava completamente durante a noite. À noite, uma certa parte daquela região se tornava um palco para ringues de luta, tanto mano a mano quanto com habilidades especiais. 

    Esses eventos eram patrocinados por Roger, que obteve sucesso em sua posição como líder e oferecia prêmios para os participantes das lutas. 

    Muitas pessoas endividadas, fossem homens ou mulheres, iam a esses locais na tentativa de conseguirem o prêmio, que por sinal era uma bela quantia em dinheiro. 

    Por isso, as disputas eram brutais, não possuíam regras além da que proibia a fuga durante o torneio — o importante era vencer — ninguém ligava para os meios que eram usados para a vitória, tudo o que queriam era afundar seu dinheiro em apostas e trazê-los de volta com um bom investimento. Isso, além do entretenimento. 

    A pura vontade de ver pessoas se socando até a morte juntou dezenas, talvez centenas de pessoas ricas que buscavam um novo prazer em suas vidas. 

    Obviamente, essas disputas eram mantidas em segredo do público. Os envolvidos assinavam um contrato que os impedia de falar sobre os torneios para qualquer pessoa não relacionada. Caso o contrato fosse quebrado, só havia uma forma de resolver isso: a morte de quem falou e de quem ouviu. Foi isso o que Roger determinou. 

    Apesar de tudo isso, Mayck não havia sido informado de todas essas coisas. Elias podia não saber, mas também tinha uma chance dele ter escondido essa informação de propósito. Mas não seria tão problemático, a missão não mudaria com esse fato, pelo contrário, melhoraria as coisas. 

    Se um grande público estivesse presente no momento da vitória, então ninguém poderia negar que a disputa aconteceu — caso Alexander e Diogo vencessem. 

    “Eu me pergunto como nós vamos encontrar o líder daqui”, Diogo observou. 

    “Pera aí… você não sabe onde ele está?”

    “Não… Eu devia ter conseguido mais informações antes.” Diogo suspirou. “Bom, não há o que fazer. Vamos procurá-lo. O nosso tempo é curto.” 

    Diogo se virou para os homens e lhes passou instruções para buscarem o paradeiro de Roger. Entretanto, Alexander chamou sua atenção, enquanto olhava para um outro carro preto estacionado há alguns metros deles. 

    “Acho que não vai ser necessário.”

    “O que quer dizer?” Diogo voltou seus olhos para Alexander e depois analisou os arredores, encontrando o carro. “Vieram nos buscar?”

    Um homem utilizando um terno preto saiu do veículo e imediatamente os examinou e acenou em seguida. 

    “Aquele é… William?”

    “Parece que sim.”

    Alexander pôs um olhar desconfiado em seu rosto e tentava imaginar o motivo do representante estar ali. Poderia ser tudo, menos uma coincidência. 

    Ele estava nos esperando? Como ele sabia que nós estávamos vindo pra cá? Mayck sabe sobre isso e não me falou nada?

    Uma série de pensamentos desconfiados passaram pela cabeça do mercenário como um turbilhão. Ele tinha que ser cauteloso dali pra frente, mas sem mudar a ideia original da visita. 

    Depois de olhar para os dois lados da rua e confirmar que não havia nenhum carro próximo, eles atravessaram a rua e passaram por alguns pedestres, chegando até William. 

    “Vocês vieram mais cedo do que eu esperava. Estava até pensando em comprar um lanche”, William falou com um sorriso. 

    “Desculpe se estragamos seu plano. Mas o que quer dizer com “mais cedo do eu esperava”? Como você sabia que nós estávamos vindo?”

    “Aah… isso é segredo… e também não importa. Vocês vieram ver Roger, não é? Então, não vamos perder tempo aqui. Ele é um cara que odeia esperar.”

    O grupo da zona leste se entreolhou e entraram no carro de William. Logo em seguida, eles seguiram para onde encontrariam Roger. 

    Em alguns minutos, eles chegaram na frente de um bar, e o carro foi estacionado. William os avisou da chegada e eles saíram do veículo. Não podiam negar sua confusão, mas ainda continuaram com ele. 

    O bar não estava muito cheio e nem se podia chamar aquele lugar de bar. Era luxuoso demais, como um restaurante em um bairro nobre. Quando adentraram o local, eles foram encarados de relance por todos os presentes, os deixando desconfortáveis. Mas aquelas não era pessoas comuns, eram todos membros da facção de Roger. 

    “Avise que estou entrando com os convidados.” William se dirigiu ao bartender, vestido formalmente a caráter de sua função. O homem balançou a cabeça e apertou um botão na parte de baixo do balcão e repetiu as palavras de William. 

    Em seguida, eles foram até uma porta atrás do banheiro e desceram uma longa escada. No fim dela, havia uma porta, que William abriu e, imediatamente, gritos de animação chegaram aos seus ouvidos. 

    Dezenas de pessoas estavam rodeando um ringue, onde dois homens se espancavam até a morte. A torcida que apostou em um deles parecia agitada com a vantagem, enquanto aqueles que pareciam ter apostado no que estava perdendo se mostravam furiosos. Vez ou outra, alguns xingamentos ou ordens motivacionais eram audíveis. 

    A luta atingiu o seu ápice e o homem que estava perdendo se lançou em fúria contra o seu adversário e desferiu contra ele vários socos desesperados e sem se importar com os ferimentos que causava em seu oponente. 

    Jogou-o no chão e lançou os punhos várias vezes contra o rosto de seu adversário. Dentro de poucos minutos, o jogo virou, e o homem que estava perdendo levou a vitória para seus apostadores que bradaram de tal forma que as paredes do lugar vibravam. 

    Um terceiro homem foi até ele vencedor e levantou seu braço, reforçando sua vitória. Logo depois, uma dupla subiu no ringue com uma maca e retirou o homem desmaiado e ensaguentado de lá. Depois de todos aqueles golpes pesados e impiedosos, seria surpresa se ele estivesse vivo. 

    Aos poucos, a agitação da plateia foi diminuindo e logo silenciada pela presença de um homem alto e com um físico de dar medo em qualquer maromba, que subiu no ringue com um microfone nas mãos. 

    “Quem é aquele…?” Alexander perguntou imaginando como seria ruim levar um soco de tal homem. 

    “Ah, você não o conhecia, né? Esse é Roger. O líder da região sul.”

    Alexander não pode esconder sua surpresa. Ele tinha imaginado que seria, mas ainda assim… Roger abriu a boca. 

    “Eai, bando de sádicos filhos da puta que gostam de ver pessoas se quebrando até a morte, gostaram da luta que acabaram de ver?!” 

    Ele bradou com entusiasmo. A platéia respondeu com a mesma energia e ele continuou:

    “Pois bem. Hoje, surgiu um evento totalmente inesperado e diferente de tudo o que já aconteceu aqui. Meu amigo, Elias, líder da região leste, tomou uma surra para um moleque.” Em tom de zombaria, ele agitou ainda mais as coisas. “Agora, aquele moleque decidiu me desafiar para um torneio e mandou seus homens virem até aqui.” 

    Com essas palavras, Todas as luzes foram apagadas e um único holofote foi posto sobre Alexander e seu grupo, que se assustaram com aquele feito repentino. 

    Um outro holofote foi posto sobre Roger, deixando apenas ele e seus convidados a vista. 

    “O propósito desse desafio é tomar o meu governo e me transformar em um subordinado. Isso não é engraçado?! Eles querem derrotar a mim, o grande Roger.” 

    Seguindo a onda, a plateia riu. 

    “Muito bem, eu aceito o seu desafio. Ele acontecerá hoje a noite, no palco central. Todas as demais lutas de hoje foram canceladas. Eu quero todos focados nesse torneio. Hoje, vocês verão o que acontece com quem me desafia sem pensar nas consequências.”

    Aplausos percorreram o salão e as luzes forma acesas. Roger finalizou seu discurso anunciando as regras que Mayck havia proposto, porém, com uma condição. Todos, incluindo Alexander e Diogo, deveriam participar, fazendo assim, uma competição de 16 participantes. 

    Alexander e os demais se surpreenderam. Roger estava firme em sua decisão, e com aquele platéia ansiosa pelo espancamento, não teria como pedir para mudar as regras. Na verdade, eles nem tiveram a chance de falar algo, apenas foram puxados para o ringue sem posição para abrir a boca. Assim, eles viram que quando Roger queria, assim seria. 

    “E agora? E melhor falarmos com o senhor M? As coisas não podiam ser assim, certo?” Diogo ficou inseguro sobre a forma como aquilo começou. “Quer dizer, eles já sabiam o que iríamos fazer. Eles podem estar com a vantagem.”

    Alexander olhou para o chão sem dizer nada e Diogo insistia em consultar Mayck. 

    “Não. Vamos cuidar disso nós mesmos. Sabe, ele meio que feriu meu orgulho uma vez. Eu não quero ter que correr para perto dele como uma criança que não sabe o que fazer.” Com um sorriso malicioso no rosto e uma confiança inabalável, Alexander aceitou as condições de Roger. 

    “Muito bem, então. Nos vemos as 23h.”

    Com isso, eles se retiraram de lá sem mais nenhuma palavra. 

    |×××|

    Os integrantes do grupo de Alexander foram levados para um hotel, onde passaram o resto do dia vendo e revendo suas estratégias. Diogo ainda pensava em consultar o cabeça do plano, mas Alexander já havia descartado a ideia. 

    Os outros homens estavam pouco confiantes, com exceção de trio que possuía um ótimo físico e força, os três que só possuíam velocidade e resistência dignos de nota não tinham nenhuma confiança depois de ver aquela apresentação quando chegaram. 

    “Se acalmem. Vocês viram como é, não? Vamos seguir o plano. Todos nós vamos participar e não é bom abandonarmos uns aos outros.” Alexander falou com um sorriso. “Dito isso, não se preocupem, quem nos precisamos derrotar de verdade é Roger. Nós só precisávamos vencer o torneio todo se ele não fosse participar, mas as coisas mudaram agora.”

    Alexander encarojou os homens. Com a participação inesperada de Roger, eles não precisavam mais levar a vitória completa. Se pudessem derrotar o líder, não importava quantas vezes perdessem — desde que restasse um, eles venceriam. 

    “Falar é fácil. Tem algum plano para derrotar aquele puro músculo?” Diogo estava preocupado, embora as palavras de Alexander tenham lhe trazido certo conforto. 

    “Eu vou lutar contra ele. Vocês fiquem em suas próprias lutas.”

    “Você vai? Está tão confiante assim?”

    Diogo possuía certo receio, e, assim como Elias subestimou Mayck, ele subestimou a capacidade de seu parceiro e pensou que era muita arrogância para uma só pessoa. Contudo, ele era o único que se sentia assim. Os demais participantes ficaram felizes por não terem que lidar com Roger, embora não demonstrassem isso com palavras. 

    No fim, tudo o que importava era passar por aquele torneio e voltar para casa com a vitória nas mãos. Essa era a única tarefa deles. Enquanto Mayck estivesse cuidando dos detalhes, eles não precisavam se preocupar com mais nada. Mas Alexander ainda se perguntava em como seu chefe, autodenominado, traria Mathias para o lado deles. 

    No meio da reunião do grupo, alguém bateu não porta, os levando a se calarem. 

    “Quem é?” Diogo perguntou. 

    “Roger me mandou que os levasse a um lugar”, uma voz grave e cansada respondeu. 

    Eles se entreolharam, confusos. Heitor se levantou e abriu a porta. Era um homem idoso, que parecia já ter passado de seus sessenta anos, mas sua vestimenta informal composta por uma camiseta regata e uma bermuda larga exibiram seus músculos levemente desenvolvidos. 

    “Senhores, eu sou o tenente Rocha e fui mandando para levar vocês até o ginásio.” Sua voz, até então cansada, encheu-se de energia. 

    “Ginasio?” Heitor perguntou. 

    “Isso mesmo. Ou como preferir, academia. Roger disse que vocês poderiam tentar conseguir alguns músculos antes do torneio. Hahahaha.” Rocha riu enquanto dobrava seus braços fazendo pose e forçando seus músculos. 

    Heitor olhou para seus companheiros, que permaneciam confusos. 

    Sem questionar, eles seguiram o senhor energético em direção a academia, localizada na área mais movimentada da cidade. 

    A academia era bem equipada sem contar a área que ela ocupava, o que possibilitava o comportamento de inúmeros equipamentos altamente sofisticado e contava com ótimos instrutores. Não foi a toa que tal lugar fora indicada por Roger, o bodybuilder supremo, ou foi assim como Rocha o descreveu enquanto falava sobre a academia. 

    O grupo ficou surpreso, com exceção de Alexander que já havia visitado lugares maiores e melhores que aquele. Eles não paravam de analisar os arredores boquiabertos. Com uma semana de treino incansável naquele lugar, uma pessoa sairia completamente diferente, segundo Heitor. 

    Rocha se ofereceu para ser o instrutor responsável pelo treino deles, e começou a explicar como funcionava cada um daqueles equipamentos — mesmo não sendo necessário. O idoso estava animado por ter novos alunos sob sua tutela, apesar de ser um único dia e apenas algumas horas.  

    “Agora que já sabem como funciona cada um, eu vou dizer o que cada um de vocês precisa fazer e como vão fazer.”

    Com a ajuda de outros instrutores, Alexander e os demais foram examinados. Seus corpos, peso, altura, tipo sanguíneo e vários tipos de informações precisas sobre suas especificações físicas foram avaliadas. Essas coisas eram necessárias para que eles fizessem exercícios condizentes com seus carecimentos, e não ficarem apenas se exercitando aleatoriamente e gastando energia desnecessária.

    A partir dali, cada um foi direcionado para um equipamento diferente, com um número de repetições que lhes garantiram um bom desempenho. Eles não duvidaram dos instrutores, eram profissionais, afinal de contas — professores de educação física, por exemplo. 

    E assim, o dia se passou e os treinos foram encerrados duas horas antes do início do torneio. Depois de colocarem roupas próprias para a competição, Alexander e seus fiéis companheiros de bagunça foram para o salão onde aconteceria o evento.

    Para manter a expectativa da plateia, eles foram ordenados a entrar pela porta dos fundos. À primeira vista, era apenas um prédio comercial comum, com mais de 15 andares. Entretanto, no último andar daquele edifício, o 25° andar não era nada comum. Ele era completamente fechado, as janelas eram ausentes e contava com ar condicionado para substituí-las. 

    A ideia do lugar era que ninguém pudesse ver o que ocorria lá dentro — disputas acirradas, sangrentas e, muitas vezes, desumanas. 

    Entrando pela porta dos fundos, havia um elevador de emergência, que era menor do que o principal por onde entravam os espectadores. Por conta disso, os participantes tiveram que entrar em quatro grupos de dois. Por cortesia, Alexander e Diogo foram por último. 

    “E aí, tá preparado?” Diogo falou, vendo a penúltima dupla, composta por Heitor e Jonas, subir, com Heitor reclamando das dores em seu corpo. 

    “Eu não cortei meu cabelo pra nada. Eu estou sério sobre isso.” Alexander passou a mão sobre sua cabeça, com seu cabelo curto à mostra. 

    “Bem, isso é uma prova de convicção, mas…”

    “Não confia em mim? Não posso fazer nada. Mas eu vou vencer, e de um jeito magnífico.”

    A porta do elevador abriu, mostrando que a última dupla já podia subir. Como uma última forma de motivação, eles acenaram com a cabeça um para o outro e deram o passo para dentro do elevador que os levaria para o ambiente agitado da competição. 

    Todos estavam ansiosos pela disputa. Não era todo dia que Roger entrava no ringue. E conhecido como o bodybuilder supremo, ele parecia inalcançável para todos os lutadores que vinham em busca de dinheiro e fama. Derrotar Roger traria uma excelente quantia em dinheiro e ainda dava ao vencedor o direito de governar a região. Era assim que a liderança era passada. 

    Para evitar conflitos que chamavam a atenção da população, a organização determinou que a cada cinco anos haveria um grande torneio, onde o vencedor ganharia o poder de governar a região sul. 

    Por que não era assim em todas as regiões? Porque dependia das circunstâncias entre os residentes locais e suas principais influências. A região leste era onde havia uma grande concentração de tráfico e seus líderes eram aqueles que detinham o maior poder econômico do ramo. 

    A região norte era comandada por influência, podia-se dizer que era a mais democrática de todas, enquanto a região oeste possuía uma hierarquia familiar, ou seja, o governo era passado de pau para filho. 

    Contudo, a única semelhança entre a divisão de poderes era se um terceiro entrasse em conflito com os líderes e roubasse seus governos — algo assim mudaria o rumo de muita coisa. E tal problema não seria ignorado pela organização de jeito nenhum. Mas essa é uma outra questão. 

    A porta do elevador se abriu, e um enorme salão com um grande palco no centro foi revelado. A platéia estava acomodada ao redor do ringue e havia holofotes sobre ele, assim como câmeras de programas televisivos que eram responsáveis por transmitir a luta no tela de alta resolução para os espectadores mais distantes do centro.

    Com a chegada da última dupla, a plateia vibrou. Tal era a sua agitação que o chão tremia e qualquer outro som, por menor que fosse a diferença de altura, era silenciado. Ficava difícil até ouvir a voz dentro da própria cabeça. 

    Alexander olhou o redor. As pessoas usavam máscaras de diversos tipos para esconderem sua identidade. Nenhum deles estava disposto a entregar quem eram e serem delatados. E no caso de os lugares serem descobertos pela polícia, eles tinham uma chance de fugir sem deixar rastro. Para evitar trilhar seu caminho com digitais, o uso de luvas era recomendado pelos responsáveis pelas apostas. 

    “Senhoras e senhores, boa noite e sejam bem-vindos.” Buscando a atenção e o silêncio da plateia, um homem com um microfone subiu no ringue. 

    A platéia se silenciou, restando apenas alguns murmurios. 

    “Muito obrigado por atenderem ao desejo egoísta de nosso líder e adiar seus compromissos para esta noite. É com muito prazer que eu anuncio o grande evento de hoje que, apesar de ter surgido de última hora, é o evento que decidirá o rumo do governo da região sul.”

    Aplausos tomaram conta do ambiente. O apresentador continuou e falou sobre as circunstâncias para o acontecimento do torneio. Ao ouvirem que seu líder foi desafiado para uma disputa valendo o governo da região, gritos de zombaria encheram a plateia. Aparentemente, nenhum deles conseguia pensar em outra coisa a não ser o quão tolo era comprar briga com seu lutador mais forte e habilidoso. 

    “Uwah! Quanta confiança esse povo tem no líder deles? Me dá até arrepios.” Heitor comentou enquanto abraçava o próprio corpo. 

    “Não importa se eles confiam em Roger ou não. Isso é um ponto a mais para nós. Se vencermos, vai ser um choque tão grande nessas pessoas que eles vão ter duas possíveis reações.”

    Alexander falou sobre a chance de os presentes não aceitarem a derrota de Roger e os expulsarem dali, chamando-os de trapaceiros. A segunda possibilidade era de eles aceitarem sem problemas e desprezarem Roger por ser fraco demais. 

    No entanto, essa segunda possibilidade só aconteceria se eles temessem um poder maior e isso poderia ser possível caso Roger fosse morto, ou completamente humilhado no ringue. E, claro, esse era o final que Alexander buscava, mas ele não poderia fazê-lo acontecer. 

    Mayck iria dar uma bela bronca nele, caso um aliado poderoso fosse apagado — não que ele estivesse com medo ou algo assim. Algum problema com o garoto poderia acarretar na falha de seu objetivo. 

    “Agora, dou início ao torneio!” A plateia vibrou novamente e os primeiros competidores foram chamados. “Da equipe dos Desafiantes, um dos subordinados de Elias com maior classificação em força bruta, Giovanni!” Quando o primeiro competidor foi chamado, os outros se retiraram para uma espécie de camarim, onde ficariam até serem convocados. 

    Ao ser chamado, o homem respirou fundo e subiu no ringue, exibindo seus músculos bem desenvolvidos.

    “Agora, o participante da zona sul, escolhido a dedo pelo líder, Bomba caseira!”

    Outro homem com o corpo completamente sarado subiu no ringue e encarou Giovanni e os dois começaram uma disputa interna de exibição de músculos. A plateia continuou agitada com o início fervente dos dois bombados. 

    O apresentador deu a ordem de início e se afastou. Os dois lutadores se encararam e andavam pelo ringue, buscando uma abertura para atacar. Nenhum dos dois encontrava. 

    Como se concordassem sem palavras, os dois correram para o centro e chocaram seus punhos com uma força imensa, que fez uma pequena corrente de ar ao redor deles. 

    “Nada mau, cachorro do leste”, Bomba Caseira falou de maneira sarcástica. 

    “Valeu pelo reconhecimento, mas eu não ligo muito para ele.”

    Eles deram um passo para trás e logo começaram a trocar socos e chutes explosivos. Nenhum dos dois queria ceder e, se perguntassem, eles não podiam negar que estavam se divertindo a cada soco acertado e o sangue escorrendo de seus narizes davam uma falsa sensação de dever cumprido. 

    Bomba Caseira recuou e procurou manter distância. Giovanni, no entanto, buscava acabar com aquela luta logo e se lançou contra seu oponente, que saltou alto o suficiente para que as mãos de Giovanni não pudessem alcançá-lo. 

    “Acha que vai me derrotar assim? Otário!”

    Ao contrário de seu inimigo, que possuía uma força incrível em seus braços e punhos, Bomba Caseira tinha uma grande vantagem em seus chutes que pareciam meteoros caindo sobre a cabeça de Giovanni. Ele foi atingido e caiu sobre um joelho. Logo, Bomba pousou no chão e girou, acertando um chute de calcanhar no rosto de Giovanni. 

    “Merda…”

    Aquele foi um golpe poderoso e efetivo. Giovanni ficou tonto por um momento. Quando voltou a si, percebeu outros chutes vindo de seu oponente. Sem muito tempo, ele se arrastou pelo chão e desviou de uma pisada em sua cabeça, que atingiu o chão e abriu uma pequena cratera no chão do ringue.

    Giovanni sentiu um alívio por não ter sido atingido. Aquele pé poderia esmagar sua cabeça, ele pensou, não podia deixar a luta se estender mais e não podia mais cair. 

    “Vamo, vamos. Você não é o foda? Eu vou te dar uma surra e depois te matar”, o homem gritava com muito entusiasmo como se aquilo fosse um show de talentos.

    E Giovanni não gostou nada daquela provocação. 

    Giovanni se levantou e partiu para o ataque. Se pressionasse Bomba Caseira com seu socos poderosos ganharia uma chance imensa de vencer. 

    Dito e feito, Giovanni disparou socos rápidos mirando todo os corpo do seu adversário como o ótimo boxeador que era. Bomba Caseira não conseguia desviar totalmente, então era atingido várias vezes. Cansado de ser feito de saco de pancadas, Bomba se abaixou e tentou a sorte com uma rasteira — se Giovanni fosse para o chão outra vez, ele não perderia a chance de espancá-lo. 

    Porém, dessa vez Giovanni estava atento, ele saltou e fugiu da rasteira. Mas isso abriu uma brecha para seu inimigo desencadear uma série de chutes giratórios contra ele. Giovanni tentava conter os golpes usando seus braços, mesmo sabendo que não sairia ileso. 

    Cada chute era como pedras que pesavam mais de dois quilos sendo lançadas a 20 km/h e a uma distância muito pequena — o que tornava impossível sair ileso. 

    Se continuasse assim, ele seria pressionado e perderia, Giovanni deduziu, precisava de meios para sair daquela situação, não importava o que fosse. 

    Recebendo os golpes de frente, Giovanni respirou fundo e se acalmou. Fechou os olhos e quando os abriu, conseguiu agarrar a perna de Bomba com sua mão esquerda e, sem hesitar, jogou-a no chão e preparou sua mão direita para desferir um golpe potente, para acabar com aquela luta. Ele o fez e acertou bem no queixo.

    “Isso acaba aqui…!” Giovanni gritou no momento do golpe. 

    A visão de Bomba se escureceu e ele caiu, inconsciente.

    O local ficou em silêncio por alguns segundos e um homem subiu no ringue, verificando as condições do competidor caído. Ele levantou as mãos, sinalizando que a luta havia acabado. 

    O apresentador anunciou o vencedor e parte da plateia aplaudiu, o que dava a entender que suas apostas foram a favor de Giovanni — o que não era nada ruim, dado o fato de que ele era de uma região inimiga. 

    Giovanni se retirou do ringue, cansado e cambaleante, porém, vitorioso e triunfante, e se exibiu para seus companheiros no camarim, que haviam assistido a luta por uma TV. 

    “Nada mau. Se perdesse teria que pagar as bebidas por duas semanas.” Maicon e Luis riram e parabenizaram seu amigo. 

    “Fez um bom trabalho, Giovanni”, Diogo elogiou. 

    “Valeu, chefe.” Giovanni agradeceu respeitosamente e derramou a água de uma garrafa personalizada em sua cabeça. 

    “Idiota, não faça isso aqui.”

    “Tem um banheiro ali do outro lado.”

    Alexander apenas balançou a cabeça respeitosamente e voltou seus olhos para a TV. O apresentador já iria chamar os próximos competidores. Enquanto as lutas iam acontecendo, ele analisava cada lutador e especulava as forças de Roger. Era um bom avanço para quando eles se tornarem aliados. Além disso, Mayck também gostaria dessas informações. 

    Suas habilidades como mercenário lhe permitia ler seus inimigos e decidir o tanto de poder que deveria gastar com cada oponente e também prevenia que ele se envolvesse em brigas sem uma preparação necessária. Para isso, ele só precisava ver o poder dos subordinados de Roger e dobrar esse valor a cada partida. 

    Esse tal Bomba Caseira talvez tenha um A. Isso porque a classificação de Giovanni é A + e já que ele venceu, os poderes deles não devem estar tão distantes. Alexander lembrou-se dos registros que viu com Diogo naquela manhã.

    “O que vocês acharam dessa luta?” O apresentador falou. “Foi decepcionante termos perdido, mas foi uma ótima luta para abrir esse espetáculo. Agora, sem enrolação, chamarei os próximo competidores. Heitor, da zona leste e Chaplin da zona sul.”

    Um homem com o rosto pintado de branco subiu no ringue e se curvou como em uma apresentação de teatro. Ele estava usando um smoke, o que fazia as pessoas duvidarem de suas capacidades. Mas como foi escolhido por Roger, não devia ser pouca coisa.

    Heitor também subiu ao ringue, embora um tanto inseguro. Suas mãos tremiam e ele precisou de dez minutos de encorajamento para sair do camarim. 

    Tá tudo bem, tudo bem. Eu posso apenas fugir. Se não me engano… cada luta tem dez minutos. Se eu sobreviver até o tempo acabar, a vitória é minha. Mas… e se ele for mais fraco que eu? Se eu não der um único golpe nele, eu perco. E agora?! 

    Toda a motivação de Heitor foi embora. O nervosismo de estar carregando parte do fardo de um grande evento não lhe deixava pensar com clareza. 

    “Muito bem, estão prontos? Comecem!” O apresentador deu início e se retirou do ringue. 

    Chaplin encarou Heitor, que, desesperadamente, tentava manter sua postura de luta. 

    Os dois ficaram imóveis por dois minutos e a plateia não estava gostando nada daquilo. Parecia até um show de encarar. E mesmo se fosse isso, Heitor perderia por causa de seus olhos piscando sem parar. 

    O primeiro movimento foi de Chaplin, que se pôs a andar. Heitor recuava, tremendo, a cada passo dado por seu oponente. Sua mente estava entrando em choque. Quando Chaplin se aproximou, começou a analisar cada canto de seu corpo e o tocando como um médico. 

    Ninguém entendeu nada. 

    Alexander lutava para descobrir o que ele estava fazendo — tanto Chaplin quanto Heitor. Era uma chance perfeita para seu aliado atacar, mas ele não se movia. Diogo e os outros pensavam a mesma coisa e até gritavam o óbvio, mesmo sabendo que Heitor não os ouviria pela TV. 

    Chaplin continuou vasculhando o corpo do seu adversário. Olhou, olhou, rodeou e tocou. Finalmente, após alguns minutos daquilo, ele se afastou e Heitor nem piscava mais. 

    O que… o que tá acontecendo? Não consigo me mover. Meus olhos estão ardendo. 

    De repente, sem fator externo nenhum, Heitor caiu no chão como uma estátua sendo derrubada, sem se mexer ou respirar. Todos os espectadores ficaram confusos. Não fazia sentido. 

    Alexander, porém, acabou se dando conta depois de repetir a cena várias vezes em sua cabeça. Ele conseguiu perceber o que havia acontecido ali naquele palco e até o nome do competidor inimigo passou a fazer sentido. 

    Chaplin, em homenagem ao ator Charles Chaplin. Apesar de seus filmes serem mudos, ele ainda conseguia trazer ao público ótimas gragalhadas e foi isso o que aconteceu no ringue. Silenciosamente, sem aviso, ele caminhou até Heitor e apertou todos os pontos de pressão dele o deixando paralisado. Isso era, de certa forma, surpreendente. Chaplin fez tudo isso sem nenhuma intervenção, afinal. 

    Ali, Heitor sofreu a maior humilhação de sua vida, que era perder sem ao menos ter a chance de lutar e essa vergonha o acompanharia pelo resto de sua vida. Internamente, ele se lamentava se atacava a si mesmo pela própria fraqueza. 

    “A-a luta acabou. O vencedor é Chaplin!” A plateia entrou em êxtase, embora confusa, com aquela vitória que poderia ser considerada esmagadora a sua maneira. Heitor levou a primeira derrota para os competidores do leste. 

    Uma dupla subiu no ringue com uma maca e o retiraram de lá, o levando até o camarim. 

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