Índice de Capítulo

    — Ah, seu maldito! Desgraçado! Vai pagar por isso! — gritou Tâmara, tomada pela raiva, e disparou sua arma.

    A cada dois tiros, ela precisava pôr mais duas balas no fuzil gigante e engatilhar. As balas eram do tamanho de latas de refrigerante e Uriel sabia que precisava tomar cuidado com elas, pois machucavam até mesmo ele.

    Porém, com seus reflexos incríveis e agilidade sobre humana, ele não viu dificuldades em se esquivar.

    O anjo alcançou Tâmara. Foi rápido como um piscar de olhos, e quando a garota viu, os punhos incandescentes dele já estavam atingindo-na. A garota grunhiu e cuspiu sangue. Uriel girou no ar e atingiu um chute nela, de cima para baixo.

    Tâmara foi jogada em direção ao chão com a força do golpe.

    Quando caiu, o impacto quase a desmaiou e uma pequena cratera se formou, afastando algumas pedras e um pouco de terra.

    A garota se levantou e limpou o sangue no canto da boca, e olhou para o alto, direcionando seu olhar de predador para o anjo. A arma gigantesca ainda estava presa ao seu corpo.

    Foi quando Jéssica se levantou, ainda meio confusa devido à queda, e viu Tâmara. E vê-la reviveu as memórias dela fazendo Mical de refém.

    — Você! — Jéssica se jogou sobre um cadáver de soldado e pegou o fuzil que ainda estava em suas mãos, e o mirou em direção à garota dos olhos âmbares. — Você vai morrer pelo que fez a Mical!

    Porém Tâmara, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, sentiu uma forte dor no peito e um incômodo terrível. Um peso de toneladas se abateu sobre seus ombros e sangue saiu de seu nariz, ouvidos e boca. Ela ouviu um som muito agudo, tinindo, e a cabeça latejou como se estivesse sofrendo muitas pancadas consecutivas direto na parte interior do crânio.

    Quando Jéssica atirou, as balas atingiram apenas o vazio, porque Tâmara tinha sido arremessada feroz e rapidamente para longe.

    Foi arrastada por uma força invisível para fora do Priorado, atravessou a porta de madeira em pedaços e só parou quando colidiu com uma árvore robusta.

    Sua visão ainda estava embaçada e todo o corpo doía. Ela se levantou com dificuldade. Foi quando viu Clara Lilithu parada ao lado dela.

    — Isso deve ter doído — disse a súcubo. — Qual a sensação?

    — Parece que eu fui atropelada por um caminhão — disse Tâmara, batendo na roupa para tirar a poeira. — E depois mastigada por um tigre-dentes-de-sabre. E depois pisada por um Tiranossauro.

    — Foi a barreira da Pedra Fundacional. Então seus poderes são mesmo de origem demoníaca.

    — Uh?

    — Me diz quem foi. Satanakia? Abigor? Talvez outro… Bael Zebub? Ah, aposto que foi Abigor! É bem a cara dele.

    — Como a gente entra lá?

    — Nisso, estamos na dependência daquelas duas garotas humanas. Irônico, não acha? — respondeu Clara, tocando sua mão no ar e sentindo aquela pressão que a repelia.

    Uriel inclinou seus ouvidos em direção ao templo e ouviu a oração que aquelas pessoas pobres e amedrontadas faziam. Clamavam por misericórdia. Fediam. Tinham medo da morte. O anjo sentiu asco. Olhou no fundo de seus corações humanos e a náusea quase o fez vomitar.

    Ele desceu, ficando a menos de dois metros do chão, e olhou para dentro do templo. Suas mãos se acenderam como tochas.

    — Vossos pecados fedem tanto que me dão nojo! Vós, que devias ser o sal da terra, tornaram-se tão repugnantes quanto a carcaça podre.

    — Mas, senhor! — gritou um dos acólitos, lá de dentro — Tudo fizemos em nome de Deus!

    As crianças, amedrontadas, se escondiam debaixo dos bancos de madeira; enquanto seus pais tinham olhares maravilhados perante a presença luminosa do anjo.

    — Vós fizestes tudo em nome de vós mesmos! Vossos líderes são mentirosos e vós sabeis! Vós sois apenas medo e aceitação. Fostes vomitados da boca do Senhor! Eu, Uriel, trago sobre vós a punição! O Fogo de Deus que queima todo o mal!

    O anjo preparou uma bola de fogo para lançar contra aquelas pessoas.

    — Senhor! Não façais isto! Por favor! Não faça! — gritou o acólito.

     Mas algo chamou a atenção do anjo e ele cessou o movimento.

    Uma risada alta, uma gargalhada que vinha daquela fogueira imensa onde Renato queimava até ossos. Ou deveria queimar.

    — Chama isso de Fogo de Deus? — riu Renato quando saiu andando para fora daquela imensa labareda.

    O anjo ficou paralisado de tão perplexo e apenas encarou Renato sem acreditar nos próprios olhos.

    — Devias estar morto!

    — Eu queimei por milênios no Fogo Eterno do Gehenna. Meus ossos e carne torraram inúmeras vezes até se desintegrarem, e depois eram refeitos só para queimarem novamente. Eu ainda me lembro do cheiro de enxofre e de sangue. Me lembro dos vermes. Eu mergulhei e nadei naquele magma infernal. Perto daquilo, seu fogo é frio demais, anjo. Fogo de Deus? Isso é apenas fogo normal. Não chegou nem a esquentar minha pele.

    — O… o que?!

    — Seus golpes me machucaram, é verdade. E quando eu caí, fiquei um tempo inconsciente até me recuperar. Mas o fogo? — Renato sorriu. — Esse não me fez nada. Talvez você devesse largar seu emprego como anjo e arrumar uns bicos de… sei lá… aquecedor. Vai ter bastante trampo durante o inverno, sabia? Ou podia acender umas fogueiras de São João. Ia arrebentar nas festas juninas!

    — Maldito!

    Uriel disparou uma rajada de fogo contra Renato, mas o garoto a rebateu com as próprias mãos.

    — Pro seu azar, anjo, o fogo também é meu elemento principal.

    Renato correu em direção a Uriel e pulou sobre ele.

    Mical, que estava no chão, se virou e olhou para o céu. Ela tossiu. A garganta ardia; e tinha um gosto de cinzas e sangue na língua. Os olhos ainda estavam embaçados e doíam devido à fumaça e poeira. Um zumbido retumbava em seus ouvidos, num som agudo e irritante.

    A garota levou a mão ao cabo da adaga em seu braço e, com um grunhido de dor, a puxou. A lâmina, ao sair, arranhou em sua carne e causou uma dor aguda, mas Mical não parou. Segurou a adaga numa tentativa de se defender.

    Estava quase sem forças, respirando pesadamente e com dificuldades. O nariz parecia obstruído. O cheiro era de queimado.

    — Jés… — falou, com a voz fraca. — Jés… cadê… cadê você?

    — Sua irmã está morta, garotinha. Ela caiu lá embaixo — disse um dos soldados, se aproximando.

    — Ei, tomem cuidado, rapazes! Ela tem uma faca! — ironizou outro, gargalhando.

    — Essa já está quase morta também.

    — Precisamos garantir que ela fique grávida antes de morrer — disse outro.

    — Não… é mentira! — respondeu Mical, com verdadeiro ódio. — Cale a boca! Cale a boca, mentiroso! Todos vocês mentem!

    Os soldados a cercaram. Eles riam e olhavam para ela como um rei olharia para um mendigo.

    — Não é mentira, garotinha. Sua preciosa irmã se espatifou nas pedras lá embaixo. 

    — O Diabo destruiu nosso Priorado, mas nós o reconstruiremos! O anjo veio nos ajudar. E você tem uma missão, filha de Quemuel.

    — Vamos… se entregue, menina. Você está sangrando.

    — Me entregar? — Ela apertou o cabo da adaga e um sorriso amargo apareceu em seu rosto. O sangue vertia através do ferimento em seu braço como um rio de ferrugem vermelha.

    Mical olhou em volta e viu a Pedra Fundacional  no chão, próxima a ela. E, logo ao lado, o pequeno baú de chumbo.

    A garota, num movimento repentino, jogou a adaga em direção ao rosto do soldado. E, logo em seguida, ela saltou sobre a pedra, abriu o baú e jogou a pedra dentro. E fechou a tampa.

    O soldado gritou segurando sua orelha numa das mãos. 

    A adaga tinha raspado em sua orelha e a arrancado.

    Nessa hora, a temperatura caiu e um tipo de névoa preta-avermelhada surgiu no local onde estavam.

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