Índice de Capítulo

    1
    — Viajantes, o bom homem da mesa cinco gostaria de trocar uma palavra com vocês.
    Ayasaka se virou para uma voz feminina que soou gentilmente de suas costas, era a garçonete em uma leve reverência, aguardando a resposta ao seu questionamento.

    — Ah, o cara que pagou as coisas? Caramba. — Ayasaka olhou na direção do homem, que conversava de maneira descontraída com as pessoas ao seu redor. — E aí, gente? Vamos falar com ele?

    Sannire observou atentamente o homem antes de suspirar com uma conclusão:

    — Não acho que temos escolha, né? — Sannire deu de ombros.

    Ao se aproximarem do homem, este se levantou com um sorriso expressivo em seu rosto, felicitando a todos.

    — Perdoem-me a ignorância de chamá-los para minha mesa, cavalheiro e damas, mas vocês me chamaram a atenção desde o momento que entraram na taverna.

    O homem observou atentamente a todos, mas especialmente Ayasaka. Seus olhos tinham uma espécie de luz branca cintilante no meio de sua córnea violeta, parecendo uma pequena estrela. Ayasaka nunca havia visto um olho igual àquele. Era semelhante ao dela naquele mundo.

    — Por favor, sentem-se. A mesa está livre para conversarmos, fiz questão disso.

    Ayasaka olhou para Sannire e Tuphi, esperando que se sentassem primeiro para que ela ocupasse o lugar entre eles. Beatrice veio logo em seguida, na ponta.

    — Bom… podemos saber quem é você? É o mínimo que você poderia fazer após nos chamar para sua mesa. — Sannire indagou, encarando o homem sorridente que se sentava com calma de frente para todos.

    — Apresentações, né? Não sei se realmente é algo necessário. Não conseguiria me dar ao luxo de me apresentar de forma ativa para vocês, viajantes, já que sou adepto da Liberdade.

    — Então acho que não temos muito a conversar. — Sannire colocou as mãos sobre a mesa e se levantou.

    — Certeza, jovem Xodik? Eu acho que sei bastante coisas sobre vocês, poxa…

    Sannire encarou o homem por alguns instantes em silêncio.

    — Não acho que puxar as espadas na frente dessas belas damas seja cordial, jovem.

    — Sannire. — Tuphi chamou a atenção com uma voz séria.

    — Obrigado pela compreensão, jovem Lobian.

    Tuphi olhou para o homem, analisando-o com seus olhos heterocromáticos.

    — Não me surpreende nessa altura você saber minha raça mesmo com o capuz. O que me intriga é sua intenção.

    — Vamos direto ao ponto então.

    O homem suspirou, dando de ombros em desistência da falta de cortesia de Tuphi e Sannire.

    — Eu quero a ajuda de vocês.

    — Ajuda? — Ayasaka indagou.

    — Sim, não é sempre que vemos um cavaleiro Xodik, uma Lobian da família real, uma maga e uma Cavaleira de Dragão por aqui.

    Todos ficaram tensos com o comentário do homem de olhos cintilantes.

    Ayasaka notou que Sannire estava prestes a se precipitar e interveio.

    — Eu confio nele.

    — Hã…? — Sannire olhou confuso para Ayasaka, que desviou olhando para o chão.

    — Eu não sei. Eu confio nele. É isso, não consigo explicar.

    Os olhos de Ayasaka enxergavam o homem de maneira diferente, uma maneira que ela não fazia ideia de como explicar, uma maneira que fazia com que ele parecesse inocente, sem nenhum tipo de má intenção em suas atitudes.

    — Aya…? — Tuphi olhou para Ayasaka com olhos expressivos e depois dirigiu o olhar para Sannire e Beatrice, que concordaram positivamente com a cabeça. — Bom, não temos o que fazer então.

    — Ao menos podemos conversar em um local mais adequado? — Beatrice comentou de braços cruzados.

    — Eu acho adequado finalizarmos nossas bebidas antes de tudo, minha cara. — O homem comentou enquanto levantava a bebida para um brinde.

    Por um breve instante, todos hesitaram e deixaram o homem sozinho na comemoração, até que Tuphi tomasse a atitude de retribuir antes de todos, com uma expressão fechada.

    — Um brinde.
    As taças tilintaram em um brinde que ecoou pelo ambiente descontraído da taverna. A atmosfera, antes tensa, parecia relaxar à medida que o grupo se entregava àquele momento de comunhão. O homem de olhos cintilantes demonstrava uma calma imutável, sua expressão carregada de uma sabedoria que transcendia as aparências. Sentados ao redor da mesa, aqueles viajantes improváveis se viam envolvidos em um jogo de expectativas e intrigas.
    — Agradeço pela compreensão e pela disposição de conversarmos. — O homem sorriu de maneira cordial, quebrando o silêncio que se instalara após o brinde. — Eu sou conhecido como Estrela Ametista, e, como mencionei, busco a ajuda de vocês em uma questão de grande importância.
    A expressão de Ayasaka tornou-se mais serena, como se uma confiança intuitiva se fortalecesse em seu interior. Os olhos cintilantes do homem de vulgo intrigante refletiam uma luz agitadora, sugerindo uma conexão além do compreensível.
    — Entendo que possam ter dúvidas e questionamentos. Estou aqui para esclarecer o que puder e, juntos, podemos explorar as possibilidades, já que as linhas do destino se entrelaçam de maneira única nesta jornada.
    A ambientação da taverna, repleta de murmúrios e risos distantes, parecia desaparecer temporariamente, deixando apenas aquele grupo em uma bolha de conversa e mistério. Sentimentos complexos pairavam no ar, enquanto cada viajante tentava discernir a verdade nas palavras do homem misterioso.
    — Fiquem à vontade para questionar, duvidar, ou simplesmente ouvir. Esta noite, nossos destinos se cruzaram por uma razão, e é chegada a hora de desvendar os fios que nos ligam. — Ele ergueu a taça, convidando-os a participar de um diálogo intrigante e descontraído.
    2
    Ayasaka caminhava ao lado de Tuphi, envolta pela atmosfera majestosa do casarão que parecia abraçar os ocupantes com a elegância do passado. O homem guiava as duas garotas por um corredor amplo, cujo tapete ricamente bordado contrastava com a aura misteriosa do local.
    — Por que só a gente? — Tuphi perguntou, sua voz ecoando suavemente pelos corredores imponentes.
    O homem, continuando a andar de costas para as garotas, respondeu com uma leve inclinação de cabeça:
    — Eu acho que é uma missão especial para vocês. Nada de extraordinário, mas percebo que desejam construir um vínculo mais profundo entre si, não é?
    Ao ouvirem isso, Ayasaka e Tuphi trocaram olhares, uma sincronia instantânea que as fez baixar a cabeça simultaneamente.
    — Por que você acha isso? — Ayasaka indagou, intrigada.
    — Não é óbvio? Vocês se gostam. — O homem riu, lançando um olhar cúmplice na direção das duas.
    Chegaram a uma sacada que se abria para um quarto espaçoso, situado no quarto andar do casarão imponente. Beatrice e Sannire aguardavam pacientemente na sala de espera.
    — Essa casa é sua? — Tuphi comentou, admirando a grandiosidade do ambiente.

    — Não, na verdade, não era. Comprei recentemente. — O homem explicou, recostando-se na sacada e contemplando a cidade de Uevyat à distância. As construções desgastadas se destacavam contra os campos azulados além dos limites da cidade. Era uma visão peculiar e até bonita, considerando a altura do casarão, um dos edifícios mais altos da cidade.
    — Comprou? — Tuphi perguntou, curiosa.
    — Sim. Tinha alguns assuntos pendentes nesta cidade, então comprei este prédio para morar enquanto resolvo as coisas. As casas se tornaram baratas por aqui; ninguém deseja mais viver em Uevyat. É uma situação delicada.
    — E o que seria isso que você precisa resolver de tão importante que precisa de nossa ajuda? Na verdade… como você sabe que sou uma Cavaleira de Dragão…?! — Ayasaka indagou com certa confusão em sua voz, o que fez o homem dar risadas singelas.
    — Bom… vejamos… — Em um gesto pensativo, o homem levou a mão ao queixo antes de responder. — Sobre a Lobian e o garoto Xodik foi fácil de chutar, dava para ver a orelha deles por entre o capuz largo.
    Tuphi ficou corada com certa vergonha ao notar que seu disfarce estava realmente tão óbvio.
    — E eu? Como soube?
    — Pelo seu raxy. Quem domina o raxy com plena maestria como eu, consegue sentir o raxy dos outros fluindo no ambiente com certa facilidade. Principalmente de pessoas que não sabem ocultar o raxy como você, Ayasaka.
    — Ocultar o raxy? — Ayasaka olhou na direção de Tuphi, pensativa.
    — É possível sim. Na verdade… São raros os casos que são necessários. Na verdade, é só quando a pessoa naturalmente possui uma quantidade de raxy massiva que seria facilmente detectada… Como não é meu caso e de ninguém da trupe, não precisamos nos preocupar com isso já que é uma técnica que exige muito do usuário.
    Tuphi observou Ayasaka com a mão no queixo.
    — Só que é estranho. Você… tecnicamente, você não emite uma aura excessiva de raxy. Nem eu como uma sacerdotisa da luz consigo sentir sua vibração. Para uma pessoa conseguir notar… teria que ter uma maestria no nível de no mínimo um anjo, ou ser um manipulador assíduo de raxy.
    — Você tem razão. Além disso, há a questão da segurança. Seu raxy denuncia onde você está.
    A curiosidade refletia nos olhos de Ayasaka, enquanto ela processava as informações.
    — E como você sabe de tudo isso? — indagou, buscando entender melhor o intricado mundo do raxy e suas complexidades.
    O homem suspirou brevemente antes de responder:
    — Observem.
    Por breves momentos, uma avalanche de energia envolveu completamente Ayasaka e Tuphi, como se tivessem mergulhado em um oceano de vibrações cósmicas intensas. Um arrepio elétrico percorreu suas espinhas, fazendo com que as garotas arregalassem os olhos e veias saltassem em suas testas diante da súbita sobrecarga sensorial.
    Essa torrente de energia não era apenas uma experiência passageira; era como se tivessem desvelado um manto que ocultava um fluxo constante de raxy. Uma corrente de energia que transcendia o espaço e o tempo, uma sinfonia de frequências que pulsavam em harmonia com a essência do universo.
    Enquanto imersas nesse estado de êxtase, Ayasaka e Tuphi começaram a discernir padrões complexos e nuances na dança caleidoscópica do raxy ao seu redor. Era como se tivessem ganhado a capacidade de compreender uma linguagem divina, onde cada vibração transmitia uma mensagem única sobre a natureza da existência.
    As cores ao redor delas pareciam ganhar vida, saturadas com tons que transcendiam a paleta visível. Os sons, agora mais do que simples ruídos, tornaram-se uma sinfonia de notas cósmicas. Em meio a esse espetáculo sensorial, Ayasaka e Tuphi compartilhavam um olhar de admiração, cientes de que algo excepcional acontecia, algo que ia além dos limites do conhecimento humano convencional. E nesse instante, o homem que havia deixado seu raxy à mostra por alguns instantes revelou-lhes uma visão fugaz do vasto e intricado tecido do universo.
    O homem, com um sorriso singelo adornando seu rosto, contemplava o horizonte, uma expressão que denotava serenidade e desapego de angústias e preocupações.
    Ayasaka e Tuphi, atordoadas com a presença marcante desse enigma que desaparecia à medida que ocultava novamente seu raxy, lutavam para se manter em pé, absorvendo a grandiosidade da experiência que acabavam de testemunhar.
    — Qual é o seu nome? — Ayasaka indagou ofegante.
    — Meu nome é como o daquele que garantia que a luz do manto da igualdade cobrisse a todos sem exceção… mesmo que eu não seja digno disso.
    O homem levou a mão ao peito com um suspiro e concluiu:
    — Meu nome é Agnus.

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