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Capa Volume 1 – Ironia Divina
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Capítulo 64 - Festival
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
A verdade é que, se não fossem as roupas notavelmente mais acabadas dos piratas dos céus, o grupo do Ironia Divina teria achado que toda a cidade havia surtado ao mesmo tempo. O que, tecnicamente, não estava tão longe da verdade.
Ana jurava ter visto um homem sendo decapitado do lado de fora — e jurava ainda mais forte que era o mesmo homem que, no dia anterior, comprava carne tranquilamente no açougue.
“Rastejei por algum tempo 🎶”.
A música aumentava. Não em volume, mas em domínio. Era ela quem comandava agora. Os cidadãos de Leviathan e os visitantes mais desavisados cantavam em uníssono nos versos mais intensos, como se estivessem numa peça macabra sem direito a ensaio.
— Devíamos ter ficado na taverna… — Ana comentou, puxando a faca com uma leveza desconcertante. Gente sorria. Gente morria. Nem sempre na ordem convencional.
Pedro havia avisado: se saíssem, não voltavam mais. Era uma daquelas regras que pareciam simbólicas até se tornarem dolorosamente literais. Mas, claro, Ana saiu. Como não sairia? Eram fogos de artifício! Tais explosões coloridas mexiam com algo em seu interior.
Ela costumava achar que era por causa da vibração no corpo, o impacto físico que fazia o coração lembrar que existia. Mas, quando viu o céu brilhar nessa noite, entendeu. Era memória.
Avenida Paulista. Meia-noite. Mãozinhas pequenas apertando dedos grandes. Roupas brancas de festa. Gente desconhecida gritando “Feliz Ano Novo”. Ela não lembrava de rostos nos pais que a acompanhavam, mas lembrava das explosões no céu.
Não tinha sequer sentido, existiam um milhão de memórias melhores, essa não deveria ter sido tão marcante. Ainda assim, foi. Então, sim, saiu, e os outros foram atrás. Ouviram a tranca da taverna se fechar atrás de si, e naquele instante, sabiam: haviam trocado o “curioso” por “condenado”. Se arrependiam, mas nem tanto.
“Entenda, isso foi muito bom pra mim 🎶”.
— Tirem essas expressões de quem viu Deus e não gostou! — gritou um caçador sujo de sangue, aparentando uns quarenta anos de maus hábitos. — Mexam essas armas, liberem o stress! Estão em Leviathan!
Deu um tapa nas costas de Alex que parecia ter sido ensaiado com o próprio trovão. Alex sorriu. Não porque queria, mas porque era o único tipo de resposta possível.
— Só não morram, hein? — e seguiu correndo pela rua com o machado no ar, como quem ia resolver a economia mundial na base da porrada.
O Ironia Divina trocou olhares. Ninguém disse nada. Ninguém precisava. A conclusão era clara: o sujeito era maluco. Mas carismático.
— Bem, se estamos em um festival… — Ana deu de ombros, estalou as juntas, e balançou a faca negra de forma aleatória. — Só nos resta aproveitar, né?
A frase ainda ecoava quando uma bala passou raspando sua orelha, destruindo um pequeno tufo de seu esvoaçante rabo de cavalo castanho. Ana permaneceu na mesma posição. Piscar não faria diferença agora. Com um toque lento, sentiu a ardência no lóbulo e encarou a doceria onde o tiro havia acertado. Na parede, o projétil a encarava de volta. Virou-se para o restante da rua, observando o cenário como quem acabara de perceber que aquela festa vinha com letras miúdas cobertas de chumbo.
— Mas que merda. Tem pistolas demais ali! — Apontou como quem faz denúncia pública. — Nem fodendo que eu desço.
Os tiros, talvez por solidariedade ou puro sarcasmo, se intensificaram. Os piratas estavam armados até os dentes. As espadas e lanças ainda preenchiam o fundo sonoro, mas o som seco de disparos impunha uma hierarquia natural. Lutar com pólvora, afinal, sempre foi um argumento convincente para se estar no topo.
“Pude encarar minhas verdades… 🎶”.
Ana hesitou. Se esconder não era seu estilo — não por valentia, mas por orgulho mesmo. Ainda assim, quanto mais olhava, mais percebia que o problema ia além das balas. Havia algo estranho ali que a fazia recuar.
O padrão, ofuscado até então por explosões e a gritaria etílica generalizada, agora saltava aos olhos. Os combatentes de Leviathan, apesar de ferozes, agiam como egos com pernas: cada um por si, cada golpe mais performático do que eficaz. Já os piratas… bem, eles dançavam. Em blocos. Avançavam e recuavam em seus movimentos moles e gananciosos, mas que, para a surpresa de Ana, estavam muito bem posicionadas.
A estratégia talvez não funcionasse se aquilo fosse um campo de batalha normal, se estivessem prestando a mínima atenção no todo ao invés de apenas em suas armas, mas ali, eliminavam um guerreiro por vez. Era perfeito.
Estavam seguindo ordens.
A rainha mercenária franziu o cenho. Uma emboscada. Uma orquestração bem ensaiada disfarçada de tumulto casual. Seus olhos começaram a percorrer o topo dos prédios freneticamente, alguém tinha que estar de olho em tudo para guiar essas pessoas.
Já estava preparada para subir no telhado da taverna quando algo quebrou seu raciocínio.
Um cochicho.
Fechou os olhos, tentando ouvir melhor. Os outros a olharam de forma confusa, mas ela tinha certeza que não era delírio, estava ali — recorrente, calculado, a cada quatro, cinco segundos, fazendo os invasores mudarem suas rotas do aparente nada…
“De frente pude ver 🎶”
Seu foco foi quebrado de imediato assim que, para sua surpresa, o sussurro se mostrou voluntariamente por meio de uma tosse mal dada e um xingamento aos céus — não estava longe, como havia imaginado, mas logo ao seu lado, um pouco mais afastado na mesma amuada da taverna onde estavam parados. Um sujeito comum à primeira vista, não fosse o rádio comunicador preso ao colarinho, um grande chapéu e o olho esquerdo brilhando em um laranja intenso, varrendo a cidade como um farol nervoso.
— Perdemos alguns homens na parte sul da fonte. Equipe 3, vai para lá. Invadam de surpresa pelo flanco esquerdo.
Ana ficou ali, apenas olhando. Um tanto estupefata, um tanto irritada, e um tanto… cansada. Era quase ofensivo como as respostas às vezes estavam ao alcance da mão — ou da lâmina — e a mente insistia em procurá-las sabe-se lá onde.
Foi o toque de Felipe em seu ombro que a trouxe de volta.
— E aí? — perguntou o garoto, inquieto.
Ana sacudiu a cabeça. Pensar demais era um luxo que não podiam se dar. Observou os aventureiros que lutavam mais adiante, inocentes como vacas em fila para o abate. Estavam prestes a ser atacados por um grupo que ainda nem sabia que seria emboscado por outro grupo. A cadeia alimentar do absurdo.
— Ouviram o cara. — disse, com a ponta da faca indicando o inevitável. — Se escondam, deixem eles atacarem os aventureiros primeiro… aí vocês pegam eles numa surpresa da surpresa. Terceiro ato do espetáculo.
As expressões ficaram azedas, como se tivessem mordido um limão de consciência. Mas ninguém reclamou. Ética era um conceito elástico, especialmente quando a própria sobrevivência entrava na conversa.
— E você não vem? — Brayner olhou de canto ao mesmo tempo que pegava seu pequeno caderno do bolso.
Ana só negou com a cabeça, lançando um breve olhar para o manipulador, e então em direção ao homem que, em sua atenção ao campo de batalha, ainda não os notara.
— Vou resolver isso aqui primeiro.
“O quanto posso errar, falhar e ver 🎶”.
Deu as costas para o grupo e disparou de imediato, antes que pudessem protestar.
Não gritou, não avisou. Só correu. Com a faca à frente e um olhar que dispensava qualquer roteiro.
O homem percebeu tarde demais. Virou-se apenas a tempo de bloquear a estocada com uma espada fina que levava em punho — elegante, precisa, irritantemente competente. O choque do metal tilintou como um brinde mal-humorado e, por um segundo, os dois ficaram travados ali, até a gravidade decidir que já era hora de intervir.
O golpe virou um meio-agarre desajeitado, que virou um tropeço dramático, que por fim virou uma queda pelas altas escadas do Último Reduto, os dois embolados em espiral doloroso.
Lá de cima, os quatro jovens acompanharam a cena com uma espécie de silêncio constrangido que só quem vê o próprio líder rolando escada abaixo consegue produzir. Não chegaram a comentar nada, talvez por respeito, talvez porque fosse difícil decidir se aquilo era trágico, engraçado ou ambos.
Mas logo a cidade tratou de roubar a atenção. Lonas começaram a se desenrolar das vielas como serpentes mecânicas saindo do casulo. Primeiro discretas, depois espalhafatosas. Foram esticadas em pontos estratégicos — becos, postes, torres, telhados — como se alguém estivesse prestes a projetar ali uma verdade incômoda em resolução máxima.
E projetaram.
De início, só a luz branca dos projetores cortando o céu. Depois, imagens translúcidas começaram a se formar nas lonas, sobrepondo-se às nuvens e à bruma que ainda pairava. Não eram apenas cenas de batalha: eram tomadas pensadas, capturas em ângulos dramáticos, cortes dinâmicos, trilha sonora embutida — uma transmissão, em tempo real, do caos que se desenrolava pelas ruas.
“Que pode ser muito natural 🎶”.
Numa das telas, um guerreiro lutava de frente com um pirata gigante que carregava um canhão maior ainda. Era uma luta desleal, sangrenta e claramente roteirizada para terminar em catarse: o pirata tombou, morto, o guerreiro ergueu o punho, e os aplausos irromperam de todos os lados — mesmo que ninguém ali parecesse saber ao certo quem era o vencedor, pois o próprio homem caiu logo em seguida.
Noutra, um grupo de mercenários de aparência intimidante corria em direção a uma mulher voluptuosa carregada nos ombros por um mini exército particular. A imagem era vaga demais para fazer sentido, mas provocativa o suficiente para manter a audiência presa.
O Ironia Divina também teve seu momento de estrelato, claro. Surgiram em uma das projeções, correndo feito figurantes desorientados… até que a imagem congelou numa cena particularmente infeliz: a da rainha mercenária se levantando de forma muito menos majestosa do que qualquer título permitiria. A gargalhada veio automática, mecânica até — não porque fosse engraçado, mas porque a tela disse que era hora de rir —, seguida por uma sequência de sons metálicos e gritos de fundo que não combinavam com a trilha alegre. Nem um pouco.
“Você é covarde demais! 🎶”.
“Pra entender 🎶”.
“O quanto é intenso 🎶”.
A música ganhava volume e insistência. As telas trocavam de cena a cada baixa, como se a morte fosse apenas um corte de edição para manter o ritmo do espetáculo. Era caótico, sim, mas havia algo de… alegre? Talvez “eufórico” fosse a palavra correta — aquela euforia meio apodrecida, de quem aplaude sem saber se está vibrando com a vitória ou só aliviado por ainda estar de pé.
E o povo aplaudia. Os que ainda estavam vivos, ao menos. Não havia um rosto neutro, um olhar perdido. Caçadores riam, civis entoavam versos da canção, e até um velho vendedor de milho, encostado à sua carroça tombada, batia palmas no ritmo da música, como se tivesse esperado anos por aquele momento.
Novos fogos de artifício explodiram nos céus, iluminando a cidade nas mais belas cores.
O festival da Grande Baleia Branca estava oficialmente aberto.
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