Capítulo 67 - Oferta

*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
— Que droga foi essa?
O copo batendo na mesa ecoou como um tiro dentro do crânio latejante de Ana. Ela pressionou as têmporas, sentindo cada batida do coração como se alguém martelasse por dentro. O corpo todo pesava, músculos tensos da falta de um descanso adequado, mas a cabeça era o pior — uma panela de pressão prestes a explodir.
— Você não pode me culpar. Foi azar chegarem nessa época do ano.
Pedro encolheu os ombros com a indiferença. A caneca de cerveja grudava em seus dedos, subindo e descendo em gulosos e exageradamente satisfeitos tragos enquanto ele ignorava o mundo ao redor. Ana revirou os olhos, sem disposição para prolongar a troca, afundando os dentes numa maçã murcha que, mesmo sem brilho, ainda carregava um traço doce — um pequeno consolo depois de quase virar estatística. Frutas frescas eram raridade em Leviathan, mas essas malditas maçãs insistiam em sobreviver, como se zombassem do caos ao redor.
— “Época do ano”? — A rainha mercenária cuspiu um pedaço de casca. — Não é a porcaria de uma cidade aberta pra todo mundo? Não tem nem sentido tentarem invadir!
— Ser “aberta” não é o suficiente, jovem. — O homem apoiou-se no balcão, os dedos manchados de respingo da bebida traçando círculos vagos na madeira. Seu sorriso era largo, quase teatral, mas os olhos não acompanhavam — duas fendas escuras, calculistas. — Leviathan não é só uma cidade. É um milagre flutuante, uma utopia móvel, um manifesto arquitetônico com impulsos homicidas dependendo de quem está aqui em cima. E, infelizmente, nem todos concordam com a forma como decidi… usar esse milagre.
Ana observou o jeito como ele falava, a voz suave demais, como se estivesse comentando o tempo e não o destino de milhares de pessoas. Havia algo ali — rancor, talvez, ou só o peso de quem carregava segredos grandes demais. Ela preferiu não perguntar. Em vez disso, pressionou o flanco, onde a dor voltava a lembrá-la de que seus problemas já eram suficientes.
— Tá, que seja. Mas ainda é impressionante. Domar algo tão gigantesco… você tá certo em manter.
O taverneiro ergueu uma sobrancelha, a encarando, mas ao notar que estava falando sério, gargalhou.
— Simbiose, minha cara, não domínio. Se tem alguém no comando, com certeza não sou eu. — Ele ergueu o copo, como se brindasse a um velho hábito. — Encontramos a baleia num mar congelado, pouco depois da travessia pra Aurórea. “Uma ilha tão silenciosa quanto a morte”, pensamos, o que era uma grande vantagem, já que silêncio era sinônimo de zero monstros por perto… isso durou até que alguém teve a brilhante ideia de cavar um poço para o acampamento. — Sua mão acertou a mesa, fazendo os copos saltarem. — Bum! Acordamos o gigante. Só que, em vez de afundar, ele subiu. Direto pro céu.
Pedro fez uma pausa. Os olhos perderam o foco por alguns segundos, mergulhados em alguma lembrança antiga. Quando voltou a si, a voz estava mais calma.
— Estudamos, adaptamos, colocamos runas pra sugar mana de forma minimamente funcional. E ela gostou disso, ou tolerou, o que dá na mesma. No fim, Leviathan decide para onde vai, ano após ano, sempre na mesma rota. — Deu outro gole, mais lento agora. — Quer dizer, era assim, pelo menos. Com o novo teletransporte, quem sabe? Talvez a baleia finalmente decida nos cuspir fora.
— Bom… ainda é um feito. Um mini mundo que dá voltas no mundo — murmurou, apoiando o queixo na mão, cansada.
— Pegou o espírito da coisa! — exclamou Pedro, com um gesto amplo que abarcava a vista da cidade através das janelas da taverna. — Desde que começou a cruzar os céus, essa baleia sempre atraiu todo tipo de sonhador, lunático e oportunista. Sempre deram um jeito de subir, sabe? E todos, sem exceção, trouxeram seus costumes, superstições, pratos exóticos e idiossincrasias. Olhe em volta. Um Frankenstein de culturas!
Após uma tosse vinda da animação, fez uma pausa calculada, deixando o silêncio pesar antes de continuar, agora com uma sobriedade que contrastava com o álcool no hálito.
— É por isso que não podemos deixar que desmorone…
A mulher milenar franziu a testa, os dedos tamborilando uma batida irregular no balcão encerado com a premonição de mais um pedido absurdo.
— Você, Ana, Patrona de Prata, apesar de ainda jovem, tem algo que falta aqui: disciplina. Não daquela variedade rígida e sem graça, mas do tipo que mantém pessoas vivas. Leviathan pode lhe oferecer muito… e talvez você tenha algo a devolver. Consideraria viver conosco por um tempo?
— Conheço uma coisa ou outra, mas… você mesmo não é capaz disso? Tá na cara que sua “coroa” é muito mais “nobre” que a minha.
Pedro soltou um ruído entre um suspiro e um riso.
— Reis nascem pelos mais variados motivos, e com certeza força não é a única forma de subir na hierarquia. Tenho meus próprios méritos como mercenário, é claro, mas infelizmente não estão relacionados a minha marcialidade.
— Que seja, não acho que posso ser realmente útil pro pessoal daqui.
— Mas é claro que pode! Quando se tem pessoas tão orgulhosas reunidas em um local tão restrito, o caos ganha primeiro plano, e nossos soldados não estão dando conta de manter a ordem. Não é surpresa, afinal a maioria se encosta só no aprimoramento da mana e aprendeu tudo na prática, o que é admirável, mas também limita. Não temos mestres. Temos sobreviventes. E esses raramente querem ensinar.
O homem deu mais um gole longo, observando a reação da garota.
— Quero você os treinando. Técnicas reais. Estrutura. Uma base decente. Recebendo um pagamento adequado, é claro.
A rainha de prata mordeu o lado de dentro da bochecha. A oferta era perigosamente tentadora — segurança, propósito, um lugar nessa metrópole lendária. Mas algo não encaixava.
— Soldados, não mercenários? — inclinou a cabeça. — O que um líder de companhia mercenária tem a ver com o quartel?
— Aqui não existe tanta diferença. Sou o taverneiro da cidade, afinal.
Os olhos de Ana estreitaram por uma fração de segundo. Taverneiros, já não se lembrava deles.
A ideia de se envolver mais com essa confraria de alcoólatras e estrategistas a deixava dividida entre o fascínio e a desconfiança. Mas havia algo ali, uma centelha de possibilidade que não podia ignorar.
— Preciso discutir isso com os outros. Pode me dar até amanhã para pensar?
Pedro levantou-se, equilibrando-se com a graça precária de quem exagerou novamente na quantidade de canecas.
— Claro. Mas não demore muito.
Seu sorriso era um convite e um aviso ao mesmo tempo, mas com isso, deixou-a ali, sozinha diante da própria reflexão e de um copo que, de repente, se estilhaçou em sua mão. Vidros cintilantes espalharam-se pelo balcão, pontilhando a madeira como estrelas caídas.
O CLT te ama.
— Ele não mencionou direitos trabalhistas, seu imbecil.
Sarcasmo não vai mudar o fato de que você está ansiosa para se enfiar de volta na coleira. Uma bela escravazinha da porra do sistema.
— Eu preciso de dinheiro pra ser livre…
Liberdade não se compra, burra. Você já é livre sendo livre.
— Cala a boca!
Desta vez, foi a garrafa já vazia que voou pela taverna, estilhaçando-se contra a janela com um estrondo satisfatório. O vento invadiu pelas fissuras, trazendo consigo o cheiro de chuva distante e o espetáculo sempre presente da cauda de Leviathan balançando contra o céu. Ana ficou parada, ofegante, observando as contrações musculares da criatura. Não importa o quanto encarava, não parava de ser fascinante.
— Você sabia, não é? — A pergunta escapou em um sussurro áspero, dirigida ao banco vazio ao seu lado. — Sabia que o mundo era vasto assim. Que existia tanto… mais.
Seus olhos, arregalados, focaram-se no sangue que começou a escorrer em fios finos por seu pulso, misturando-se ao suor e à sujeira da pele. Só então percebeu que estava se machucando. Relaxou os punhos, respirando fundo enquanto as unhas descravavam-se da pele.
— Seu beijo deveria ser um presente — continuou, a voz mais baixa agora, quase rouca. — Mas sentir meu corpo definhar, dia após dia… Isso é uma piada cruel. Cada nova maravilha que descubro só me lembra que um dia vou morrer sem ter visto tudo.
Uma lágrima teimosa escorreu, traiçoeira, dançando pela bochecha até encontrar o queixo, ela a limpou com um gesto rápido do dorso da mão, quase violento. Choramingar logo ao lado desse desgraçado? De jeito nenhum. Ainda não. Não tão cedo.
— RESPONDE, SEU ARROMBADO! — O grito saiu mais alto do que pretendia, fazendo até as garrafas atrás do balcão tremerem. — Como você ousa roubar minha eternidade quando ainda há tanto que não conheço? Como pode me condenar a um fim tão pequeno, Gabriel?
O silêncio que se seguiu foi absoluto. Até Leviathan pareceu conter a respiração.
Ana fechou os olhos por um instante, sentindo o peso dos anos — não os que já vivera, mas os que nunca teria. Quando os abriu novamente, havia algo novo em seu olhar: não resignação, mas uma fúria silenciosa, acesa como um pavio queimando devagar.
— Não tenho tempo para isso.
Erguendo-se com um movimento fluido, limpou o rosto com as mangas. As engrenagens do mundo estavam girando, e se a mortalidade era uma sentença, então cada passo que desse seria uma pisada no pescoço do destino.
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REESCRITA – TEMPORARIAMENTE SEM IMAGEM

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