Índice de Capítulo

    A casa estava agitada. Já era a terceira vez que Tsukiko ia até o quarto de Hana com uma bandeja contendo alguns biscoitos, doces e bebidas para as pessoas ali reunidas, as quais estavam sentadas no chão ao redor de uma pequena mesa. 

    “Bati”, Mayck disse indiferente, como se fosse a palavra mais fácil do mundo ou algo que ele dizia diariamente. 

    “Argh! Que droga!” Haruki esfregou sua cabeça com força, enquanto reprimia seus gritos enfurecidos. “Já é a quinta vez!”

    “Bom… esse jogo é fácil…”

    “Lá vem você com isso de novo.” Chika estreitou os olhos, como se investigasse minuciosamente o garoto, olhando-o fixamente, mas logo sua expressão se tornou perversa. “Bom, de qualquer forma… Uno!” Ela anunciou ao jogar sua penúltima carta.

    “Que?! Eu vou perder de novo?!” 

    “Parece que você tem muito o que aprender, Haruki-kun. Uahahaha!” Ela gargalhou com as mãos na cintura, se sentindo superior. 

    “Porcaria!” Por outro lado, lágrimas podiam ser vistas nos olhos do ruivo que segurava sabe-se lá quantas cartas em sua mão. Mas era óbvio que ele as acumulou no decorrer da partida e não conseguiu se livrar delas. 

    “Bom… eu até concordo com Mayck. Esse jogo é bem fácil. Uno.” Foi a vez de Hana jogar sua penúltima carta e ficar a um passo da vitória

    “Vocês só são sortudos demais.”

    Mayck observou-os jogando sem dizer uma palavra. Aquela já era sua quinta vitória consecutiva desde que começaram a jogar. E, pra falar a verdade, foi extremamente fácil. 

    Tirando Haruki e Chika que ainda estavam se acostumando com o jogo, Hana era a única oponente digna de enfrentá-lo, já que tinha um bom conhecimento das regras e experiência jogando. Entretanto, mesmo assim, ela não poderia vencer, pois Mayck era aquele que jogava desde sua infância. 

    Tal foi a análise que fez em sua cabeça e isso lhe fez se sentir superior por algum motivo. 

    De repente, a porta do quarto foi aberta novamente, dessa vez, porém, por Haruna e Rika, que estavam ajudando Tsukiko na cozinha até pouco tempo atrás e haviam ganhado uma folga. 

    “Vocês ainda estão jogando?”

    “Oh, Haruna-chan, que tal se juntar ao ataque em conjunto à Haruki?” Chika balançou a mão contendo a última carta que possuía. 

    “Ataque… Sinto pena de você, Haruki-senpai.” Ela ofereceu suas condolências, vendo aquele bloco nas mãos do garoto. 

    “Haha…” Rika riu amargamente. Seus olhos se voltaram para Mayck por um segundo, que estava encostado na cama, mas logo fugiram para o chão, quando ela percebeu que estava sendo olhada de volta e seu rosto ficou levemente corado. 

    “Eu vim avisar que estou indo pra casa. Já está tarde, e eu quero acordar no horário amanhã.”

    Quando Haruna falou, Hana olhou o horário em seu celular, como se para confirmar a veracidade da informação e, realmente, já passava das 22 hrs.

    “Nesse caso, eu vou indo também. Foi divertido, mas amanhã tem aula.” Haruki colocou seu baralho na mesa e alongou os braços. 

    Mas Mayck não iria deixar ele escapar só com aquela desculpa. 

    “Você só quer fingir que não perdeu.” 

    “Mayck seu… aff.” Ele bufou. 

    “Eu vou indo nessa também.”

    “Então eu também vou.” Chika se juntou à Mayck e aos demais. 

    Eles desceram para a cozinha e se despediram de Tsukiko e Masato e foram acompanhados por Hana até a saída. 

    Todos haviam se reunido ali para a festa de aniversário preparada para Hana, que completava quinze anos naquele dia. Havia mais algumas pessoas — familiares e amigos —, mas elas foram embora conforme o tempo passava, até restarem só os amigos mais próximos. 

    “Muito obrigada por hoje, pessoal, de verdade.” A aniversariante agradeceu outra vez com uma leve reverência. 

    “Tudo bem, Hana-chan. Nos vemos amanhã.”

    “Até mais.”

    Eles acenaram para ela e seguiram caminho, conversando tranquilamente sobre assuntos variados e que não levavam a lugar algum. Algo típico de amigos de longa data. 

    “Ahh… Eu tô cheio. Faz tempo que não comia tanto.” Haruki pôs as mãos atrás da cabeça, sentindo-se realizado. 

    “Mas tudo o que você comeu eram lanches. Vai engordar desse jeito.”

    “Você é que tem menos moral pra falar isso, Chika.”

    “Não precisa se preocupar comigo. Eu sou do tipo que não engorda fácil.” Ela bateu no peito com confiança, fazendo Haruki apenas estalar a língua. 

    “Mas, sério, hoje está bem frio. Caramba.” A garota abraçou o próprio corpo. 

    “Verdade… Por falar nisso, será que…” Por um segundo, Haruki pensou que o garoto ao seu lado tivesse finalmente superado o frio, mas, o que poderia ter sido uma grande descoberta, sumiu como poeira num instante, quando ele viu o garoto colocando seu agasalho. 

    “Parece que não…”

    “Hm? O que foi?”

    “Nada…” Seus ombros caíram. 

    “O dia que Mayck estiver sem blusa de frio é porque está realmente quente”, Chika declarou e riu com isso. “A propósito, Haruna-chan, Rika-chan, vocês vão participar do campeonato mês que vem, certo?”

    “Ah, sobre isso, nós iríamos deixar que as senpais participassem, já que será o último campeonato de vocês no fundamental”, Rika respondeu. 

    “Sim. Eu nem estou preparada mentalmente para o campeonato ainda.”

    “Não se preocupem. Vamos garantir que todas vençam. E também é mais divertido com todas juntas.” Ela levantou e fechou o punho ardentemente. “Ah, verdade. O clube de futebol também vai ter um campeonato, não é?” Ela voltou sua atenção para Haruki. 

    “É… vamos sim. Mas, na real, eu não estou muito animado com isso.”

    “Aconteceu alguma coisa?” Foi Mayck quem perguntou. Até porque, sem dúvidas, o time de futebol da escola era bem forte, então ver um dos membros desanimado significava que tinha coisa ali. 

    “Meio que o time está um pouco disperso, então eu não tenho muita confiança de que vamos vencer.”

    “Uhum… entendi. Bom, boa sorte.” Ela abriu um enorme sorriso, pronta para matar o assunto ali. 

    “Se não vai ajudar não toque no assunto!”

    Esses dois interagiam de forma engraçada, e mesmo sem querer, forneciam entretenimento para aqueles ao redor, que não se importavam em se divertir com a situação. Era até possível chamá-los de dupla de comediantes.

    Após uma caminhada de poucos minutos, eles se separaram. Haruki seguiu sozinho, Chika e Rika foram pelo mesmo trajeto e Mayck e Haruna seguiram para casa. 

    Era um tanto quanto estranho eles seguirem para um mesmo lugar. Ambos mal se falavam até uma semana atrás, e, por conta do destino, talvez, eles se tornaram meio irmãos que moravam na mesma casa. 

    Embora isso parecesse um plano para juntá-los, eles ainda não conversavam muito profundamente. Não havia intimidade o suficiente entre dois para uma boa conversa ser mantida. 

    Mas isso não era um problema real para ambos.

    Fazia duas semanas desde que Takafumi se foi, e no dia seguinte eles entrariam no mês de setembro. O inverno ficava mais e mais próximo ao mesmo tempo que o fim do ano e do Natal. 

    Mas, diferente de outras pessoas, Mayck não estava particularmente animado com todos esses eventos. Ele estava mais preocupado com o seu futuro e com o que Yang acabaria fazendo naquele país. Como forma de precaução, ele pediu a Nikkie e Zero para que o treinassem intensamente.

    Não que ele tivesse ficado obcecado pelo poder, mas reconheceu que ainda era fraco comparado a Yang e isso se mostrou um grande obstáculo em seu caminho. 

    Uma coisa que o deixou aliviado, foi perceber que ainda era o mesmo garoto indiferente que não possuía muitas ambições. Continuar assim era sua meta, pelo menos, pelos próximos três anos.

    Haruna entrou primeiro e anunciou sua chegada, deixando a porta semicerrada para o garoto que entrou após ela e fez a mesma coisa. 

    “Bem vindos de volta.” Suzune os recebeu enquanto secava as mãos em um avental. Ela havia acabado de lavar a louça. “Vocês se divertiram?”

    “Sim. Foi um bom passatempo.” Haruna sorriu gentilmente. 

    “Me desculpe por deixar as tarefas de casa pra você, Suzune-san.”

    “Não, não se preocupe. Somos uma família agora, eu também tenho o dever de ajudar em casa.”

    A palavra ‘família’ ainda causava um sentimento estranho no garoto, o qual ele não conseguia explicar, mas certamente lhe causava um grau de vergonha, então ele apenas sorriu e inclinou a cabeça, fechando os olhos brevemente. 

    “Eh… bem, obrigado então…”

    “Eu preparei a banheira. Por que não tomam um banho? Um de cada vez, claro”, ela apontou, mesmo sendo desnecessário. 

    Haruna e Mayck se recusaram a reagir e apenas observaram Suzune voltar para a cozinha como se não tivesse dito nada demais. 

    “As vezes… minha mãe fala umas coisas sem noção. Não se importe, por favor.”

    “Hm. Vou ter isso em mente.” Mayck assentiu com os olhos fixos no lugar onde viu Suzune pela última vez. 

    “Ah, e eu vou tomar banho primeiro.”

    “Claro. Vá em frente.”

    Sem se importar com uma possível competição pelo banheiro, Mayck cedeu a primeira posição para sua nova irmã com um olhar indiferente. Sem mais delongas, ela se dirigiu para o cômodo em questão, após subir em seu novo quarto e pegar uma muda de roupas. 

    Por questão de privacidade, Takashi instalou uma fechadura na porta do banheiro, que só podia ser trancada por dentro. Não que ele desconfiasse que Mayck tentaria espiar Suzune ou Haruna no banheiro, mas a garota poderia se sentir mais segura com isso. 

    Mayck passou na cozinha apenas para pegar um copo d’água e logo subiu para o seu quarto. Não perguntou por seu pai, pois sabia que ele chegaria tarde. A rotina de sempre havia voltado, embora com alguns acréscimos. 

    Será que tem alguma novidade? O garoto pensou e ligou seu computador, indo até o aplicativo de e-mails. Poderia ter usado seu celular? Sim, mas ele preferiu o computador… a verdade era que seu celular estava descarregado. 

    Nada de novo em sua caixa de entrada. Isso o fez torcer seu nariz; estava tudo estranhamente calmo naquela semana. 

    Ele decidiu, então, navegar pela internet, checando fotos, postagens, notícias e outras curiosidades que encontrava pelo feed.

    An…? O garoto parou repentinamente, olhando fixamente para uma determinada publicação de uma conta anônima. 

    “O ataque de 10 de julho não foi apenas um ato terrorista. Foi um ataque de pessoas com poderes sobrenaturais que ficam escondidas das pessoas comuns.”

    Logo abaixo do texto, havia uma imagem marcada como sensível. Mayck clicou no ícone que permitia ver a imagem. Seu coração já estava palpitante de uma ansiedade repentina, mas, ao ver o que era, mesmo esperando algo ruim, ele não conseguia evitar um enorme choque. 

    Eram corpos dilacerados e carbonizados. Todos enfileirados. Isso era o que a polícia fazia quando estava investigando um caso: registros em imagens eram necessários para uma melhor eficiência no trabalho. 

    Não fode… essas imagens foram vazadas da polícia? 

    O garoto clicou com o mouse no perfil anônimo, mas não encontrou nenhuma informação útil. 

    Por que ele postou uma coisa dessas? Um hacker?

    Se esse fosse o caso, com qual finalidade? 

    Para as pessoas comuns, não seria nada além de uma imagem terrível, mas, para os portadores, era óbvio que aqueles ferimentos só poderiam ser causados por habilidades especiais. Não só pela aparência, mas porque havia algo que diferenciava de um ferimento “comum”.

    Um corte de faca, por exemplo, seria apenas um corte. Com uma habilidade, no entanto, ela ficaria mais parecida com o corte de uma lâmina em chamas. Isso porque todas as habilidades ofensivas geravam uma certa quantidade de calor. A mais fraca produziria o suficiente para assar uma carne — com exceção de habilidades com temperaturas extremamente baixas. 

    “Não importa como eu veja isso… é claramente um problema. Quem quer que tenha postado isso sabe sobre a existência dos portadores.”

    Mayck olhou a data de publicação. Era de cinco horas atrás. 

    “Isso já deve ter chegado a muita gente. Droga. Será que eles sabem?”

    Ele achou melhor perguntar pessoalmente. 

    Depois de desligar seu computador, ele pegou seu moletom que deixou em cima da cama ao entrar no quarto e se dirigiu até a porta, pronto para sair. Mas assim que abriu a porta, se deparou com Haruna, que havia terminado seu banho. 

    “Ou, quanta pressa… Eu ia te avisar que o banheiro já está livre.” 

    Ela não parecia tranquila, então o garoto deduziu que sua mãe havia lhe pedido para fazer isso, então ela estava fazendo contra sua vontade. Mas não era algo a ser pensado naquele momento. 

    “Tá bom. Mas eu vou precisar sair agora. Eu tomo banho depois.” Ele passou por ela e desceu rapidamente as escadas, deixando uma Haruna levemente brava por ter feito aquilo por nada. 

    Após avisar Suzune de sua saída, ele correu direto para a base da Black Room. Chegando lá, não perdeu tempo e seguiu até a sala de Zero, já com sua máscara e uniforme de batalha equipados. 

    Mas Zero não estava em sua sala. Um soldado lhe avisou que ele estava na Sala de Controle, então ele não hesitou em ir até lá. 

    Há alguns dias, havia ganhado uma pequena promoção de Zero e isso lhe dava acesso a alguns locais. Ele pôs a mão sobre o leitor de digitais e a porta de correr se abriu. 

    Mayck adentrou a sala rapidamente. 

    “Zero! Nikkie!” Ele parou para recuperar o fôlego. Quando levantou seus olhos, se deparou com dezenas de pessoas olhando fixamente para ele, que entrara tão repentinamente na sala enquanto eles discutiam algo. 

    “Hum? Estão todos aqui?”

    Além de Zero, Nikkie e toda a equipe responsável por aquele local, os times Alfa e Delta também estavam presentes. 

    “Yo, M-san.” Ethan acenou para ele. 

    “Oh, M-kun, chegou na hora certa. Eu estava prestes a te chamar.”

    “Pela sua reação, você já sabe, né?”

    “Sim.”

    “Ótimo. Isso é menos mau.” Ele respirou profundamente, se recompondo totalmente.

    “Foi uma grande surpresa, mas já estamos trabalhando em algo. Vamos apagar a publicação e tentar encontrar quem criou essa conta.”

    “A essa altura, a Strike Down já sabe e deve estar fazendo algo acerca disso também.”

    “Mas o problema é que não temos nem ideia de quem fez isso”, Lily apontou. “Mas, para conseguir uma informação dessa, não deve ser um simples civil.”

    “E se for um civil, ele deve ter pelo menos ligação com a polícia”, Ruby completou. “Mas, ainda assim, a lista de suspeitos não diminui praticamente nada.”

    “Verdade… não tem como encontrar o culpado por meios normais. E duvido que hackear a conta seja útil.” Mayck se dirigiu até onde eles estavam, no centro da sala, e observou o monitor. 

    “Eu entendo o que quer dizer. Para vazar uma informação dessas, o culpado deve ser bem precavido. Ele pode ter usado uma vpn para criar a conta, ou até mesmo criado ela fora do país.” Nikkie tinha seus braços cruzados, enquanto revelava seus pensamentos sem cerimônia. 

    “Caramba, vocês já pensaram nisso tudo? Que medo…” Stella se encolheu. 

    “Mas isso é pensar demais. Nós temos que diminuir o número de suspeitas para podermos encontrar quem fez isso. Não vai ser tão fácil, no entanto.”

    “Senhor, as publicações sumiram de repente, assim como o perfil”, Um funcionário disse a Zero. 

    “É mesmo? Talvez a polícia ou a Strike Down tenha feito isso?” O líder da organização pôs a mão no queixo e sentou-se em sua cadeira especial. “Mas não muda o fato de que temos que encontrar o responsável. Vamos continuar investigando.”

    Aquilo realmente era um problema para eles, então não havia a opção de ignorar. Cedo ou tarde, algo parecido poderia acontecer. Então, para evitar que seja pior, eles precisavam pegar o dono da publicação o quanto antes. 

    “O maior problema é que o assunto já está no outro vídeo das pessoas e vários sites de curiosidades já repercutiram a informação”, Nikkie afirmou. 

    “Bom, se não acontecer mais, vai se tornar só uma lembrança. Pessoal, peço que vocês fiquem atentos a qualquer pessoa que tenha contato com a polícia que vocês conheçam. Se desconfiarem de algo, investiguem, mas sem chamar atenção.”

    “Sim, senhor.” Todos disseram em uníssono, com exceção de Mayck. 

    “Estão dispensados por enquanto. Fiquem atentos às novidades. Vou convocar vocês assim que for necessário.”

    Após essas palavras, os times Alfa e Delta se retiraram da sala e apenas Mayck ficou. Ele estava observando os demais, mas sua cabeça estava trabalhando em outra coisa. 

    “M-kun? O que houve?”

    “Hm? Não, não é nada. Eis o estava pensando em uma coisa…”

    “Você tem alguma suspeita?”

    “Ninguém em particular, mas eu conheço algumas pessoas da polícia…” Ele levantou seus olhos e encontrou Nikkie e Zero olhando fixamente para ele. “Se estiverem desconfiando de mim, saibam que eu não tenho nenhum motivo para fazer isso. Eu nem ao menos tenho acesso às informações da polícia.”

    “Não estamos desconfiando de você. Fique tranquilo.”

    “Isso é bom.” Ele suspirou. 

    “Acreditamos que não tem como você fazer isso. Mesmo que você tenha escondido que fez contato com Yang.”

    “Eu já pedi desculpas por isso…” Ele parou repentinamente. “Será que isso é coisa de Yang?”

    “Yang? Pode ser que sim. Ele pode conseguir informações até de onde não existe. Eu não ficaria surpreso se fosse coisa dele. Vamos manter isso em mente e ficar atentos a qualquer movimento suspeito.”

    “É verdade.” Mayck voltou seu olhar para o grande monitor da sala, que passava várias informações diferentes. 

    Será que aquilo tem alguma coisa a ver?

    <—Da·Si—>

    No dia seguinte, na escola, Mayck não pôde evitar pensar no caso. Havia muitas suspeitas, então chegar a uma determinada conclusão seria praticamente impossível. Então ele percebeu que não tinha como desconfiar de todo mundo. 

    Eu vou reduzir todas as possibilidades para Yang. Tenho quase cem por cento de certeza que ele está por trás disso.

    Não tinha como não estar. Ele mesmo falou que as coisas iriam começar a esquentar a partir dali. 

    Mas ele não faz as coisas diretamente. Ele deve estar usando outra pessoa para isso. Então a questão é: quem?

    “Ei, Mayck, pode me explicar essa questão aqui?”

    De repente Haruki jogou seu caderno na mesa do garoto, perguntando sobre outra questão, que quase fez Mayck dizer que não sabia por impulso. 

    “Hm? Qual?” Ele olhou no caderno. Era uma pergunta de matemática. “Ah, essa. Não é tão difícil. Você tem que fazer assim.”

    Ele pegou sua lapiseira e resolveu o problema passo a passo enquanto explicava para Haruki da melhor forma possível. Entretanto, mesmo depois de resolver um e outro e tentar ensinar seu amigo, ele ainda não entendeu. 

    “Parece que matemática não é pra você.” Mayck desistiu. 

    “Não é mesmo.”

    “Por que não pede para Chika te ensinar? Ela é boa nisso.”

    “Não. Eu não quero ouvir ela me zuando.” Ele bufou. “Eu vou dar um jeito. Que tipo de ser humano eu sou se só essa matéria me derrubar?”

    “Fico feliz que esteja motivado. Boa sorte.”

    “Valeu.” Ele se virou para a frente e Mayck apoiou sua cabeça na mão e olhou para o céu pela janela. 

    Ao fim das aulas, ele seguiu a rotina de sempre, indo direto para sua casa. Não havia nada que ele precisasse fazer o que queria fazer, então não faria outra coisa além de ir para casa e descansar o resto do dia. Provavelmente sairia para resolver seus assuntos de sempre ao cair da noite, mas nada além disso. 

    Na volta, comprou uma latinha de refrigerante, dessa vez de limão, e continuou seu caminho. 

    Jade, Tomoko e Lorena foram embora há uma semana. A parte boa era que elas já estavam melhor comparadas a três dias depois do enterro de Takafumi. A casa teria ficado bem silenciosa se não fosse a presença de Haruna e Suzune, já que a relação entre Mayck e seu pai estavam um tanto quanto complicada. 

    Eles mal falavam um com o outro, apenas interagiam quando era necessário. O garoto sabia os motivos, mas Takashi estava agindo de tal forma inconscientemente, devido ao sumiço das memórias manipuladas por Keiko. 

    Pelo menos estava passando despercebido por Suzune, ou pelo menos ela sabia fingir muito bem. Se ela soubesse a situação em que eles se encontravam, não hesitaria em assumir toda a culpa, mesmo ela não tendo nenhuma. 

    Mayck chegou em casa depois de alguns minutos. Não anunciou sua chegada, pois ele sabia que ninguém estaria esperando por ele. Seu pai estava no trabalho, Suzune também e Haruna na escola. 

    De repente ele se sentiu um inútil. 

    Mas eu faço um trabalho bem perigoso também, consolou a si mesmo. Bom, eu vou tomar um banho e preparar o jantar pelo menos. 

    Era o mínimo que ele deveria fazer. 

    Quando a noite caiu, Suzune e Haruna chegaram quase no mesmo horário, com apenas alguns minutos de diferença. 

    “Eu estou em casa…” Haruna anunciou ao chegar e foi para a cozinha, depois de trocar seus calçados. 

    “Bem vinda de volta. Haruna, por que não se troca em vem comer? A comida que Mayck-kun fez está ótima”, ela disse alegremente já sentada à mesa. 

    “Ah é? Eu acho que vou provar um pouco então.” Ela lançou um olhar desafiador para o garoto. Certamente, ela só queria poder criticar a refeição caso fosse ruim. 

    Mas Mayck aceitou o desafio sem dizer nada. 

    Ela trocou suas roupas, assim como sugerido, e logo voltou para a cozinha e se sentou ao lado de sua mãe. Mayck havia feito questão de colocar a comida dela na mesa. 

    “A aparência está boa”, ela disse ao olhar para os pratos. 

    “Obrigado por isso. Coma antes que esfrie.” Mayck também se sentou, mas apenas para ouvir o que a garota tinha a dizer de sua culinária. 

    “Então… Obrigada pela comida.” Ela agradeceu e levou o primeiro hashi com um pouco de arroz à boca. Um silêncio instaurou-se ali e alguns segundos depois, Haruna fez uma cara decepcionada. 

    “E então…?” Mayck inclinou a cabeça e sorriu. 

    “É… gostoso.” Ela se encolheu, enquanto sua voz parecia derrotada. 

    Com essa vitória do dia, Mayck levantou sorrindo e apenas saiu, deixando Haruna e Suzune, que jogava inúmeros elogios à refeição. 

    Já tarde da noite, depois que Takashi chegou, Mayck saiu de casa sorrateiramente. Ele não podia se dar ao luxo de ser pego saindo; caso contrário, teria problemas. A desculpa de estar indo a uma loja de conveniência não funcionaria. 

    Mas deu certo, como sempre. Em poucos minutos, ele já estava bem longe. Era apenas mais uma de sua rotina de caçar Ninkais e proteger o dia das pessoas comuns. Era o planejado, mas, estranhamente, Mayck encontrou mais portadores do que antes. 

    Normalmente, eles estariam espalhados por todo o país em busca de Ninkais maiores e que rendessem mais dinheiro, então ver tantos juntos era uma bandeira vermelha. 

    Mayck evitou contato com todos, no entanto. Ele não estava ali para socializar. No fim, eram apenas pessoas com poderes sobrenaturais que lutavam com monstros de forma independente. Não era uma aventura nem nada do tipo. Suas vidas estavam em risco o tempo todo. 

    Mas por que será que estão todos reunidos aqui? Está acontecendo algum evento especial?

    Os portadores não estavam tão próximos a ponto de criar uma multidão, mas ele os via com mais frequência. 

    Em um certo momento, um frio percorreu todo o seu corpo, como se ele estivesse sendo observado com olhos que enxergavam a sua alma ao mesmo tempo que um impulso repentino gritava para ele correr. Ele se virou para procurar o que foi que lhe causou tantos arrepios. 

    Mas não havia ninguém à sua volta. Nenhum som podia ser ouvido, além de sua própria respiração. Aquela avenida que costumava ser agitada durante o dia estava desértica e, de certa forma, trazia uma sensação desconfortável.

    Não havia dúvidas de que ele estava sozinho… e estava certo. Na rua, ele estava só, mas sua companhia indesejada estava acima de um edifício de mais de 10 andares. 

    Seu olhar se encontrou com o do observador e, instantaneamente, após um choque passar por todo o seu corpo, ele deu um passo para trás.

    Que porra é essa? É um Ninkai, certo? Mas por que ele tem essa energia tão bizarra?

    Àquela altura, já devia estar acostumado com qualquer monstro que encontrasse, mas não era assim. Não daquela vez. Era como se ele estivesse vendo uma dessas criaturas pela primeira vez, sem ter nenhum conhecimento a respeito. 

    Quando ele percebeu, sua respiração estava profunda e acelerada. Não estava paralisado, mas sentia um pequeno tremor em suas mãos. 

    Era algo de aparência esquisita. Ele tinha um corpo enorme comparado a outros Ninkais, como se outro corpo nascesse a partir do pescoço de outro. Sua boca era como um buraco em seu rosto, cheio de presas afiadas. Havia três pares de braços em seu corpo e suas pernas começavam a partir do cotovelo do último par. 

    Mayck não conseguia desviar de seus olhos escarlates e sua face sem expressão. Ouvindo atentamente, um som como o de um animal distante ressoava pelo ar. 

    Esse deve ser um tipo novo de Ninkai como uma habilidade de intimidação. Eu preciso relaxar. O garoto tentava se consolar de forma desesperada, dando explicações a si mesmo. 

    Mayck controlou sua respiração, o que não foi nada fácil, pois a cada vez que ele se distraía, a criatura se movia um pouco e ficava cada vez mais próxima. 

    Eu tenho que fazer algo, mas não sei o que. Não consigo ver brechas para atacar, e nem sei como ele vai reagir. 

    A criatura rastejou pelas paredes do edifício. Mayck viu isso, mas…, em questão de segundos, o monstro já estava a centímetros dele. 

    An…? Seus olhos se arregalaram e o arrepio que percorria seu corpo ficou mais intenso. Como…? Mesmo percebendo, ele não conseguiu ver a trajetória da criatura. Era como se ele tivesse perdido a consciência e retomado tão rápido que nem percebeu. 

    O problema naquele momento era o monstro que o analisava minuciosamente. Parecia estar esperando algo. Sua respiração estava muito próxima, mas não havia calor nenhum vindo dela, além de uma sensação gélida que fazia o garoto estremecer. 

    Mayck achou melhor ficar quieto e parado, mas, na realidade, ele não conseguia se mover, pois a sombra de uma morte perturbadora jazia sobre ele. 

    E foi assim, em poucos segundos, tão rápido quanto chegou, o monstro sumiu, deixando um rastro de pavor e estranheza no ar. O garoto só percebeu sua ausência depois de alguns minutos, caindo sentado no chão extremamente aliviado, como se tivesse acabado de sobreviver de uma queda livre… não. Algo muito pior havia passado por ali.

    O que foi isso…? Que coisa era aquela? Era mesmo um Ninkai?

    Seu corpo ainda sentia os efeitos de estar perto daquele ser. 

    A pressão que sentira era parecida com a de quando viu aquela serpente gigante em céu brasileiro, porém, ainda mais macabra. De tal forma que, por um segundo, Mayck pensou que a morte seria melhor que passar mais um milésimo próximo a ele. 

    Eu preciso reportar…

    O garoto se levantou cambaleante. Só podia pensar no quão sortudo ele era por estar vivo naquele momento. Mas aquela experiência seria estigmatizada em sua mente pelo resto de sua vida. 

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota