Capítulo 70 — Fortaleza de guerra (3)
— Que porra de lugar é esse? — Theo questionou para si, em voz alta. Uma gota de suor frio escorreu por sua testa.
— O que aconteceu? — O agente reforçou a pergunta.
— Eu não senti o chão… Parecia o vácuo.
Um dos homens recuados, além de onde a luz alcançava, caminhou na direção que Theo chegou. Uma conjuradora ao lado de Theo criou uma esfera de fogo que flutuou até o homem, para auxiliá-lo na escuridão. Ele caminhou até a borda, onde Theo não sentiu mais o chão.
— Leve a esfera mais a frente. — O homem pediu.
A esfera sequer flutuou mais alguns metros e se apagou. O homem estalou a língua. Os dois voltaram para o grupo principal.
— Não parece, é uma zona de vácuo. Não tem literalmente nada ali, nem oxigênio. Ou seja, voltar não é uma opção — disse Bastien, o homem que averiguou a situação.
Bastien tinha cabelos pretos e sedosos, jogados para cima. Seu traje também correspondia a uma cor escura, intercalando entre um tecido resistente e placas de armadura — feitas de escamas de alguma besta grau seis. Uma espada média estava amarrada ao cinto em suas costas, com dois punhais nas laterais.
O outro homem, Jack Van Glaciel, tinha cabelos acinzentados com um tom gélido e vestia uma roupa de frio branca. Seus olhos azuis pareciam uma fonte de luz própria naquele corredor.
Jack andou até Theo e estendeu a mão para o rapaz.
— Cuidado para não se machucar, realeza — disse Jack.
Theo aceitou o gesto e se levantou em seguida.
— Se não dá para regressar, então estamos fadados agora — iniciou Jack. — Não podemos ceder ao desespero em momentos como este, precisamos nos unir.
— Precisamos escolher um novo líder — retrucou o brutamonte, o agente que segurou Theo.
— Eu indico Bastien, ele é de grau sete e aprendiz do grande mestre Lincoln — sugeriu Jack.
— Eu indico o aprendiz do titã da ira, Isak — argumentou uma moça, apontando para o brutamonte.
— Eu indico a Serach. — Theo apontou para Selina. — Ela é a vice-líder da ordem lua azul do culto de Alunne.
Alguns agentes suspeitaram para contrariar ou fazer suas votações, mas a Druida interceptou antes.
— Por que não elegemos os três? — disse Aidna. — Não podemos perder tempo com eleições duradouras. Três líderes é melhor que um. Pelo menos a minha raça pensa assim…
— É, para essa ocasião, faz sentido. Vamos nos separar como as legiões — ordenou Bastien. — Os precursores e defensores avançam comigo.
— Os domadores, curadores e peritos ficam comigo no centro — disse Isak.
— Suportes e conjuradores, fiquem comigo. Porém, usaremos isso apenas em combates — sugeriu Selina.
— Mesmo assim, andem divididos o tempo inteiro. — Bastien deu um passo à frente. — Vamos se dividam logo.
Bastien continuou andando, até o limite da luz. Ele sacou seus punhais, presas nas laterais do cinto. O agente manobrou as armas brancas nas mãos, dando uma última olhada antes de guardá-las novamente.
— Qual sua ocupação? — Bastien perguntou, sem sequer olhar para trás.
— Percussor. — Theo respondeu imediatamente.
— Ótimo. Mais algum percussor? — reforçou Bastien. — Além do Jack.
— Somos defensores. — Um agente respondeu pelos últimos dois.
— Certo. Vocês dois, para frente — ordenou aos defensores. — Jovem mestre, fique atrás de mim e do Jack.
Theo hesitou por um instante, pensou até mesmo em contrariar as ordens de Bastien, mas ignorou esse pensamento.
“Ele está apenas querendo me proteger por eu ser da realeza… Que droga. Estou me sentindo prepotente.” cerrou os dentes. “Mas comparado a esses caras…”
Se Theo enxergava a diferença entre ele e Selina como um lago sendo apenas três graus inferior a ela, na frente de dois agentes com cinco graus acima dele… Ele se sentiu apenas uma formiga no centro de duas montanhas.
Até as costas dos dois pareciam mais largas do que realmente eram. São gigantes protegendo uma pequena criança indefesa. Esse fato esfaqueava o coração de Theo somente de imaginar sua fraqueza.
O rapaz olhou para trás, para os demais grupos. Somente o grupo de Bastien tinha cinco indivíduos. O segundo grupo, liderado por Isak, tinha sete, enquanto o de Selina tinha seis. Totalizando dezoito agentes no total.
Aidna olhou para Theo e notou a tensão do rapaz. Ele estava tão pálido quanto a neve. Suor frio escorreu pelo rosto e todo o ambiente estava hostil para ele, porque realmente era.
A druida, notando o desespero e inquietude do rapaz, piscou descaradamente para ele. Não da forma pervertida de sempre, e sim de uma forma agradável e reconfortante. Posteriormente, ela o guiou a respirar melhor, fazendo o gesto de uma respiração pesada e concentrada. Theo seguiu os movimentos, equilibrando sua respiração perfeitamente.
Foi questão de segundos para ele controlar uma futura crise de ansiedade; além de respirar em sincronia, ele esvaziou a mente.
Bastien pegou novamente seus punhais, porém, agora ele reforçou as lâminas com mana e riscou a parede esquerda, desenhando uma seta para a direção que iriam seguir adiante.
— Gênio — comentou um dos defensores.
Bastien guardou o punhal novamente. Após olhar para trás e ter certeza que todos os grupos estavam prontos, ele ordenou que os defensores avançassem pelo corredor. Uma conjuradora do terceiro grupo criou uma fonte de luz para que marchassem.
Depois de caminharem um pouco, Jack notou uma inquietude anormal em Theo. O rapaz estava tenso, cerrando os punhos e olhando para baixo. Com a guarda baixa o tempo inteiro, relaxado. Abraçando Theo pelo ombro, Jack incentivou:
— Não fique com medo. Vai dar tudo certo por aqui. Logo encontraremos o titã e então acharemos uma maneira de sair.
Bastien olhou o gesto de canto, e após revirar os olhos, ele contra argumentou:
— Tenha medo.
Jack e Theo o olharam.
— O medo é o que fortifica a alma nesses momentos. Sem o medo, você não terá um combustível ideal para se manter de pé. Lord Moris te contou algo assim, não foi? Pois então, adote o pensamento. Ele não fala da boca pra fora.
— Bastien… — chamou Jack. — Por que você tem que ser assim? — questionou com um sorriso forçado.
— Você quer incentivar a futura geração, Jack? Então incentive da forma correta.
Os dois olharam para Bastien por um momento e, consecutivamente, se encararam. Jack abriu a expressão, pondo a língua para fora e fechando os olhos; ele girou o indicador ao redor da orelha, chamando Bastien de louco.
Theo sorriu com respeito.
🜅
“Quando nós chegamos aqui?…” ponderou Javier, sentado num imenso gramado quase sem fim, acabando no horizonte em uma pequena serra.
Kyle, o assistente de Javier, liderava um grupo de agentes contra uma horda de monstros. O Titã ficou recuado, a pedido de seu assistente, pois os agentes queriam ganhar experiência de combate. Não eram criaturas tão fortes, sequer tinham um atributo elementar. Apenas alguns répteis gigantes, tendo três metros de comprimento.
Os agentes do grupo estavam lidando com a situação de uma maneira rápida, entretanto, tediosa para Javier. Eles podem matar cada criatura daquela rapidamente, mas não fazem.
Javier olhou para trás.
“A fortaleza sumiu. Não consigo entender como… A gente saiu apenas para o jardim. Como viemos tão longe sem perceber?”
Alguns atacantes começaram a tumultuar o confronto, prolongando mais ainda uma batalha fácil. Suportes começaram a usar feitiços destrutivos para atacar.
“Que idiotice. Primitivos imundos.”
O Titã das águas se levantou do gramado e andou em direção à luta. Da palma de sua mão, uma esfera d’água se formou.
Um réptil maior e brutal quebrou o chão, causando um pequeno terremoto no ambiente. Aquele, sim, poderia ser considerado um perigo para os agentes. Notando isso, Kyle se preparou.
A criatura causou uma cratera imensurável no chão, trazendo tremores e quebrando uma parcela da superfície. Ela berrou alto, trazendo um frio na espinha de todos, exceto por Javier. Todos paralisaram de medo, mas, mesmo assim, Kyle continuou seu ataque.
Conjurando um círculo energético com cento e seis pontas, ele ajustou a postura. Uma massa surpreendente de radiação escapou do hectágono, que se preparava em um feixe de fogo que seria atirado contra o réptil maior.
Porém, Kyle desfez o feitiço quando notou uma nuvem cinza de tempestade se formar.
— Invocação de tempestade; chuva ácida — conjurou Javier, puxando o braço direito bruscamente para baixo.
Uma tempestade de chuva ácida começou, se limitando apenas a cem metros quadrados. Em segundos, todos os monstros dentro da região foram derretidos; a começar por sua pele aparentemente dura, que logo se derreteram em carne viva e abriram espaço para seus ossos moribundos.
A criatura maior, embora somente com seu esqueleto, se manteve numa posição nobre.
— Por que o senhor interferiu? — Kyle reclamou, mas deveria ter ficado calado.
— Vocês são estúpidos demais. Um hectágono para matar uma besta daquela? Pretende mesmo gastar sua energia assim? — Javier argumentou. — Vocês não são fracos, então façam a porra do trabalho de vocês quanto antes. Se quiserem morrer, eu mato. Sem problemas.
— Estava querendo me exibir…
Kyle relaxou os ombros e olhou para o lado.
“Mentira. Aquele bicho era muito forte. Talvez de grau oito ou nove… Ele realmente não entende que nem todos têm a força dele…” pensou olhando para Javier.
— Eu sei. Temos quantos peritos? — Javier perguntou ao grupo. Três pessoas levantaram as mãos. — Ótimo. Procurem alguma coisa que nos leve de volta para a fortaleza.
Javier olhou para o céu, virando o rosto para o sol. Sua expressão era confusa.
— Algo te incomoda? — perguntou Kyle.
— Além da estupidez de vocês? Sim. O sol.
— Como assim?
O Titã olhou para o chão.
— Estamos em um relógio solar, certo?
Correto. Eles estavam acima de um relógio solar, grande demais para ser chamado de casual. Uma estrutura não tão comum para à época, mas em Romerian, achar aquelas estruturas era algo comum no meio de planícies longe das cidades grandes.
— Que horas nós entramos na fortaleza? — perguntou à Kyle.
— Oito e vinte da manhã — respondeu.
— Olhe para o relógio. Que horas são agora?
Kyle revirou os olhos e acompanhou a sombra em que era projetada no relógio.
— Oito e vinte também…
Javier franziu o cenho.
— O sol sequer moveu-se de lugar. Também tenho certeza de que não existia uma planície atrás da fortaleza que entramos.
Javier fechou os olhos e se lembrou perfeitamente da região em que estavam. Ele explorou a região durante dias antes de entrar na fortaleza.
— Era uma região totalmente rochosa, com pequenos morros de pedra, porém, muita vegetação. Um ambiente bastante instável com altos e baixos, finalizando em algumas serras ao norte. Porém, não existia essa planície paradisíaca. Era raro até mesmo ver a luz do sol enquanto na floresta…
— Tem algo de errado, não é? — Perguntou mesmo sabendo a resposta.
— Errado o suficiente para me frustrar.
Um silêncio ensurdecedor pairou pelo ambiente. Os dois superiores ficaram quietos, refletindo a situação e prováveis respostas. Mas, conforme procuravam respostas, surgiam perguntas. O silêncio foi quebrado minutos depois, quando um dos peritos chamou por Javier. O Titã se dirigiu até o local onde o agente estava; algumas dezenas de metros à frente.
— A uma entrada de masmorra naquela serra.
Peritos treinam bastante o chakra do terceiro olho; por isso, conseguem enxergar quilômetros em metros. Algo que estava a mais de cinco quilômetros de distância, para aquele perito, parecia estar apenas há algumas dezenas de metros.
— Consegue ver perfeitamente? — indagou Javier.
— Não. Tem uma barreira levantada na porta. Não vejo mais nada, além disso.
— Nem os outros peritos?
Assentiram que não.
— Certo… Vamos! — ordenou Javier. — Para a base daquela serra.
O grupo dois começou a se mover.
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