Capítulo 71 — Titã da Ira (1)
O grupo de Moris vasculhava o quarto que entraram outrora. O Titã da ira bagunçava uma pequena cômoda cheia de diários e documentos. Em suma maioria, desgastados pelo tempo. Isso quando os livros não tinham quatrocentas páginas em branco.
Um dos assistentes do titã estava ocupado com as pinturas, tentando desvendar algo através delas. Ele pairou as mãos em um porta-retrato. Era a foto de um rei; o rosto estava borrado, mas seu corpo era coberto por uma capa azul e detalhes dourados. Pegando o retrato em mãos, ele chamou:
— Lord Moris… Ele não é familiar? — O assistente virou o porta-retrato para Moris.
O Titã da ira olhou, analisou, mas de nada se lembrou.
— Não — sacudiu a cabeça.
— Ele era um rei dos pequenos reinos de Romerian… Há uns duzentos anos. Essa fortaleza que entramos era dele. Foi usada em sua guerra contra quinze reinos…
— Um único rei foi estupido o bastante para declarar guerra contra quinze reinos?
— Sim. Ele dizia ser a encarnação do espírito da guerra… Tentou trazer a maior guerra que nosso mundo iria ver, mas morreu antes disso. Seu nome era Cepheus, o Rei Desafiante.
Moris se levantou com um livro em mãos, olhando para a foto.
— Certamente, foi um rei estupido. Olha — disse virando o livro.
Na folha que Moris mostrou ao seu assistente, estava o mapa de toda a fortaleza militar. Folheando mais duas páginas, estava um mapa de corredores que levariam até o calabouço da fortaleza.
— Vamos. Já temos um rumo — ordenou o Titã. — Lá devemos encontrar o grupo de Bestien, quem sabe o de Javier.
— É Bastien, senhor — corrigiu o outro assistente, Canvill.
— Isso. Bastien — corrigiu-se pondo alguns livros em seu manto.
☽✪☾
O grupo de suportes, liderado por Serach, se comunicavam por sussurros. O grupo central, liderado por Isak, sequer guardavam saliva para gritar. Aidna, por incrível que pareça, era a mais comportada.
No grupo de Bastien, somente Theo e Jack trocaram ideias algumas vezes. Depois de poucas interações, Jack passou a evitar chamar Theo de jovem mestre ou qualquer título que provenha de realeza, já que o agente notou o desconforto causado no rapaz.
— Bastien — chamou Jack. — Estamos andando há um tempo, né?
— É. Está muito estranho. É um corredor reto, não encontramos escadas ou curvas… Talvez estejamos há horas caminhando por aqui.
Já que não estava tão movimentado, Theo decidiu ativar seu chakra do terceiro olho há alguns minutos. Compartilhando éter com o chakra em sua testa, ele começou a observar os caminhos de energia do corredor. E esses caminhos sempre se repetiam.
De relance, a mente dele captou um padrão. Não tinha traços de energia nas paredes, exceto por um ponto em específico. Em um ponto na parede onde a luz não alcançava mais.
Theo tomou a liderança do grupo principal e caminhou até este ponto, onde traços de energia saltavam para fora.
— Senhor Bastien… Esse não é o risco que o senhor fez antes de partirmos? — perguntou Theo, tocando em uma seta riscada na parede. Mana saltava para fora da estrutura.
Bastien aproximou sua mão da seta e tocou na parede. A mana que emanava, a fina camada de energia que se apresentava como um véu azul, entrelaçou os dedos do agente.
— A mana reagiu com a minha… — comentou Bastien. — Eu deixei um rastro da minha mana para trás, para que os peritos pudessem diferir.
— Então nós… — murmurou Jack, arregalando os olhos.
— Não saímos do lugar esse tempo todo — completou Bastien. — Conjuradora ignis! Ilumine o caminho de retorno! — exclamou.
A conjuradora balançou um pequeno artefato em suas mãos, que mais se parecia com um lampião, e criou uma rajada de fogo. Uma onda de calor se propagou, indo no sentido contrário do corredor. Em determinado ponto, as chamas foram apagadas pela ausência de oxigênio.
— Reagrupar! — ordenou Bastien.
Os três grupos se uniram, formando um círculo e deixando os três líderes lado a lado. Aidna pode finalmente se aproximar de Theo e saltou nas costas do rapaz, que não soltou desde então.
— Seja lá o que esse lugar for, ele tem um encantamento de ilusões — apontou Bastien.
— Não — contrariou Selina. — Encantamentos de ilusão não funcionam em mim. Nenhuma invasão mental. Definitivamente não é um encantamento de origem psíquica.
— Como assim não te afetam? — Isak questionou, subestimando a afirmação de Selina.
— O Theo disse que ela era uma seguidora de Alunne, correto? — disse Jack. — Seguidoras da lua ganham algumas bênçãos, proteção mental é uma delas.
— Exatamente. Eu estou livre de possessões e ilusões, por isso afirmo novamente: não é uma ilusão.
— Então qual a sua teoria? — perguntou Bastien.
— Não sei…
Todos ficaram pensativos por um segundo. Theo e o perito do grupo ativaram o terceiro olho, tentando achar alguma coisa que os alertasse. Depois de bastante tempo calados, Jack fez o primeiro movimento.
— Para trás — ordenou Jack. — Abram caminho. Quero testar algo.
Liberando mana na palma de suas mãos, gelo sólido se formou. A teoria de Theo foi concretizada mais uma vez; o elemento gelo puro se manifesta em sua forma sólida logo na conjuração, ao contrário do elemento de Ivan.
O gelo sólido, conjurado por Jack, deu forma a um bastão de gelo. O bastão se prolongou, criando uma lâmina em sua ponte e dando origem a uma lança gélida. A arma soltava flocos de neve.
Ao se assegurar que todos haviam evacuado para as laterais, Jack atirou a lança com toda sua força para sua frente.
“1… 2… 3…” Jack contou os segundos mentalmente. “ 9… 10…”
A lança desapareceu há uma distância razoável e, surpreendentemente, apareceu novamente vindo de suas costas, na região de vácuo. Jack recuperou sua arma sem muito esforço; apenas a pegou enquanto passava rente de sua cabeça.
“Espera…” pensou Aidna. “É. Talvez seja isso…”
— Garotinha — disse Aidna, se referindo à conjuradora ignis. — Atire uma rajada de fogo naquela direção.
— Qual seu plano? — indagou Bastien.
— Ainda é um talvez, mas acho que é um portal de ativação e outro de ligação.
— Portal?
A conjuradora balançou sua lanterna, criando outra fonte de fogo. Uma pequena esfera de fogo implodiu e explodiu em uma rajada. A garota saltou para os lados, temendo ser acertada pelo próprio feitiço.
A rajada percorreu o mesmo percurso que a arma de Jack, porém, deixando o caminho iluminado para que os agentes pudessem analisar perfeitamente. O corredor foi iluminado como um céu livre das nuvens. A rajada de vento atravessou novamente, voltando pelo espaço de vácuo atrás.
Quase um teleporte instantâneo, tendo um delay de apenas um segundo.
— É, não é um portal — concluiu a druida.
— Óbvio que não é — disse Isak. — Em que mundo você vive para acreditar no impossível?
— Não chame a magia de impossível, bárbaro podre — disse Aidna. — A tal magia, é apenas a teoria que vocês não conseguem executar na frágil ciência. Para os druidas, isso é algo simples de se fazer. Eu vi vários desses por toda a Yggdrasil…
Todos ficaram em silêncio, onde apenas Theo e Selina ficaram pasmos com a burrice de Aidna.
Ao interpretar que Aidna era uma druida, todos no corredor — com exceção de Theo e Selina — temeram-na. Rapidamente, Bastien brandiu sua espada e apontou para a garganta da druida. Outros agentes também arrumaram a postura e se prepararam para possivelmente atacá-la.
— Calmo, menino malvado. — Aidna brincou perante a situação. — Eu estou do lado de vocês.
— Ah tá — retrucou Isak. — Confiaremos em uma druida. Quem seria louco?
— Eu — respondeu Theo. Colocando a mão na lâmina da espada de Bastien, Theo continuou: — Ela me jurou suas afirmações. Mesmo que eu a conheça há menos de um dia, ela é confiável.
Isak gargalhou alto.
— Principezinho, vai mesmo acreditar no que essa bruxa fala?! Ela claramente está te iludindo com suas fraquezas para torná-lo impuro! — exclamou Isak.
Theo deixou sua aura vazar. Não somente a aura, mas toda sua intenção de atacar quem o contrariar. Virando o rosto de perfil, ele cerrou os olhos e encarou Isak. O éter do rapaz foi dispensado em uma camada grossa de aura, algo que ele jamais tinha realizado antes.
Isak tremeu e recuou um passo, mas ao lembrar que Theo era uma “criança”, ele retornou a sua postura.
— A tal “bruxa” é a única agindo de forma racional aqui. E também, a única que não está apontando uma arma para terceiros por puro preconceito a seus antepassados.
Para apaziguar a situação, Jack repousou a mão no ombro direito de Bastien e induziu seu companheiro a recuar. O agente aceitou a sugestão.
A espada de Bastien foi lentamente sendo direcionada para o chão, por escolha do próprio. Theo notou o movimento ainda quando encarava Isak, e percebeu o sinal de trégua do líder de ataque.
— Obrigado — agradeceu Theo.
Todos recuaram suas armas e cessaram os feitiços que estavam sendo preparados.
— O que faremos agora? — indagou a conjuradora ignis.
— Estou com uma dúvida — disse Bastien.
— Só uma? — comentou Selina, em um tom sério.
Os dois trocaram olhares sérios e estressados, mas relevaram as diferenças. Bastien caminhou até a seta que ele havia riscado na parede.
— Jack — apontou com a cabeça em direção à parede.
Seu companheiro entendeu o recado de primeira. O agente de gelo andou até a parede e encostou a mão; um ar gélido e abafado escapou da boca de Jack. A parede começou a ser congelada gradativamente, substituindo os tijolos brancos por uma aparência azul.
— O que será que há no outro lado? — Pensou em voz alta.
Quando a parede se tornara completamente gelo, Bastien atacou com um corte limpo e forte. Com um único golpe de espada, Bastien estraçalhou toda a parede.
A dupla, Jack e Bastien, foram os primeiros a atravessar a abertura. Eles se depararam com outro corredor, no entanto, agora iluminado. Tinha uma fonte de luz a cada cinco metros, além das paredes e teto serem feitos de rochas sedimentares.
Para o lado esquerdo, o corredor continuava até desaparecer em uma curva. No lado oposto, apenas há cinco metros do ponto em que eles abriram a parede, estava uma escada. Sem contar que o corredor era duas vezes maior que o anterior — em espessura.
— Podem vir — afirmou Bastien.
Sem demorar a obedecer à ordem de Bastien, todos os dezesseis agentes restantes atravessaram o buraco na parede. Assim que o último atravessou — que por sinal, era Isak — a parede foi selada. Recuperada como se nada tivesse acontecido ali.
— Vamos subir — disse Theo, se colocando na frente de todos e subindo primeiro. Estando com seu terceiro olho ativado, o rapaz percebeu um rastro de energia subir pelos degraus.
Posteriormente, todos os agentes o acompanharam.
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Moris e seu grupo caminhavam conforme o mapa no livro. Eles já tinham descido mais de cinco andares da fortaleza e, mesmo assim, sequer haviam achado resquícios do tal calabouço.
O ajudante secundário de Moris ficou designado para explorar. Para toda porta ou rota divergente que eles encontrassem no caminho, Zypher estava ocupado por averiguar tudo.
Eles caminhavam por um corredor largo, com quase quatro metros de largura e três de altura, em uma arquitetura constituída por arcos. As paredes eram erguidas a partir de rochas vulcânicas escuras, o que tornava o ambiente absolutamente quente.
O Titã da Ira ficou mais relaxado quando finalmente encontraram uma escadaria; pequena, tendo apenas dois metros de escada e findando em uma porta com luz natural. Ele suspirou por finalmente poder sair daquela estrutura infernal.
— Finalmente — comemorou Moris. — A luz do sol na minha pele.
— Parece que foram dias sem sentir essa sensação — comentou Zypher.
O grupo se sentiu aliviado por respirar um ar tão puro. Moris espreguiçou, esticando os braços para lados opostos. O Titã aproveitou a oportunidade para engolir a maior quantidade de ar que ele conseguisse. Porém, foi um grande erro.
O ar que Moris respirou se tornou quente, quase entrando em combustão. A descrição mais ao pé da letra seria: uma onda de fogo entrou pelas narinas de cada agente.
Todos os cinco debateram em atordoamento, com Moris sendo o menos afetado. Um bater de asas pesado espalhou o calor que, ao invés de apagar, ficou mais intenso e abafado.
Deixando o momento “belo” ser interrompido pelo calor, o grupo de desviantes parou para prestar atenção no lugar. Eles estavam em uma espécie de praça, rodeada por muralhas altas e um caminho de tijolos cortando um gramado morto.
Em uma fonte no centro, uma pessoa estava sentada. O manto vermelho cobria dos pés a cabeça, impedindo contato direto com o indivíduo. Os quatro agentes se prepararam, pegando suas armas e artefatos, ajustando as posturas e conjurando seus círculos de energia.
O que tornou o ambiente caloroso se revelou nos céus, batendo suas asas largas e vermelhas com as escamas de um réptil. Um enorme réptil. As garras capazes de cobrir uma construção com facilidade pousaram no topo da fonte, destruindo um pouco da construção.
A visão dos agentes embaçaram. Eles não conseguiam se mover, sequer proferir palavras a não ser gemidos de desespero. Uma pupila fina, similar à de uma cobra, encarou diretamente Moris, ignorando a existência de todos os outros agentes.
— Um… — Zypher pôde murmurar, após tanto batalhar contra o poder jogado em seus ombros. — Dra–… gão!
Enquanto tanto temiam, Moris sorria alegremente.
— Vocês quatro — chamou o Titã. — Cuidem daquele cara.
Retirando o manto branco, Moris revelou uma armadura vermelha e preta por debaixo. Intercalando entre placas e um material forte e flexível. O Titã da Ira deixou sua mana escapar para fora do corpo, causando um rastro de energia vermelha pelo ambiente.
— Eu cuidarei do dragão. Este será o meu maior feito…
Moris encarou com um sorriso. Para o Titã da Ira, toda aquela situação não passava de “Uma missão a ser cumprida e um feito a ser realizado”.
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