Índice de Capítulo

    Um som seco ressoou pelo ar. Jonas estava de frente para a janela quebrada, pelo qual o monstro havia arrastado Orland, e voado noite afora. As chamas consumiam parte do quarto, se alastrando entre os móveis, produzindo uma fumaça que labutava contra o frio da noite que invadia o cômodo.

    Os trovões ecoavam nos ouvidos de Jonas como rugidos monstruosos, e os relâmpagos eram como rastros de luz riscando de roxo o céu noturno. Abaixo, Jonas viu o lugar onde o cavaleiro caíra junto ao monstro. Nenhum dos dois se movia. Ele teria se preocupado com isso, se próximo a eles não houvesse outra cena alarmante.

    Silhuetas animalescas atacando figuras humanas em meio as sombras causadas pelo reluzir da tempestade.

    Ainda que não conseguisse ouvi-los, agora podia vê-los. “Lobos Hatti”, percebeu, com horror.

    Jonas percebeu que a janela era grande, e o monstro parecia tê-la alargado ao passar.

    Uma ideia passou por sua cabeça e ele correu até o outro cômodo, pegou uma espada ainda na bainha. De alguma forma  conseguiu prendê-la na cintura, com mãos que pareciam acostumadas ao ato, pegou a maior lança que conseguira encontrar, retornou ao corredor, ficando de frente para o cômodo em chamas, a alguns metros da janela quebrada.

    Jonas então respirou fundo, pensando no quão ruim era aquela ideia, e correu.

    Saltando da janela com a lança nas mãos. Seu corpo foi lavado pela forte chuva, e o vento a açoitava seu rosto, enquanto ele caía. Abaixou a lança, segurando firme no cabo, torcendo para que ele não quebrasse. Sentiu a ponta tocar o chão, e agarrou a lança com mais força, sentindo-a entortar e seu corpo ser alçado. Primeiro para baixo e então para cima novamente. Jonas se esforçou para manter o equilíbrio enquanto se movia pelo ar como um atleta olímpico.

    Jonas desceu, atingindo o chão lamacento. Sentiu uma dor na sua perna, que rezou para que não lhe causasse problemas ao levantar. Coisa que ele fez rapidamente.

    O mundo a sua volta era uma confusão gritante, com as risadas dos lobos sendo intercaladas com os gritos de seus amigos, e abafadas pelos trovões.

    Imediatamente Jonas olhou ao seu redor, vendo uma uma grande figura canina sacudir alguém, levantando o corpo para todos os lados, e disparou naquela direção, se movendo com dificuldade sobre a lama.

    Ele se aproximou, desembainhou a espada e moveu seu corpo para uma posição em que pudesse desferir o golpe. O lobo o percebeu e ergueu a cabeça, mostrando-lhe os dentes.. A boca se abriu, avançando na direção de Jonas, que, por reflexo, contorceu o seu corpo, esquivando-se para o lado.

    Como se seu corpo se movesse sozinho, ele girou a espada, desferindo um corte, antes de se afastar, deixando o lobo passar por ele. Estranhamente, a espada não se movia como ele queria. Parecia ter algo errado, como se seu formato não estivesse certo para o movimento que ele queria executar.

    A criatura afastou-se alguns metros e começou a andar, descrevendo um círculo à sua volta, era iluminada pelos relâmpagos que atravessavam os céus. Jonas olhou para o corpo no chão, reconhecendo Túlio, ou o que sobrara dele. Engoliu em seco, e apertou os dentes, antes de olhar novamente para o lobo, que avançou.

    O lobo saltou em direção a Jonas, que olhou para baixo de relance, sua mente concebeu uma ideia. Ele pulou para o lado, a tempo de se esquivar do ataque, e deixar a criatura passar por ele mais uma vez, deslizando pelo chão enlameado. Jonas avançou atrás dele, erguendo a espada, e desferindo um corte descendente, da esquerda para a direita, desejando que a lâmina fosse curvada para que o corte fosse mais efeitivo.

    O golpe acertou a criatura desequilibrada, que grunhiu, virando-se na direção de Jonas. Ela virou, contorcendo seu corpo e levantando uma pata, e as garras alcançaram Jonas, que ergueu seu braço para se defender, sentindo uma dor agonizante enquanto a carne era rasgada. O peso do golpe do monstro o empurrou para o lado e a criatura avançou com em outra tentativa para abocanha-lo. Porém Jonas usou essa força, em um lapso momentâneo de pensamento e girou rapidamente sobre o pé de apoio, equilibrando-se de forma surpreendente. Sua espada acompanhando o movimento do corpo. Ele desferiu outro corte, dessa vez no pescoço da criatura, sentindo a lâmina adentrar profundamente na carne. O lobo se contorceu, ganiu e caiu.

    Jonas fincou a espada em sua cabeça, certificando-se que estivesse morto.

    Ele respirou por alguns segundos, pondo em ordem seus sentimentos: “como fiz isso”, “o que aconteceu”, “Túlio”.

    Jonas se moveu pela lama até Túlio, que permanecia deitado no chão. Não conseguia vê-lo devido ao escuro. Sua pele estava fria, seu corpo mole e aberto na região da barriga.

    Um calor escorreu pelo rosto de Jonas, que fechou os olhos, sentindo a chuva fria cair sobre e lavar a tristeza em seu rosto.

    Um grito rouco chamou a sua atenção. Era Graça pedindo socorro. Jonas correu, levantando os pés sobre a lama em grandes saltos. Encontrou-a deitada no chão, com uma mão sobre onde deveria estar o braço direito. Ao seu lado jazia o cavaleiro, que parecia desacordado, estava o corpo do monstro que os atacara antes na torre, estava sem a cabeça.

    Jonas tomou graça em seus braços, sem ter ideia do que fazer. Ele viu a bolsa do cavaleiro e a abriu lembrando-se de algo que havia dentro dela, ou ao menos esperava que ainda tivesse. Procurou até sentir um frasco do tamanho de um pequeno vidro de perfume, e assim como vira o cavaleiro fazer antes, o despejou sobre o ferimento de Graça, que soltou um som agonizante enquanto o conteúdo parecia fazer efeito.

    —  O que é isso —  ela disse com uma voz carregada de temor.

    — Calma, a senhora vai ficar bem.

    Jonas pôs a mão sobre o ferimento, que agora parecia coberto por uma fina membrana de pele. Ele olhou para o cavaleiro, que dava sinais de movimento, se erguendo do chão, e então para a agitação não muito longe deles, a tempo de ver Erick, que estava ajoelhado, estender uma das mãos, e algo, que parecia cortar o ar, partir dele em direção ao lobo que atacava Leandro. Líquido escuro espirrou da criatura, que caiu e se debateu, soltando a perna de Leandro. Um momento depois Erick caiu no chão. Leandro mancou, dando saltos até Erick, pegou a tocha que o garoto ainda carregava e depois voltou até o lobo, esfregando-a na cabeça da criatura.

    Jonas passou algum tempo tentando entender o que seus olhos haviam visto.

    — Então, entre vós há mesmo um desses malditos arcanos — Jonas ouviu o cavaleiro dizer ao seu lado.

    .— Como assim “arcano”?

    O cavaleiro fez como se não tivesse escutado a pergunta de Jonas, se erguendo.

    — Não relaxe, ainda não estamos seguros —  alertou, se pondo em posição de guarda.

    Jonas olhou para a escuridão, vendo o vulto negro de um dos lobos parado como uma estátua em meio a chuva. Jonas se levantou de sobressalto, sentindo seus músculos enrijecerem. Não sentia seu braço esquerdo, devido às marcas deixadas pelas garras do lobo que matara. Suas pernas gemiam devido ao impacto da queda, e seu corpo estava fatigado por conta da grossa chuva que insistia em cair.

    — Dê-me essa espada — ordenou o cavaleiro.

    Jonas estava prestes a obedecer, quando escutou outra coisa se mover ao lado deles, um momento antes de uma sombra se erguer agarrar Orland com suas patas de inseto, e fincar suas afiadas presas por detrás da cabeça do homem, soltando-o logo depois. O corpo do cavaleiro tremeu por meio segundo – seus braços se debatendo – e então caiu, como um boneco solto por uma criança após a brincadeira.

    O monstro soltou seu som agudo, parecido com um chiado, confirmando o que era.

    Jonas engoliu em seco, seu corpo tremia,e suas mãos mal conseguiam segurar a espada.

    “Não pode”, pensou, “eu o vi cair, sua cabeça estava….”.

    A criatura abriu suas asas e tentou agarrá-lo com suas garras de inseto. Jonas afastou-a com a espada, que agora parecia um sabonete em sua mão. O braço esquerdo, inutilizado pela ferida, atrasava seus movimentos. O monstro cravou suas presas nele. Jonas sentiu-as atravessar o osso e gritou.

    — Não! — Graça bradou, e, um momento depois, um vulto pulou sobre Jonas e o monstro, derrubando-os no chão.

    Seu braço fora liberto, e ele rolou pelo chão, atordoado. Sons de garras e presas se atracando ressoavam pelo ar. A chuva continuava a cair.

    Ele sentiu alguém o erguer, e levantou a cabeça avistando Leandro, que tinha Erick com um braço em volta dos ombros. Olhou para onde escutava os sons animalescos, vendo duas sombras se enfrentarem em um confronto violento.

    — Temos que ir embora —  Erick sussurrou.

    — Mas Túlio, Orland —  Jonas virou para onde o corpo do cavaleiro estava. 

    — Graça — Leandro exclamou.

    Ele deixou Erick com Jonas, que quase caiu com o peso súbito do amigo sobre si, e correu em direção a mulher.

    Levantou-a, assustando-se quando ela gritou.

    — Seu braço, o que houve?

    — Precisamos sair daqui —  Erick gritou com óbvio esforço.

    —  Como? —  Jonas perguntou.

    —  Vamos para o rio, tem um… —  Erick parou de falar, olhando a luta entre os monstros.

    A criatura da torre segurou o lobo em suas garras e começou a voar, erguendo a ambos.

    — Vamos, agora — Ele gritou mais uma vez.

    Dessa vez Jonas concordou, olhando enquanto os monstros subiam no ar.

    Leandro tomou Graça, ajudando-a a ficar em pé e caminhando em direção a saída. Jonas fez o mesmo com Erick, mas antes, foi até o corpo do cavaleiro e tomou a bolsa que ele sempre carregava.

    Um baque surdo viajou em meio a chuva até os seus ouvidos, Jonas virou e viu o lobo se debatendo após cair, e logo depois o outro monstro descer como uma águia sobre ele. Graça se remexeu gemendo de dor quase ao mesmo tempo. O monstro não parecia mais interessado neles, rasgando a carne do oponente derrotado.

    —  Vamos — urrou Erick, e Jonas se esforçou em obedecer, deixando aquela visão para trás.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota