Capítulo 59 - Exaustão e Renascimento
Sete minutos. Tempo o suficiente para que o silêncio estéril após a partida de Mikael fosse quebrado pela voz estrondosa de Nicholas, trazendo-me de volta à dura realidade da minha situação.
— Mais rápido!
Ele propôs um “treinamento básico”, uma expressão que parecia terrivelmente inadequada para descrever a provação exaustiva que me aguardava.
— Você nem está perto do seu limite!
Meu olhar se fixou nos números vermelhos brilhantes do display da esteira: 10,5 km/h.
Não foi nada rápido, mas para alguém que passava a maior parte dos dias debruçado sobre a cama, parecia uma corrida supersônica. Minhas pernas, acostumadas ao ritmo suave do caminhar, gritavam em protesto. Cada passo enviava uma onda de fogo pelas minhas coxas, ameaçando dobrar meus joelhos.
— Até um Mephisto mais fraco conseguiria ser melhor que isso!
Suas palavras estavam misturadas com um humor sardônico que pouco fez para aliviar a queimação em meus músculos. O suor escorria pela minha testa, ardendo em meus olhos, confundindo o mundo em um túnel de luzes fluorescentes tremeluzentes e a figura imponente de Nicholas no final.
Não se tratava apenas de castigo físico, eu estava começando a entender. Tratava-se de forjar um calo mental, construir uma barreira contra o medo inevitável que me dominaria quando confrontado com os horrores aos quais Nicholas aludiu – os Mephistos.
De repente, a esteira avançou. O display piscou, os números subindo para assustadores 15,0 km/h. Minha respiração ficou presa na garganta, um suspiro estrangulado.
— Rrrrraaaa!!
Com um grunhido, me esforcei mais, cavando mais fundo em reservas que eu nem sabia que existiam. Minhas pernas, onze pistões de movimento ávido, ficavam mais velozes, ameaçando me arrastar para baixo. Mas eu não poderia desistir. Ainda não. Não na frente dele.
Nicholas era um paradoxo ambulante. Construído como uma parede de tijolos com olhos que abrigaram uma vida inteira de batalhas e uma cicatriz irregular que descia por sua mandíbula, havia uma intensidade silenciosa, uma mola enrolada de energia mal contida. Desafio tingido de medo fervia dentro de mim – um coquetel potente que alimentou minha determinação.
De repente, minhas pernas dobraram. O mundo tombou em seu eixo, dissolvendo-se em um borrão vertiginoso enquanto eu saía cambaleando da esteira. Meus pulmões, famintos por oxigênio, transformavam-se em foles abrasadores a cada suspiro superficial.
— Eu… tô morto.
A dor era insuportável, um fogo infernal que se espalhava pelas minhas pernas, subia pelos quadris até se aninhar na base da minha coluna.
— Bom esforço. — disse Nicholas, aproximando-se ao meu lado. — Mesmo assim, você ainda tem um longo caminho a percorrer.
— É… sei disso.
Meu corpo parecia ter sido apresentado a um espremedor, os músculos gritando em protesto silencioso.
— Concentre-se em sua respiração. — Ele agachou e continuou — Respirações longas e lentas. Deixe o oxigênio inundar seus músculos. Você pode fazer isso.
Suas palavras, embora severas, tinham um tom suave, mas rígido. Ele não estava simplesmente me levando ao limite; ele estava me direcionando e me preparando para uma luta que eu não entendia.
Respirei fundo, tentando seguir suas instruções. A agonia não desapareceu magicamente, mas tornou-se um zumbido distante, um ruído de fundo contra a força que gradualmente crescia dentro de mim.
— Isso é uma merda, eu sei. Isso leva você ao limite, te faz questionar tudo. Mas acredite em mim, se continuar desse jeito, nada vai te salvar. Essas criaturas não se cansam. Elas lutam com uma fúria que consome os fracos.
Ele apontou para meus braços, que ainda tremiam ligeiramente.
— Vê esses músculos? Eles são as potências do seu corpo, os motores que impulsionam seus movimentos. Mas eles precisam de combustível, e esse combustível vem do oxigênio. Quanto mais oxigênio você puder bombear através do seu sistema, mais forte, mais rápido e mais durável você se tornará.
— Acho que… — Minha voz se estendeu enquanto colocava-me sentado. — Não tenho força suficiente pra isso.
Um silêncio se prolongou entre nós, espesso e pesado. Nicholas não respondeu imediatamente. Em vez disso, ele se levantou e caminhou em direção à estante, que servia de suporte ao conjunto de monitores alinhados na parede oposta.
— Força nem sempre é apenas sobre músculos. — Ele finalmente falou, sem se virar. — É sobre a mente, sobre a vontade de vencer. E essa força vem do treinamento. Do esforço, da disciplina.
Com um movimento rápido, virou-se e arremessou uma garrafa d’água em minha direção, que traçou um arco perfeito antes de cair em minhas mãos trêmulas.
— Beba um pouco, você precisa.
— Valeu.
A destampei e o primeiro gole foi um choque para o meu sistema, uma sacudida que baniu momentaneamente a névoa de exaustão que nublava minha mente.
Talvez Nicholas estivesse certo. A força abrangia muito mais do que apenas a capacidade física. Tinha a ver com a determinação resoluta que fervilhava sob a superfície, a crença inabalável que declarava: “Não vou deixá-los vencer”.
Não se tratava simplesmente da minha sobrevivência. Era sobre os civis, as pessoas que não tinham consciência dos horrores que espreitavam nas sombras, os monstros que prosperavam com base no medo e na dor. Eram eles que precisavam de proteção e mereciam uma chance de lutar.
O conceito me deu um novo senso de propósito, como uma brasa que acendeu uma centelha de confiança dentro de mim. Meus músculos gritavam e meus pulmões reclamavam, mas o fogo em meu espírito recusava-se a apagar-se.
Deixando a garrafa pela metade, joguei de volta para Nicholas enquanto me levantava.
— Tô pronto.
Uma pitada de surpresa passou pelo rosto dele, rapidamente substituído por um relutante sinal de respeito. Talvez ele não esperasse que eu me recuperasse tão rapidamente.
— Muito bem, vamos para o que realmente importa.
Nicholas assumiu uma postura curvada, com os joelhos dobrados e o tronco envolvido para obter estabilidade e força explosiva. Ele se inclinou ligeiramente para a frente, com o peso nas pontas dos pés, em prontidão para entrar em ação. Sua perna dominante estava estendida adiante, proporcionando alavancagem para os socos e ajudando-o a diminuir a distância.
Apesar de sua postura ofensiva, Nicholas manteve a cabeça levemente inclinada para proteger o queixo. Além disso, seu braço não dominante estava posicionado próximo à testa, oferecendo defesa extra.
— Me mostre o que você sabe. Tente me acertar.
— Uh…
Eu o espelhei desajeitadamente, dobrando os joelhos. Minha postura era ampla e estranha, como se estivesse tentando me equilibrar em uma mesa instável. Não pude deixar de olhar nervosamente para seus punhos e rosto alternadamente.
Estava tenso e ansioso ao mesmo tempo. Quase não usei meu braço não dominante, então ele ficou pendurado ao meu lado inutilmente, me arrastando para baixo.
Achei que talvez pudesse blefar, mas a incerteza começou a crescer por dentro.
“Esse cara é pior que o Lewis, com certeza.”
Uma gota de suor frio escorreu pela minha têmpora, na forma de um pequeno traidor, seguindo uma trilha irregular até o meu queixo. O impulso de desistir, de jogar tudo para o alto em frustração, me atingiu como um furacão. Confrontar Lewis com toda a sua fúria foi como enfrentar um touro raivoso. Entretanto, em comparação com Nicholas, ele era um bezerro.
A serenidade controlada do homem era como um veneno que se infiltrava em meu sangue lenta e furtivamente. Seu sorriso presunçoso, como o de um gato feroz brincando com um rato indefeso, me fez sentir náusea em vez de medo.
Era necessário reagir, encontrar um método para detê-lo. No entanto, cada conceito que entrava em minha mente era cruelmente esmagado pelo seu olhar amargo e ameaçador, um olhar que prometia sofrimento e humilhação.
Aproximamo-nos um do outro lenta e cuidadosamente, como dois animais em prontidão de ataque. A dinâmica predatória era patente, mas, ao contrário da vítima que fugia aterrorizada, eu estava hipnotizado, incapaz de desviar o olhar da fera à minha frente.
“Agora!”
Quando estava a poucos centímetros de Nicholas, meu punho disparou diagonalmente em direção à sua têmpora – um atordoamento garantido com força suficiente.
Com os cotovelos levantados e os dedos abertos como um leque de defesa, ele reagiu rapidamente, utilizando um bloqueio de braço eficiente e brutal, substituindo a têmpora vulnerável por uma conexão menos prejudicial.
O silvo do ar deslocado passou pelo meu rosto quando seu outro punho desocupado aplicou um falso soco.
Uma farsa, apenas uma demonstração para me fazer avançar e explorar uma abertura. Eu me senti como um imbecil que ficou momentaneamente paralisado ao ver o punho dele perto do meu nariz.
Deu-me então um chute no estômago, que me jogou no chão. Caí de costas, ofegando profundamente, enquanto a derrota me dominava como um tsunami. Nicholas me observava com desprezo ao lançar um olhar de cima para baixo.
— Mole demais. — Ele zombou, a voz carregada de escárnio. — Acho que Mikael não é um treinador tão bom quanto eu pensava. Você é como um bebê recém-nascido aprendendo a andar. Desajeitado e previsível.
A vergonha queimou na minha garganta, mais quente que a agonia.
— Tô tentando o meu melhor.
— O melhor? Esse é o seu melhor? — Ele balançou a cabeça, uma risada sem humor escapando de seus lábios — Você acha que um Mephisto, que é uma criatura de pura brutalidade, se contentaria com algo tão medíocre? Eles não brincam, moleque. E você, no estado em que se encontra, seria apenas mais um inseto a ser esmagado.
Eu queria retrucar, me defender, mas não conseguia encontrar as palavras. Nicholas foi preciso. Havia um vislumbre de honestidade e verdade que cortava a mágoa. Sentia que cada ação que eu tomava era premeditada antes de eu realmente tomá-la.
— Falar assim é fácil. — disse, colocando-me sentado outra vez. — Não tenho toda essa experiência não.
— Claro que não tem. — respondeu, ficando de cócoras à minha frente. — Uma coisa que você precisa é parar de pensar. A mente é uma armadilha em batalha. Deixe o seu corpo reagir por instinto. Sinta o seu oponente, antecipe seus movimentos e aja antes que ele tenha a chance de pensar.
— Mas eu não consigo pensar rápido o suficiente.
— Você não precisa pensar rápido, ao contrário, precisa pensar com clareza. Concentre-se no presente, no aqui e agora. Esqueça o passado, deixe de lado o futuro. Exista somente neste momento.
Suas observações ressoaram com uma verdade que, de alguma forma, eu não havia percebido. Havia esquecido o elemento essencial do combate, que é a necessidade de estar presente e totalmente envolvido no momento, em minha pressa de me preparar para qualquer eventualidade.
— É difícil. Uma parte de mim grita para atacar, para reagir, mas a outra parte fica paralisada pelo medo do que pode acontecer se eu cometer um erro.
A zona de combate não era um tabuleiro de xadrez. Qualquer ideia se desfazia em um instante, imobilizando-me com uma enxurrada de “e se?”. E se eu fosse exposto pelo meu ataque? Como eu poderia interpretar mal meu oponente?
A hesitação era como uma malignidade, corroendo minha capacidade de reagir rapidamente e transformando meus métodos praticados em uma surra desajeitada. Essa frustração era uma pílula difícil de engolir.
— É difícil, sim. Mas é necessário. Se você não aprender a controlar sua mente — ele encostou seu dedo indicador na minha testa. —, ela controlará você. E em uma luta, isso pode significar a sua morte.
— Tá… Vou tentar.
— Não tente. Faça. Você não tem tempo para tentar. Os Mephistos não esperam por ninguém. Eles atacam rápido, atacam forte, e não se importam com seus sentimentos.
Balancei a cabeça, concordando.
— Vamos começar de novo. — ele disse, se levantando. — Desta vez, lute com a mente clara e com o corpo livre.
Ele estendeu a mão em um convite à retomada da prática. Era um incentivo, não um brinde, portanto, eu estava preparado para enfrentá-lo.

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