Capítulo 70 — Conversa entre amigos
No segundo dia de viagem, uma sensação de curiosidade começou a se insinuar em mim. Estávamos nos dirigindo para um destino um tanto misterioso – o reino das fadas. Luna, mesmo ela, não havia soltado sequer um comentário sobre esse lugar enigmático. Isso apenas aumentou minha curiosidade.
“Então, Luna, para onde exatamente estamos indo?” perguntei, ansioso por finalmente obter alguma informação.
Enquanto percorríamos uma longa distância, nosso caminho nos levou até um portal de teletransporte na região oeste de Begnorn. Este planeta comercial era parte integrante do vasto comércio universal.
“Na verdade, nunca cheguei a explicar o plano de viagem”, admitiu Luna, revelando um pequeno sorriso. Parecia que ela tinha mantido todos nós na penumbra de propósito.
Percebendo que ninguém, exceto Luna, estava ciente do nosso destino, a curiosidade brilhava nos olhos de todos. Finalmente, Luna quebrou o silêncio com um ar misterioso.
“Vocês lembram do planeta onde nos conhecemos?” ela disse, seu olhar radiante de felicidade.
“Hiferlien?”, respondi, rememorando o planeta de beleza exótica onde nossos caminhos tinham se cruzado.
Confesso que não tinha uma vontade ardente de visitar Hiferlien novamente. Na verdade, tinha uma inclinação forte para evitar aquele planeta, se fosse possível.
“Hiferlien é o nosso destino. E o que talvez vocês não saibam é que este planeta é a única passagem para o Planeta das Fadas”, Luna revelou com entusiasmo. “Normalmente, forasteiros não são bem-vindos lá, mas vocês são convidados especiais da princesa. As fadas não costumam receber visitantes, mas abrem exceções para vocês.”
Portanto, nossa jornada nos levaria a Hiferlien, querendo ou não. Essa revelação me deixou ligeiramente apreensivo, mas eu sabia que não havia razão para recusar. Nossos objetivos eram claros: obter informações essenciais e, principalmente, devolver Eriel ao seu corpo original e, consequentemente, recuperar o meu.
A situação de habitar um corpo feminino me apresentava um desafio inesperado. Mesmo durante os momentos mais pessoais, como o banho, eu precisava me submeter à ajuda cuidadosa de Samael, que mantinha meus olhos devidamente vendados. Tais situações eram desconcertantes, mesmo para alguém que já havia visto mulheres sem roupas.
“Você não parece muito animado com a ideia do planeta”, Eriel observou, sua preocupação evidente em sua expressão.
“Não tenho certeza, é uma sensação estranha”, admiti, tentando entender meus próprios sentimentos.
“Não é surpreendente, afinal, em Hiferlien, Azrael é tratado quase como um deus”, Luna acrescentou, e sua voz carregava uma mistura de reverência e incerteza.
“Sua presença é quase adorada como a de um salvador do planeta”, completou Samael, ecoando os sentimentos de Luna.
“Ninguém é indiferente a ele lá”, Jofiel acrescentou com um sorriso, parecendo refletir sobre as experiências passadas.
Parecia que elas estavam tramando às minhas costas. Com um leve suspiro, deixei os pensamentos de lado por um momento e me concentrei na cena diante de nós: a imensa fila de nobres aguardando sua vez de utilizar o teletransporte.
“Isso me faz lembrar. Se formos para Hiferlien, Eriel terá que me substituir…” Deixei a frase no ar, provocando olhares curiosos de todos na nossa companhia.
“Eh? Algum problema nisso?” perguntou Eriel, sua expressão um tanto confusa.
Em condições normais, essa mudança não deveria ser problemática, mas em Hiferlien, as coisas eram diferentes. Se os habitantes desconfiassem que um falso Azrael estivesse se passando pelo verdadeiro em sua visita, seríamos expulsos imediatamente. Nem mesmo a presença de Samael e Luna ao meu lado seria capaz de reverter a situação.
“Isso é verdade. Eriel, você parece bastante gentil”, comentou Luna, ponderando sobre a situação.
“Bem, Eriel poderia se passar por você, mas não consigo imaginar uma imitação perfeita”, Samael acrescentou com um tom de sarcasmo, deixando claro que ela não estava disposta a cooperar.
“VocÊ poderia mudar a nossa aparencia?”. Comentei, mas sabia que existia uma falha nesse plano, já que nossa aura era diferente.
“Eu poderia?,” respondeu Samael, com um toque de ironia, revelando que sua ajuda não estava à disposição.
“Desta vez, serei apenas uma observadora. Não espere que eu me envolva demais”, ela acrescentou com um sorriso astuto.
“Você me pegou chamando-a de ‘velha’ em meus pensamentos, não foi?”, respondi com um sorriso, sabendo que Samael tinha me descoberto.
“Samael parece te conhecer muito bem,” comentou Jofiel, divertindo-se com a interação.
“Eu nunca teria tais pensamentos, minha estimada mestra”, repliquei, tentando parecer inocente.
Com a impossibilidade de contar com a ajuda de Samael, minha única opção era confiar na habilidade de atuação de Eriel.
“Vamos apenas agir naturalmente. Mesmo que não se pareça exatamente com Azrael, ela continua no seu corpo”, Luna sugeriu, trazendo alguma tranquilidade ao cenário.
Luna estava certa. Mesmo que Eriel se comportasse de maneira infantil, minha aura ainda era inconfundível: a de Azrael, o demônio. Todos perceberiam que não era uma farsa, mas o verdadeiro Azrael.
Então, um pensamento me ocorreu. Parando por um momento, a atenção de todos se voltou para mim. Minha expressão devia estar peculiar, mas não tinha certeza, já que minha mente estava ocupada por uma ideia.
Zoe. Se estou no corpo de Eriel, eu deveria ser capaz de acessar livremente o poder dela, certo? Perguntei mentalmente.
{Sim}, respondeu Zoe, sua voz trazendo um sorriso sutil ao meu rosto enquanto ponderava quanto de mana seria necessário para executar o que eu tinha em mente.
“Azrael, você está bem?” Eriel foi a primeira a notar a minha expressão distante.
“Sentindo vontade de ir ao banheiro? Você está com um sorriso estranho…”, provocou Samael.
“Samael, quanto de mana seria necessário para acessar os registros akáshicos?” Minha pergunta fez Samael empalidecer momentaneamente, mas logo um sorriso intrigado apareceu em seu rosto.
“É uma ideia insana, mas teoricamente possível. Talvez vinte vezes mais mana do que o corpo atual de Eriel pode suportar.”
Como eu havia previsto, Samael compreendeu meu plano e estava disposta a me auxiliar.
“Poderia—”
“Claro.”
As outras observadoras olhavam para nós, claramente perplexas com nossa conversa. Era natural, considerando que apenas Samael e eu entendíamos o verdadeiro significado por trás de uma visita aos registros akáshicos.
“Mas, se eu te ajudar, teria que ir junto.”
Estou exausto de me limitar ao que posso ou não fazer. É hora de agir como no passado, quando precisava usar o poder para crescer. Não há nada mais adequado do que acessar os registros akáshicos. Afinal, se algo acontecer, não terá efeito sobre o corpo de Eriel, uma vez que os registros afetam a alma, não o corpo físico.
“Espera, os registros akáshicos? Você está pensando em arriscar sua vida?” Jofiel exclamou, sua voz alta o suficiente para chamar a atenção de todos na fila de espera. “Ah! Desculpe-me.”
Não tenho a intenção de recuar. Eriel é a usuária do tempo e, embora ela não tenha muita experiência, é a única capaz de entrar nos registros akáshicos.
“Não pretendo te impedir, mas o que exatamente você busca nos registros? Se fosse apenas pelo conhecimento, você não se arriscaria tanto, certo?” questionou Jofiel novamente.
Não era o conhecimento que eu buscava, na verdade. Meus interesses se concentravam em uma área dos registros onde apenas um ser habitava.
“A resposta é simples. Eriel pode acessar os registros, mas meu objetivo é a entidade que temporariamente reside lá”, expliquei.
Jofiel pareceu compreender o que eu tinha em mente, e Samael também. Por outro lado, as expressões de Luna e Eriel eram complexas. No entanto, mesmo que eu conseguisse acessar os registros, meu tempo poderia ser limitado devido aos guardiões que protegem esse domínio.
Decidi abrir o jogo com minhas companheiras.
“Eriel, sei que é injusto pedir para você usar seu poder dessa forma, mas peço que me permita—”
“Não se preocupe,” Eriel me interrompeu. “Eu sei que você nunca faria algo para me colocar em perigo. Mas posso perguntar o motivo pelo qual deseja acessar os registros?”
Claro, até agora não havia dado uma explicação satisfatória. Dado o risco de colocar o corpo de Eriel em perigo, é hora de compartilhar meus motivos.
“Mana… Minha irmã está em uma área dos registros e, se eu conseguir acessar esse lugar, talvez possa falar com ela novamente.”
Era tudo o que eu desejava. Se por um breve momento eu pudesse falar com minha irmã, isso me traria um alívio imenso.
Antes que eu pudesse continuar explicando, finalmente chegou nossa vez de utilizar o teleporte. Ao nos aproximarmos do responsável por enviar-nos ao nosso destino, minha mente começou a trabalhar em uma estratégia para chegar ao planeta sem chamar muita atenção.
“Qual é o seu destino?” perguntou o encarregado do teleporte, aguardando minha resposta.
“Hiferlien”, respondi, esperando uma reação.
O responsável fez uma expressão estranha, indicando que algo não estava dentro do esperado.
“Hiferlien, huh? Parece que não será possível. O planeta está fechado por dois meses devido a um festival.”
Essa situação já era esperada, uma vez que o festival era um período de celebração pela vitória contra os elfos escuros.
“Seria possível enviar uma mensagem para lá? Diga que ‘O Salvador deseja visitar'”, sugeri, apesar de saber que era um risco.
“Claro… Espere apenas um momento”, ele respondeu, retirando-se brevemente para fazer a comunicação.
Não demorou muito até que ele voltasse, apressado.
“Sua visita foi autorizada. Vocês não precisarão pagar a taxa e serão enviados diretamente para o palácio.”
Com tudo resolvido, chegou o momento de partir. Adentramos o teleporte e fomos instantaneamente transportados para o planeta Hiferlien.
Na sala real para onde fomos enviados, um grupo de guardas estava nos aguardando. Com uma postura nobre, os guardas nos conduziram até a sala real onde o monarca do planeta nos esperava.
Uma sala grandiosa se estendia diante de nós, e, como convidados, todos se ajoelharam diante do rei, exceto Eriel. Antes de chegarmos, eu havia explicado a ela algumas regras que deveria seguir ao usar meu corpo, e uma delas era nunca se ajoelhar diante de reis ou deuses.
Foi então que meus olhos se encontraram com os olhos do rei, ou melhor, com os olhos do monarca. Sua presença era impressionante, capturando a atenção de imediato. Cabelos escuros, com um tom quase enigmático, enquadravam um rosto que exibia uma combinação singular de charme e mistério. Seus olhos, de um amarelo profundo e penetrante, pareciam conter um conhecimento ancestral, como se tivessem testemunhado inúmeras eras de história.
A beleza desse indivíduo era extraordinária, ultrapassando os padrões comuns e conferindo-lhe uma aura quase sobrenatural. Cada traço de seu rosto parecia esculpido com precisão, resultando em uma aparência hipnotizante. Sua pele, de um tom pálido e sereno, contrastava elegantemente com a escuridão de seus cabelos e os olhos de um amarelo intenso.
Ao observá-lo, era evidente que ele pertencia a uma raça distinta, algo que se destacava por sua singularidade. Sua postura transmitia confiança e cálculo, refletindo uma autoconfiança inata. O traje que vestia, repleto de detalhes em tons de preto, sugeria uma ligação profunda com sua identidade única, acentuando ainda mais sua aura enigmática.
Ao lado do monarca dos vampiros, Vlad Felior, estavam duas princesas que observavam com curiosidade, sendo a primeira delas Lethea Felior, a segunda princesa dos vampiros.
Seus cabelos vermelhos eram vibrantes como chamas ardentes, emoldurando um rosto que emanava um encanto quase hipnotizante. Seus olhos amarelos, como o reflexo do sol dourado, continham uma profundidade misteriosa que parecia capturar a própria essência do calor e da luz. A beleza dela não era meramente física; ela irradiava uma essência interior que cada traço de seu rosto parecia ter sido esculpido com perfeição, destacando-se em uma harmonia sublime. Sua pele era suave e imaculada, emitindo um brilho próprio que complementava os cabelos vermelhos que se moviam com uma graça singular. Seus trajes eram dignos de uma princesa, feitos sob medida para realçar sua figura esbelta e graciosa. Tecidos nobres e desenhos intrincados contribuíam para uma aura de realeza que a envolvia.
Em um instante, nossos olhares se encontraram, e fui cativado pelos olhos amarelados daquela mulher de beleza arrebatadora. Uma expressão curiosa brilhava em seu olhar, como se ela estivesse determinada a desvendar os segredos por trás de minha presença. A primeira princesa do reino possuía traços que não podiam ser ignorados, uma combinação única de graça e magnetismo.
Elara Felior, a primeira princesa dos vampiros. Sua pele pálida era quase translúcida, criando um contraste dramático com a escuridão de seus cabelos negros que caíam em ondas suaves sobre seus ombros. Cada fio parecia brilhar como ébano à luz, um contraponto perfeito para a palidez de sua tez. Seus cabelos eram uma cascata de escuridão que realçava ainda mais seus traços marcantes.
Mas eram seus olhos que capturavam a atenção de todos que a viam. Amarelados como o ouro brilhante do sol poente, eles irradiavam uma intensidade fascinante. Olhando diretamente em seus olhos, tinha a sensação de estar diante de alguém que havia testemunhado séculos de história e adquirido um conhecimento profundo do mundo.
“Nosso querido salvador voltou”, comentou Vlad, atraindo a atenção de todos para a presença de Eriel diante do monarca.
“Quanto tempo até o sol se pôr?”, perguntou Eriel, parecendo casual, mas sua pergunta pareceu pegar o rei de surpresa por um momento.
“Depende do seu ponto de vista”, respondeu Elara, a primeira princesa dos vampiros, com um sorriso doce, provocando um enigma no ar.
Elara se aproximou do pai, o rei, e sussurrou algo em seu ouvido. Instantaneamente, o rei se ergueu de seu trono, sua voz ecoando pelo salão com autoridade.
“Todos presentes, exceto a equipe do herói, devem sair imediatamente.”
E assim, o salão foi esvaziado. Nem mesmo os guardas permaneceram, deixando apenas as figuras principais para uma conversa que precisava ser realizada em privacidade.
“Então, Azrael, algo aconteceu?”, indagou o rei, sua voz carregando uma mistura de curiosidade e preocupação.
“Sim, mas não é algo de grande relevância. Talvez até sua sabedoria possa ser desafiada se pensarmos muito sobre isso”, retruquei, provocando um olhar surpreso das princesas e até mesmo do monarca dos vampiros.
No entanto, Vlad logo recuperou seu sorriso descontraído. “Fu hahaha! Isso soa intrigante. Posso saber por que você está usando a aparência da princesa humana?”
“Tem certeza de que seu cérebro não entrará em colapso com tal explicação?”, provoquei, temperando minhas palavras com um toque de ironia.
“Bom, talvez a explicação seja um tanto complexa, mas estou disposto a ouvir”, disse o rei, sua expressão refletindo um misto de curiosidade e disposição. “Enquanto isso, minhas filhas irão guiar seus convidados até seus aposentos para descansar um pouco. E nós… bem, desfrutaremos de um bom vinho enquanto conversamos.”
Senti gratidão por Elara lembrar do código que havíamos estabelecido há tempos atrás, garantindo que pudéssemos ter essa conversa em um ambiente mais descontraído e seguro.
Agora, minha maior preocupação residia na explicação do motivo de nossa visita ao planeta e na forma como lidaria com minha futura experiência relacionada aos registros akáshicos.
Enquanto a conversa se desenrolava no salão real, minha mente trabalhava em como abordar a explicação de maneira que não levantasse muitas suspeitas. Sabia que precisava ser cuidadoso, pois qualquer detalhe mal colocado poderia desencadear uma série de questionamentos indesejados.
Enquanto Vlad e eu discutíamos assuntos diversos, como alianças entre nossos reinos e a situação política atual, não pude deixar de notar os olhares curiosos das princesas. Eles dançavam entre mim e Eriel, como se tentassem desvendar o enigma por trás da troca de corpos.
Após um momento, Vlad fez um gesto, indicando que era hora de revelar o propósito de nossa visita. Respirei fundo, preparando-me para escolher as palavras com cautela.
“Monarca Vlad Felior, nossa vinda a Hiferlien tem um propósito delicado”, comecei, fazendo uma pausa estratégica. “Estamos enfrentando uma ameaça que ultrapassa as fronteiras de nossos reinos. Uma força antiga, despertada pelos eventos recentes, ameaça o equilíbrio entre os mundos.”
O rei parecia surpreso com minha declaração. “Sério?”, indagou, seus olhos amarelos fixos em mim.
Soltei uma risada, percebendo que minha abordagem estava funcionando. “Na verdade, não”, respondi com um sorriso. “Estamos indo a um local que, por enquanto, não posso revelar. Digamos que seu planeta desempenha um papel crucial como uma ponte para esse local.”
Vlad sorriu, compreendendo que havia um aspecto estratégico em minha resposta. “Entendo. Vou respeitar a confidencialidade. De qualquer forma, está na hora de levar vocês para seus aposentos. Descansem bem e, mais tarde, continuaremos nossa conversa.”
Assenti em concordância, agradecendo ao rei pela hospitalidade. As princesas se aproximaram novamente, suas expressões curiosas mostrando que elas estavam ansiosas para saber mais sobre nossos objetivos. Enquanto deixávamos o salão real, a sensação de que nossa jornada estava apenas começando tomava conta de mim. A incerteza do que os registros akáshicos poderiam revelar pairava no ar, mas estava disposto a enfrentar qualquer desafio em busca das respostas que precisávamos.
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