Capítulo 49 — Deusa das ninfas (3)
Aquilino navegou por cerca de vinte minutos até chegar ao verdadeiro reino de Nimbrok, o mundo submerso no pântano. Um reino fora da Yggdrasil, seguindo uma pequena folha da árvore do mundo que ficava abaixo de Alvheim.
Por mais que Theo duvidasse da existência dessa árvore e das ramificações, é inegável que existe.
A Yggdrasil é a árvore do mundo, seu tronco porta três reinos: Asgard, Midgard e Helheim. Existem sete galhos, onde há os outros sete reinos principais. No entanto, assim como em todas as árvores, a Yggdrasil também tem folhas.
Essas folhas são usadas, pelos deuses e alguns seres espirituais, como dimensões ramificadas do espaço. Alguns deuses inferiores criaram os próprios reinos após serem banidos dos reinos humanos. Enquanto isso, alguns espíritos superiores também usaram os ramos para criar seus próprios mundos. Nimbrok é uma dessas ramificações.
Logo na entrada, o clima mudou drasticamente. Antes, a floresta coberta por árvores se tornou um reino resplandecente. O arco de pedras polidas refletiu a luz do sol diretamente nos olhos de Aryna, forçando-a a fechar os olhos por reflexo, evitando uma cegueira momentânea.
As águas escuras do pântano se mesclaram com uma água transparente que percorria toda a cidade. O ar era limpo e úmido, a mana estava presente em todos os cantos, tanto na atmosfera quanto nas personificações: os seres ali presentes, muitos deles semelhantes aos elimirions, criaturas geradas pelo aqualithium, que, para os antigos, assim como a água, é aquilo que traz a vida. Elinomaes estavam por todos os lados, afinal, Nimbrok é a casa das ninfas do pântano.
As ruas da capital eram substituídas por canais hidráulicos, já que a maioria dos habitantes eram seres do mar. Como Aquilino é o único humano que vive em Nimbrok, os canais ajudam na movimentação do barqueiro, sendo uma grande ajuda em sua vida.
Ainda no portão de Nimbrok, uma praça rodeava três cantos, dividindo os canais hidráulicos num círculo maior logo à frente. Na praça maior, em formato de círculo, um grupo de ninfas acenou para o barco. Todas trajadas por vestidos brancos e finos, molhados pelas águas dos canais. Acomodada na traseira do barco, Luanne assentiu de volta para elas.
— Akíe. — Luanne chamou por Aquilino. — Não irei até o castelo real, desta vez. Em vez disso, me leve até o grande lago.
Aquilino arqueou as sobrancelhas, porém, ainda ficou atento em conduzir o barco pelos canais certos.
— Tem certeza, lady? — reforçou o barqueiro.
— Sim.
— Levar uma humana que conheceu este mundo agora para o local sagrado… Não acha que está indo longe demais, milady?
— Tenho a permissão do grande espírito para isso. Não se preocupe, não terá problemas com a rainha.
O barqueiro expirou, mas continuou remando. Enquanto navegavam pelos canais de Nimbrok, o Serafleto tentava acalmar ainda mais Aryna, liberando uma névoa de mana pelo ambiente. Num certo momento, ainda nos canais do reino, Aryna se escorou no ombro de Luanne, sonolenta e sem perceber onde estava deitando. A tenente Darkmoon apenas deu espaço e a segurou com o braço esquerdo.
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Aquilino continuou remando, entretanto, desta vez num imenso mar. Um mar de águas calmas e paradas, sem expressar nenhum movimento. O sol refletia na água, transformando a visão em algo quase divino. O reino e pântano de Nimbrok já foram deixados há quilômetros, sobrando apenas o barco de madeira no meio de um imenso mar azul. Na frente deles, havia apenas uma cordilheira que cercava todo aquele reino espiritual.
— Acorde — ordenou Luanne, cutucando Aryna. — Precisa ter essa visão.
Ainda resistindo aos chamados de Luanne, a garota ergueu bocejando. Olhando para o céu, viu um céu azul e limpo, com poucas nuvens brancas. Esforçando um pouco mais a visão, Aryna enxergou a cordilheira de Atlas logo à frente deles, impedindo que o mar atravessasse a borda do reino.
No centro da cordilheira se origina a fonte da vida. A fonte que gera a água de todo o reino de Nimbrok, a Cascata de Dione. Uma cachoeira que deságua por mais de milhares de metros até tocar no oceano e causar um dos mais lindos espetáculos que Nimbrok pode oferecer.
— Isso… — murmurou Aryna, esfregando um olho e se impressionando com a vista.
— É a criadora da vida — completou Aquilino. — Lá dentro é o destino de vocês. Porém, não tenho permissão de chegar até lá.
O Serafleto voou do colo de Aryna até o ombro de Aquilino, mexendo a cabeça para todos os lados visando proteger o barco das criaturas marinhas.
— Por isso, lady Luanne, é com você. Até mais, jovem dama.
— Até breve, Aquilino — despediu-se Luanne, segurando o ombro de Aryna.
Num piscar de olhos, as duas surgiram embaixo da cachoeira. Luanne estava em pé sob o mar, sem afundar na água ou causar qualquer turbulência. Ao seu lado, Aryna agarrou o braço da tenente fortemente, tentando evitar se afogar. Sorrindo pelo esforço da garota, Luanne começou a caminhar rumo à cachoeira.
A todo instante, Aryna prendia a respiração e fechava os olhos, temendo cair no mar e se afogar. Ainda mais com uma cachoeira violenta caindo na sua frente, ela estava com receio de ser esmagada pela pressão. Porém, se Luanne estava guiando ela por ali, estava tudo bem. A garota tinha isso em mente.
Conforme elas caminhavam rumo à cachoeira, a Cascata de Dione afastava suas águas em um túnel de entrada. Foi uma bela sensação. O som ambiente estava distante, mas, ao mesmo tempo, ao lado delas. As águas da cascata emanavam uma sensação bela e pura, como um abraço forte e aconchegante materno.
O túnel d’água se ligou com uma abertura atrás da cachoeira, onde partículas verdes saíam da água num lago e flutuavam para o topo. Não era uma caverna nas montanhas, mas sim uma enorme cratera em meia-lua, deixando apenas o horizonte livre da cordilheira.
No centro de um enorme lago, estava uma estátua feminina sob uma pedra. Um altar que segurava uma árvore acompanhada por uma mulher de cabelos longos e vestido fino, grudado no corpo e demarcando perfeitamente o corpo da deusa das ninfas, Dione. A mão esquerda, esticada na diagonal para cima, segurava por correntes de cipós, uma esfera ciano. Abaixo dos pés de Dione, duas estátuas menores de ninfas também se apoiavam na árvore.
Esquecendo por um momento o medo de se afogar, Aryna se impressionou com a pureza do lugar. A sensação de que poderia cair no lago foi substituída, como se agora estivesse pisando num chão firme. Por um instante, ela foi interrompida pelas partículas que entraram nas suas narinas e a fez tossir.
— Isso é mana pura — disse Luanne. — Assim como o éter presente no cosmo, lugares com a presença de deuses é onde encontramos a mana no formato mais puro… Sabia que a floresta das ninfas é tão protegida pelos humanos e seres que lá habitam, pois é o único lugar com mana natural?
— Como assim mana natural? Em todo lugar há mana…
— Sim e não. Existe a mana natural e apenas a mana. A mana natural está no ambiente desde sempre, sendo fornecida pelo próprio planeta. Enquanto a mana é deixada pelos resquícios dos desviantes. É como a respiração, onde inspiramos oxigênio e expiramos carbono. Porém, no caso dos desviantes, a mana é expirada quando soltamos feitiços. Algumas partículas da nossa mana são deixadas no ar na metade do caminho.
— Então, na floresta das ninfas é onde não há essas partículas de mana “não naturais”? — perguntou Aryna.
— Exatamente. E este, como você pode ver, é mais um território das ninfas. Não, além disso. Esse é o reino onde a deusa Dione comanda… Parabéns, Aryna. Você foi capaz de se manter de pé no domínio de uma divindade.
— Mas, por quanto tempo? — disse uma voz, sem direção alguma. Ecoando por todo o lago, tão imponente que relaxou todos os músculos de Aryna.
A garota quase foi jogada contra o lago.
Um brilho reluzente azul saiu da esfera que a estátua segurava, iluminando o ambiente como uma pequena estrela. A mana pura que transbordava por todo o lugar foi sugada lentamente até uma pequena singularidade formada na estátua. Até que uma mão saiu de lá, e, posteriormente, um corpo inteiro gradualmente se materializou.
A deusa Dione, a mesma da estátua, se manifestou fisicamente no reino de Nimbrok, tremendo todo aquele mundo e obrigando todos os habitantes — desde ninfas até monstros — a curvarem-se de onde quer que estivessem.
— Venham, as duas — ordenou Dione, sentando-se no altar abaixo da própria estátua.
Num passo ligeiro, Luanne carregou Aryna até os pés de Dione, onde a garota foi forçada a se ajoelhar devido à presença divina. Suando frio, Aryna encostou a testa nas águas no lago. Porém, Luanne se manteve de pé, sem demonstrar nenhuma prepotência frente a deusa, mas também não se curvando.
— Deusa Dione! Quanto prazer finalmente lhe conhecer! — exclamou Luanne, demonstrando uma falsa felicidade.
— Escolhida por Alunne. Não adianta… — interrompeu Dione. — Não há motivos para fingir me adorar.
“Deusa?! Quem é essa mulher?” Aryna, mentalmente, suou frio. Seu corpo queria tremer, porém, Dione sequer permitia isso.
— Uma deusa, ué — respondeu Luanne, lendo a mente de Aryna. — Como já falei, essa é Dione, a deusa das ninfas. Creio que Alunne já tenha dado as informações…
— Sim, ela me contatou. Você tem energia infinita, é isso? — indagou à Aryna.
— É… — suspirou Aryna.
— Certo… Levante-se.
Dione saltou do altar, desfilando até Aryna. Seus pés pareciam sequer tocar no lago, ao mesmo tempo que ela não flutuava. Aryna continuou de joelho, porém com o corpo erguido.
“Energia infinita… Essa garota tem o que somente aquela trindade esnobe possui. Mas… como funciona? Ela pelo menos consegue controlar a quantidade estúpida de energia que há em seu núcleo? Ou se esvai como água?” ponderou Dione.
— O que é a água para você? — questionou a deusa.
Rapidamente Aryna se lembrou da mesma pergunta que Luanne lhe fez outrora. Olhando para Luanne de canto, Aryna viu a sacerdotisa da lua sorrir para ela.
— O início e fim de tudo… A vida — murmurou.
— O quê? — resmungou, tentando obter uma resposta mais clara.
Aryna tremeu antes de achar palavras para explicar.
— A água é o início, trazendo a vida e purificando as impurezas… O sólido é o estado em que nos encontramos. O viver. Um estado de evolução cujo é derretido pelo tempo. E por último, a morte. O gelo derrete e se torna vapor. Mas, por sua vez, chega até as nuvens e vira água novamente. A água é a nossa alma em um eterno ciclo de… Vida e morte. Que droga. Não consigo achar palavras para…
— Tudo bem. Já entendi a base do seu conhecimento. É o suficiente — comentou a deusa dos lagos e das ninfas.
Luanne se espantou.
— Quê? Já? — indagou Luanne. Aryna também esboçou perplexidade.
A tenente tinha demorado meses antes de convencer Alunne.
“Outros deuses têm formas diferentes?”
— Sim. Ela tem algo que eu quero, eu tenho o que ela quer. Até mesmo entre os deuses, uma mão lava a outra. Só tenho que pensar um pouco sobre…
— Do que estão falando? — Aryna estava nervosa.
Dione encarou Luanne por um momento, julgando a sacerdotisa por não explicar para Aryna.
— Acima de tudo, essa mulher é a deusa da água. A única que pode realmente te ajudar a atingir o máximo do seu núcleo. O que fiz foi apenas mexer alguns pauzinhos para vocês duas se encontrarem — explicou Luanne. — Pode ajudá-la em dois meses?
— Dois meses? Se está falando da manipulação, então sim. Em dois meses ela estará manipulando a água do ambiente sem esforços. Agora… para chegar num nível alto? No mínimo nove meses.
— Você é uma deusa e não consegue forçar um potencial num mero humano? — ironizou Luanne.
— O problema não sou eu, mas sim sua aluna. Se você fosse o suficiente, conseguiria ensinar sem ajuda de outras divindades.
As duas mulheres trocaram olhares ferozes e fortes, criando um clima tenso que sufocou Aryna.
— Mas, enfim. Os acordos são os seguintes: durante nove meses, eu te treinarei. Não darei força a ti, muito menos auxiliarei em combate. Apenas te ensinarei a dominar seu elemento. Em troca… Você irá gastar sua energia purificando os lagos de Nimbrok e todas as florestas das ninfas que houver em seu mundo.
Luanne coçou a garganta, forçando uma risada abafada.
— Uma deusa dependendo de uma adolescente para purificar seus domínios… — comentou Luanne, buscando mais um motivo para ironizar Dione.
— Ela tem energia para sustentar o mundo inteiro! Acha que eu vou ser idiota e deixar essa oportunidade escapar? Além disso, somente de um humano conseguir entrar na floresta da ninfa com PERMISSÃO, é um motivo para morrer sorrindo.
— Sim, eu entendo seu ponto. — Luanne concluiu olhando para Aryna. — Está disposta? Não haverá como finalizar após aceitar.
“Ela é uma deusa, né? Então dá para confiar?…” ponderou Aryna.
“Desde que não sejam humanos, dá para confiar. Ainda mais se for um deus? Podem não ser santos, mas também não são demônios… Recorra a eles sempre que estiver no beco sem saída, filha.” A voz da mãe de Aryna tomou sua mente, forçando um raciocínio rápido.
— Eu aceito. Com a condição de que irá realmente cumprir o que prometeu — concordou Aryna, esticando a mão para Dione.
Apertando fortemente a mão de Aryna, Dione deixou uma poção de mana vazar pelo seu braço e entrar na pele da garota. A energia começou, gradualmente, a formar um triângulo invertido no braço direito de Aryna, voltado para o ombro dela. O mesmo símbolo surgiu no braço de Dione, e a deusa fez questão de exibir a runa para concluir o contrato de confiança.
— Ótimo — disse a deusa. — Agora, mãos à obra.
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