Capítulo 74 — Titã da Ira (4)
— Sabe por que eu lhe mostrei aquela memória no império Xin? — questionou Liam, no plano espiritual de Theo.
Durante o tempo que Theo meditou na preparação para a luta contra Selina, Liam apareceu para ele casualmente. Não era de seu feitio, mas ele agiu como um homem iluminado.
— Para exibir sua força, não?
— É… Também. Porém, se lembra do que aconteceu depois que deixei o ataque do Kishin atingir o império Xin?
Theo tentou se lembrar, mas suas memórias compartilhadas estavam um pouco bagunçadas para ele conseguir dizer ao certo.
— Eu podia parar aquele ataque, mas, por puro capricho… Eu deixei vazar. O ataque de alta pressão dizimou o pequeno império Xin, deixando apenas a montanha da mão do criador e alguns abrigos feitos às pressas para os refugiados…
Liam olhou para o céu limpo do plano espiritual.
— Eu podia salvá-los, mas deixei. O império se consagrou depois, graças aos que ficaram vivos, os desertores e novos refugiados de guerra. Mas… A imagem de quando cheguei lá não sai da minha cabeça.
O general fechou os olhos.
Estava tudo destruído. O império Xin, antes construído ao redor da cordilheira, estava totalmente planificado. Não tinha restos, entulhos ou cadáveres. Tudo tinha sido dizimado e iluminado pelo entardecer.
— Foi por puro capricho que escondi minha força, mesmo que eu fosse o mais poderoso por lá. Eu me distraí tanto querendo brincar com inferiores, que esqueci o perigo causado por eles.
Abrindo os olhos, suspirou.
— Durante todo esse tempo que você brincou de Theo, eu fiquei aqui no plano espiritual, armazenando as memórias da alma. Então, percebi algo durante todo esse tempo. Assim como você na vida passada…
— Não fale você ou eu como se nós fossemos um só.
— Mas somos. Quer você queira ou não. Enfim. Assim como eu, você estava agindo por puro capricho, até hoje. O capricho de ficar quieto, não usar o poder que a ti foi concebido. Olha, eu diria que em uns dez anos, caso você aceite que nós somos um, poderá ser tão forte quanto eu fui um dia. Nós poderemos.
— O que tá sugerindo é que…
— Deixe de agir por capricho, apenas porque sim, e ache uma resposta para o porquê está sendo assim. Tudo irá melhorar.
Theo se lembrou dessa “autossugestão” enquanto subia a escada. Sentindo o poder de Moris transbordando pela atmosfera, ele percebeu que um dos mais fortes não estava agindo por capricho.
O Titã da Ira, mesmo sendo o sétimo homem mais forte, não estava segurando nada da própria energia. Moris não estava se importando com a consequência que aquilo causaria a si, mas sim com o que aconteceria caso o monstro que ele está enfrentando alcançasse o grupo de Theo.
Capricho é apenas uma desculpa para a procrastinação espiritual, foi isso que ele concluiu ali.
“Tenho que entregar a minha alma, né? Deixar o sangue ferver… A energia fluir. Preciso ser a melhor versão de mim mesmo.” pensou, subindo cada degrau e olhando para o topo, onde a luz do sol encadeou sua visão.
⚕
— Lord Moris! — exclamou Canvill. — Ele está mais intenso!
Canvill subiu em uma torre, tentando fugir do dragão. A besta usou a cauda de chicote novamente, destruindo a torre inteira. O agente saltou do ponto mais alto da torre, porém, na queda, não havia mais nenhum local para ele cair em segurança.
Moris agarrou seu assistente pelos ombros e sobrevoou até o chão.
— Entenderam algo? — Canvill perguntou.
— Não — respondeu Zypher.
— Como não, caralho?! — O agente se alterou.
— Complicado. A energia dele não tem um ponto específico. Está espalhado por todo o corpo…
— É sério? — murmurou Moris. — Consigo enxergar dois pontos de energia…
Mesmo que ele tenha falado que não iria mais “brincar”, Moris é alguém que muda de humor facilmente. Desde o início o Titã sabia o ponto fraco, mas deixou que seus assistentes lutassem.
Ele era no mínimo inconveniente.
— E por que… — disse Canvill. — Por que o senhor não falou isso antes? Em? Hein?! — exclamou alterado novamente.
Moris evitou olhar para seu assistente.
— Eu enfrentei a porra daquele dragão!
O dragão voou para o céu, rasgando as nuvens apenas para ter uma visão ampla dos agentes.
— Vem algo grande aí — apontou Zypher.
Outra esfera de pura energia se formara na boca do dragão. Porém, invés da tonalidade alaranjada que teve no último ataque, aquele feitiço era de cor carmesim, com raios negros ao redor.
— Aquilo é néter — observou Moris. — Fiquem para trás!
O Titã voou para o céu, carregando sua mão com mana. Crescendo as garras da manopla, Moris rasgou o ar, deixando fios de energia como uma rachadura na atmosfera.
— Escudo da ira!
O feitiço explodiu para fora da boca do dragão, caindo para o chão como um míssil. A explosão, em uma determinada área, fora impedida pelo escuro conjurado por Moris.
Um clarão consumiu o céu, além de um estrondo destrutivo capaz de desmoronar as construções. Os agentes tiveram que fechar os olhos, e mesmo assim a visão deles estava clara como o dia.
Voando para cima do dragão, Moris pareceu se teleportar. Com um único soco, o Titã lançou a besta contra o chão, caindo como uma pedra. A gravidade quase foi contrariada. No mesmo instante, ele retornou para o lado de seus agentes.
— Tem um ponto de energia no núcleo do dragão, entre as asas. O outro, é o núcleo do mago. Acho que temos que destruir os dois pontos — indicou Moris.
“Ele… Defendeu uma explosão nuclear como se fosse nada?” Canvill pensou perplexo. Por ser um assistente novato do Titã, ele não tinha uma noção completa de como seu novo mestre agia, diferente de Zypher.
— Entenderam? Irei imobilizá-lo rapidamente.
Saltando para cima do dragão, Moris retornou a sua antiga ação, antes de ser interrompido pelo mago vermelho. Materializando um bastão em sua mão, Moris se posicionou ao mesmo tempo que o dragão retomava a consciência.
“Com certeza, se fosse o Grande Mestre Ethan… Ele já teria acabado com isso tudo. Achado o grupo do próprio filho e… Já teria vencido quem estiver por trás dessa fortaleza.” refletiu Moris.
— Você me superestima muito…
“Você acha? Depois daquela presença que senti…”
Em uma das memórias de Moris, o sol ofuscou o rosto de Ethan.
“O senhor parece tão inalcançável para mim.”
O bastão de energia na mão de Moris se transformou subitamente em uma enorme alabarda.
— Coroa de Azazel! — conjurou o Titã.
Uma quantia abundante de energia surgiu do solo, agarrando o corpo vermelho vibrante da besta e o prendendo contra o chão. Em segundos, a energia tomou uma forma material, similar a uma coroa que servia de algemas.
— Liberação máxima… Lança do Nephilim primordial!
O Titã atirou a lança exatamente no meio entre as duas asas do dragão. A lança atravessou as escamas da besta, feito uma tesoura extremamente afiada cortando papel.
A enorme orbe de energia, tal qual o núcleo de energia do dragão, foi lentamente penetrado pela ponta da lança de Moris. O núcleo dracônico foi totalmente dissolvido em energia, percorrendo interiormente o corpo do dragão. A besta agonizou de dor.
Essa é a única forma de matar qualquer ser; atingido seu núcleo de energia. Que, para os desviantes, é o mais fatal dos pontos vitais.
Canvill e Zypher subiram na cabeça do dragão, mesmo com a superfície turbulenta devido ao dragão agonizar de dor. Sacando uma espada de sua bainha escondida pelo manto branco, Zypher não pensou duas vezes antes de efetuar um corte de cima para baixo contra o mago.
No entanto, metros antes de alcançar o mago, uma barreira o parou. Um campo eletromagnético, para ser mais exato. A barreira travou a espada de Zypher solidamente, como se ele tivesse atacado uma pedra indestrutível.
Sorrateiramente, o dragão mexeu sua cauda, levando uma ponta afiada pelas costas de Moris, que, por sua vez, pousava ao lado da lança atirada no núcleo da besta. A cauda pairou no ar e então atacou, indo rapidamente contra o Titã, que percebeu no último segundo e conseguiu desviar por susto, voando para o lado.
Mas, Moris foi forçado a retornar, pois o golpe que ele acabou de evitar tinha Zypher como segundo alvo. Visando evitar o pior, o Titã atacou com uma investida rápida contra a cauda da besta, desequilibrando a direção do movimento. Ele agarrou a besta e voou com sua cauda para o mais longe possível.
Ao mesmo momento que se distanciava, ele ordenou:
— Destruam o segundo núcleo!
— Não é possível! — exclamou Zypher. — Tem uma barreira!
— Senhor Zypher! — exclamou o quarto membro do grupo, um perito alquimista. O homem, de aparência jovem, pousava na extremidade do nariz da besta, sendo levado por Canvill. — Ataque de novo!
Zypher sequer teimou. O agente rapidamente obedeceu ao pedido e atacou novamente na direção do mago.
Somente o perito notou, mas, das pontas dos chifres do dragão, um raio de energia vazou das extremidades e formou o campo eletromagnético ao redor do mago.
— É isso…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.