Capítulo 61 — Sinergia
— Você… o quê? — murmurou Candice.
Com o choque, toda a expressão feliz de Luanne acabou. Soltando Candice a sacerdotisa continuou pasma, porém, averiguando o quadro de Alexander.
— A criar vida! O sistema complexo que nos permite estar aqui. Claro, não é uma vida programada como os golens. Não é o tipo de vida que criamos por rituais, damos uma ordem e então, obedecem somente aquilo. Estou falando de vida igual à nossa. Uma vida que pensa, raciocina e evolui. Uma vida que pode nos fornecer conhecimento infinito…
— É impossível — interrompeu Luanne. — Você quer uma vida que lhe conceda conhecimento? O rei Paimon pode ser invocado, bastam apenas algumas gramas de ouro. Mas, criar uma vida, assim como Deus criou?
— Por que está alterada, sacerdotisa? — indagou Nikolai. — Se é impossível criar vida assim como Deus criou, qual o motivo do seu medo?
— Pensar, raciocinar, conhecer, criar, destruir e evoluir. Essas são as perfeições da… imperfeição humana — disse William. — Está dizendo que consegue replicar isso com perfeição?
— Sim… — respondeu Alexander, mas logo foi interrompido por William.
— Essa foi a resposta que Levisk deu antes de criar os golens de diamantes e causar o dia oito do nove. Replicar a vida não se baseia no conhecimento que ela terá, mas sim no que ela fará com isso.
— Você perderá o controle de suas criações — disse Luanne. — Assim como Deus, que criou a todos, mas nem todos o amam. Você irá criar outro incidente, assim como Levisk, e destruirá outra ilha… não. Talvez um país inteiro apenas pela sua ganância de conhecimento.
— Os cálculos são perfeitos, Lady. Eu tenho o controle deles — argumentou Alexander.
— Cálculos trabalham com probabilidades. Probabilidades com possíveis resultados… Nem o mais perfeito dos cálculos está livre de uma falha.
— Ambos estão corretos — interrompeu Christopher, de braços cruzados e olhando para o quadro. — Tanto Lady Luanne quanto o Sir William por reprovarem. Afinal, já vimos do que são capazes. Mas realmente. Alexander descobriu a fórmula da vida.
O cientista adolescente deu um passo à frente, olhando melhor o quadro.
— Aqualithium para trazer água, que para nós, é a vida. Metritium para simular um corpo humano, usando da própria mãe natureza para criar os músculos, fibras, ossos… Um núcleo artificial de mana no crânio, para trazer oxigênio e energia para o ser… Por último…
— Reprovo de todas as maneiras… — disse Luanne.
Por serem os únicos que entendem minimamente o que estão fazendo, Luanne, Christopher e Alexander soaram frio.
— Isso é brincar com a vida que Deus criou! Estamos saindo do território mortal para… — Luanne pausou, apenas para engolir em seco e suspirar.
— Para onde? — indagou Enrico.
— O reino imortal — disse Christopher. — A nossa ciência engloba além do nosso universo. A ciência de entender os espíritos. Compreender a ligação entre a alma e o corpo… O que Alex conseguiu concluir é algo que Nalleth Zala teorizou há mais de mil anos. Contudo, Alex conseguiu uma teoria mais sólida e plausível.
Nikolai recuou novamente um passo para trás ao ouvir o nome de Nalleth, devido ao histórico de sua família com o império do Caos.
— Adentrar o mundo espiritual e puxar um espírito consciente… O metritium daria o corpo perfeito para portar esse indivíduo. O aqualithium traria a vida no mundo físico enquanto a energia lhe daria a capacidade de conhecimento que tanto almejamos…
— E onde está a dificuldade? — perguntou Enrico. — Até agora, parece apenas uma lista de construção.
— O que pensa da vida? — retrucou Alexander. — A vida é uma construção, porém, das complexas. Um corpo ideal para uma alma ideal. Moldar isso tudo é a parte complexa. Além de que, a fonte de energia que estamos falando é enorme.
— Enorme quanto?
Os dois cientistas ficaram em silêncio enquanto desviavam os olhares.
— Jovem mestre — chamou Alexander, olhando para William. — Quanta energia o senhor necessita para criar seus tupas?
— Talvez a energia de uma cidade grande… no caso dos mais fortes, equivalente a Gran-Empire — respondeu William.
— Parece um absurdo? — iniciou Luanne. — Mas isso é exatamente a energia que um desviante com núcleo vermelho possui. Em outras palavras, lorde Pasqcuar, o Dr. Alexander quer usar um humano vivo para criar uma inteligência artificial. Não só um, caso não seja encontrado alguém com essa energia, mas centenas de desviantes vivos.
— Onde está o erro? — perguntou Enrico.
— É antiético! — exclamou Nikolai.
— Antiético? Chegaram a prezar por isso quando o reino sul foi abandonado pelos reis e imperadores, deixando apenas os bandidos tomarem conta das famílias de trabalhadores? Ou quando Levisk criou os primeiros golens através de cadáveres, utilizando de magia negra, e destruiu um principado com pessoas inocentes? Além disso, vocês usam esses golens até hoje — retrucou Enrico. — Não me venha com senso ético e moral quando vocês reprimem a evolução humana através da ciência.
O Grande-Mestre de Fulmenbour se virou para a porta.
— Lady Luanne, você e seus crentes sempre insultaram a ciência colocando uma fronteira entre a magia e a física. Criar espíritos como o Sir William faz, parece física para você? Você apenas tem medo que a humanidade chegue ao mito de Atlantis, uma raça tão evoluída que oprime os deuses. Mas não exitaremos.
Enrico caminhou em direção à porta e trocou um choque de ombros com Luanne na saída, insultando a sacerdotisa apenas com o contato físico.
— Continuem com as pesquisas, Alex e Chris. Irei puxar um abaixo assinado com toda a nobreza do nosso continente para ser executada suas teorias. Não deixem líderes religiosos ditarem o futuro da ciência que tanto se dedicam. Estarei disposto a apostar tudo em vocês.
O grande-mestre de Fulmenbour se retirou do local, deixando Luanne revoltada e os outros membros em silêncio.
A jovem dama do castelo de Windsor, Candice, se sentou numa cadeira de escritório. Ela deu dois giros no sentido anti-horário e parou olhando para Alexander, se apoiando no encosto da cadeira.
— Então, doutor. Me explique em termos técnicos e aprofundados como isso funciona corretamente — pediu com gentileza, junto de um sorriso em seu rosto.
Nikolai se dispôs a ouvir, também interessado na proposta. William, por sua vez, caminhou até o lado da porta e se escorou com os braços cruzados, distante de todos.
Enquanto Luanne apenas deixou o lugar em silêncio e seguiu o mesmo caminho que Enrico Pasqcuar. Até finalmente se encontrar com o grande-mestre na saída do prédio.
— Tem noção do passo que está prestes a tomar? É algo maior que a própria perna — disse Luanne.
— Está com medo de quem, Lady Luanne? — questionou Enrico.
— De absolutamente nada além da idiotice de vocês.
— Não é o que parece. — Enrico se virou para Luanne, encarando-a olho a olho. — Você tem medo dos deuses, sendo que deveria adorá-los. Ou do que eles irão achar dos humanos copiando o dom do universo. Você está seguindo alguém que reprime a evolução humana. Alguém que oprime a quem você é.
— Não. Apenas entenda, Sir Enrico. Tenho quase trezentos anos de experiência nesse mundo. Vivenciei o que são capazes ou não, das burrices que conseguem cometer. Levisk foi apenas o primeiro, mas estão tentando novamente forçar esse avanço. Já vivenciei civilizações superiores dizimar civilizações inferiores apenas com esses testes que alegam ser o “futuro da ciência”.
— Exatamente. Eles trabalhavam com opressão. É exatamente isso que você está cometendo agora, Luanne. Oprimindo o avanço.
— Não confunda as coisas — disse Luanne, num tom mais relaxado. — Não estou oprimindo. Opressão é uma forma de ataque contra aqueles que não tem defesa. Eu estou defendendo aquilo que vocês condenam com o argumento de evolução! O senhor não entende a gravidade da situação…
— Então qual é? Qual a gravidade da situação? Tal que te deixa tão desconfortável?
Luanne ficou em silêncio.
— Como eu falei. A senhorita está com medo dos deuses que tanto adora. Está com medo deles nos condenarem novamente? Que condenem! Não somos mais parte da criação deles.
— Será exatamente assim que a criação de vocês irá pensar. O escudo já está na batalha — comentou Luanne, encarando a lua. — Ataque-o se desejar, mas continuarei avançando contra.
Assim como uma névoa numa floresta em sua noite mais sombria, Luanne desapareceu em direção à lua. Posteriormente, Enrico apenas revirou as costas e deu de ombros, entrando em sua carruagem e saindo em direção ao castelo.
☽✪☾
Bairro nobre, Fulmenbour, casa dos Lawrence
No bairro nobre de Fulmenbour, os nobres geralmente decidem construir casas para seus descendentes. Isso pois, além de Fulmenbour ser a segunda melhor região de comércio do mundo, também é o ponto central de todas as ordens principais. Em algum momento, agentes de Myrddin, Solomon e até Vagus vão à Fulmenbour para estudar, resultando numa estadia prolongada. Com isso, os nobres constroem casas com seus nomes para que seus filhos possam morar, evitando misturar a nobreza com a sociedade abaixo deles nos dormitórios da academia.
Mesmo que Ethan De Lawrence não se importe em deixar seus filhos se misturarem com a baixa sociedade, ele foi pressionado pela família imperial de Romerian para deixar uma casa dos Lawrence em Fulmenbour. Alegando que uma família como os Lawrence deveriam demonstrar sua alta posição social, mesmo em pequenas ações como essa. Por este motivo, Ethan foi convencido a deixar uma residência em Fulmenbour, o que também aumentou a reputação da ordem.
Um casarão, na verdade, com uma arquitetura estilo mediterrânea, referente ao estilo de casas do estado de Nethuns, em Romerian. As paredes eram brancas, quase bege, com janelas arqueadas de madeira polida e em um tom claro. Dois pilares sustentavam a entrada principal, antecipada por uma pequena escadaria.
Um jardim exuberante rondava todo o pátio principal, feito de tijolos marrons intercalados entre claro e escuro.
A carruagem de Theo partiu da entrada, deixando o rapaz sozinho no pátio principal. Ele observou o ambiente, cada planta e flores no jardim. Todas lembravam o gosto de Camille, a mãe de Theo, referente à plantas. Parecia que ela tinha ido ao local pessoalmente e cuidado do jardim.
— Hey, não vai entrar? O temporal indica que haverá uma tempestade! — exclamou Thays, esperando seu irmão entrar em casa.
— Claro, claro — respondeu, olhando uma última vez o jardim.
Ao subir a pequena escadaria Theo foi agarrado por sua irmã, que o puxou para perto e prendeu com força. Theo tentou escapar por um momento mas sua irmã impediu, prolongando o abraço.
— Thays… — murmurou.
Ela se afastou um pouco, com seu simbólico sorriso de orelha a orelha e expressão serena, disse alegremente:
— Bem-vindo, meu querido irmão.
— Thays? O que… — Agnes procurou por dentro de casa sem os óculos, o que acabou nela esbarrando numa mesa de madeira.
— O Theo chegou. Vamos, entre.
Caminhando pela sala, ele concluiu algo que pensou lá fora. Camille com certeza decorou aquela casa, já que não só o jardim estava de seu agrado, mas os quadros da casa também. Todas aquelas obras de arte foram feitas pela própria Camille.
Para a surpresa de Theo, seu quadro preferido estava no lugar: angelo caído del sangue.
Uma figura desbotada, de um homem chorando lágrimas de sangue. Seus olhos fechados distorciam brevemente o espaço em que estava, causando uma impressão de que o sangue flutuava. Em seu peito estava uma lança, enfiada no seu coração, onde o sangue também era levado para o céu.
As penas de suas asas negras se tornam brancas devido a um degradê. Algumas penas pairam pela pintura, como se o anjo perdesse suas asas aos poucos. Sua pele, extremamente clara, era tomada pela tonalidade do próprio sangue, que atravessava sua camada de proteção.
Um par de mãos, não do anjo, já que a tonalidade de pele era diferente, cobriam a boca e metade do queixo. Por fim, uma luz intensa vinda do céu iluminava toda aquela cena.
— Mamãe disse que era a sua preferida — comentou Thays, vendo seu irmão admirar a pintura por tanto tempo.
— Sim — respondeu. — Eu ajudei a criar sua história…
— E qual é? Até hoje, para mim, é apenas um anjo caído sendo morto — falou Agnes, recuperando seu óculos em uma cômoda.
— Um anjo caído, que antes era puro. Foi calado durante a vida, injustiçado pelo mundo e tratado como um demônio. Mas, que durante a morte, teve o livramento dos pecados que não cometeu e pode novamente ir ao céu…
Em certa parte, descreveu a própria história. Uma criança inocente, condenada pelo sangue que carregava, os pecados que não cometeu, este era Liam Mason. Porém, após ser apunhalado no coração, vislumbrando uma lua banhada por sangue, pode retornar a vida e se livrar de tudo isso. Tornando-se agora, Theo.
— Bem filosófico para uma criança pensar — disse Agnes. — Então, Theo. Conseguiu se comunicar com a sua amiga? — indagou, com um brilho em seus olhos.
Theo assentiu que sim.
— Amanhã às seis da manhã. O local de reunião é no gume do monte Haemon.
— Certo.
— Theo, está com fome? — perguntou Thays.
Assentiu negativamente.
— Irei descansar um pouco. Agnes, durma. Por favor — pediu Theo, deixando suas malas na sala e indo para um pequeno corredor.
Um corredor unilateral, onde de um lado estavam os quartos e do outro o jardim maior do casarão. Um gramado mediano, rodeado pelo casarão numa parte, e ligado ao bosque nobre no outro.
Apenas os dez primeiros metros eram de chão construídos por tijolos. Onde formavam um caminho de quase cinquenta metros até uma praça, feita à beira de um lago. Os grilos cantavam, sendo a única fonte de som ao lado do lago movimentado.
“O quintal é compartilhado… Consigo ver todas as casas da nobreza, além de estar apenas dez passos do bosque real.” pensou Theo, analisando o ambiente. “O vento está frio. Este é o lugar perfeito para refinar a minha energia.”
Theo se sentou na calçada que ficava na beira do lago. Mantendo a coluna e cabeça ereta, buscou ficar o mais confortável possível. Fechou os olhos lentamente, e mesmo após isso, continuou enxergando o espaço na sua frente. Respirando profunda e lentamente, ele descansou os braços sob os joelhos e, posteriormente, conectou a ponta dos dedos de cada mão.
Ele testemunhou a própria força. O poder que a somente ele pertencia.
O antes mundo infinito tomado por uma tempestade interminável, esse era o plano espiritual de Theo há somente um dia. Contudo, após entender seu lugar, graças a Luka, graças a entender a própria aura, o que estava adormecido acordou.
A tempestade se esvaiu; os tsunamis foram substituídos, as nuvens carregadas sumiram. Somente um mar que antes não passava da canela surgiu, junto de um céu limpo pintado pelos raios de luz de um sol acordado.
— A minha purificação… — murmurou Theo, de braços abertos: absorvendo toda luz e energia que o sol poderia lhe proporcionar. — Torne-me invencível, abaixo de ti — suplicou aos céus.
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