Índice de Capítulo

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    Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina

    Capa Volume 1

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    Ana despertou com um solavanco seco. A mão encontrou a empunhadura antes mesmo da consciência se reorganizar. Num piscar de olhos, já estava com a espada em punho, os olhos ainda turvos, mas o instinto inteiro em ponto de ebulição.

    — Alguém entrou aqui! — A mercenária ruiva explicou. Estava agachada, alerta, o corpo todo em tensão como se o ar tivesse mudado de densidade. 

    Ana piscou algumas vezes, tentando forçar o foco na escuridão adensada da caverna. Viu silhuetas, vultos, talvez uma parede. Além disso, nada.

    — Quanto tempo eu dormi?

    — Umas cinco horas, pelo menos.

    Cinco horas. “Pareceram quinze minutos”, pensou Ana, quase soltando um riso abafado

    — Tem certeza que viu alguém?

    — Não vi. Ouvi. — A ruiva respondeu rápido demais. — Foi tipo pedra deslizando. Como se alguém tivesse aberto uma passagem. Tenho certeza.

    Ana não duvidava. A certeza nos olhos de Júlia tinha um peso que poucos sabiam carregar.

    — Certo… — murmurou, observando os irmãos adormecidos ao lado. Ao menos respiravam com alguma constância. A cor no rosto ainda não era de gente saudável, mas ao menos era de gente viva, o que já era uma promoção no estado em que estavam. — Acorda eles, temos que sair daqui.

    Felipe e Alex foram despertados sem muito drama. Só um leve sobressalto, seguido por aqueles três segundos clássicos de desorientação onde o cérebro precisa ser lembrado de que não morreu. Quando os olhos se abriram, Júlia imediatamente tapou suas bocas com as mãos e soltou um único aviso:

    — Quietos.

    Nem precisava pedir duas vezes. Ana também ouvira agora — um som rastejante, longínquo, mas ritmado. Algo que não pertencia à caverna, mas que insistia em estar nela mesmo assim. Os quatro se colocaram em movimento, ainda que com mais esforço do que gostariam de admitir. Alex quase soltou um xingo ao notar que Felipe estava sem perna, mas se conteve. Trocou um sorriso conformado com o irmão, que retribuiu, e seguiu o ajudando a se arrastar com uma destreza prática, o tipo de coisa que só se aprende depois de muitas situações parecidas — o que, por si só, dizia muito sobre a vida deles.

    Ana liderava, a faca na mão e o pensamento no limite. Mas o universo, como sempre, estava mais rápido.

    — O que estão fazendo aqui?

     A voz era calma, carregada daquele tom que não chega a ser sarcasmo, mas também não é exatamente cordial, uma estranha neutralidade passivo-agressiva que poucos sabiam aplicar com naturalidade. Havia um tom de surpresa ali, tão surpresa quanto o grupo de Ana ao reconhecê-la.

    O grupo parou. Ana parou. Todo mundo parou. E o nome veio, quase como um soluço coletivo.

    — Natalya?

    A figura da Colecionadora surgiu do breu com passos pesados. Acendeu seu cigarro vagarosamente, criando um único ponto incandescente que refletia nas lentes escuras de seus óculos.

    — O que estão fazendo aqui? — repetiu.

    — Nossa missão da igreja acabou com certos imprevistos… resumindo tudo, acabamos entrando nessa caverna por acid…

    Antes que pudesse terminar, Natalya avançou e, sem aviso, lançou um soco direto no peito de Ana. A mercenária desviou por instinto. O golpe passou perto o suficiente para levantar o tecido da camisa.

    — Mas que porra! — rosnou, recuando meio passo. — Tá maluca?

    — Não entenda errado — disse a exilada, em uma voz apática.  — Não tenho nada contra você. Só… chamou atenção demais. Devia ter se livrado disso antes que… bom, antes que voltássemos a nos ver. — apontou para a arma negra com o cigarro. — Agora não tem mais o que fazer.

    — Como não? É só você me deixar em paz, ué.

    — Bom… eu não tenho escolha — Natalya levantou as duas mãos num gesto de desculpas. 

    Ana — por mais estranho que pareça — sentiu a sinceridade naquelas palavras. Ainda assim, sentiu também a ganância que vinha de trás daqueles óculos ao notar que a faca havia crescido ainda mais.

     Infelizmente, não parecia que teria tempo de dialogar com a outra parte. 

    — Ainda não terminei o que vim fazer aqui, então espero que me perdoe por apressar as coisas.

    A frase saiu ainda mais relaxada que as anteriores. O corpo, no entanto, começava a se aquecer. Não em um sentido figurado, mas literal. Natalya deu dois pequenos saltos no mesmo lugar, como uma boxeadora prestes a iniciar o combate no ringue. Chacoalhou os braços, e com o gesto uma vibrante luz alaranjada começou a traçar linhas sob sua pele sintética, surgindo no peito, subindo pelas laterais do pescoço, até invadir os braços e explodir nas pontas dos dedos. Um vapor denso e quente começou a escapar de seus poros como se a carne — ou o que restava dela — estivesse prestes a evaporar.

    Avançou.

    Os socos eram rápidos e precisos, muito mais rápidos do que Ana se lembrava, e isso porque confiava que estava se lembrando bem. A facilidade com que visava seus pontos vitais demonstrava uma destreza impressionante.

    “Mas que filha da puta!” Ana estava irritada. Esquivava-se continuamente, tentando retalhar com sua espada curta, mas sua visão não conseguia acompanhar os movimentos, impedindo até mesmo de formular pensamentos além de xingamentos brutos. Não dava nem para pensar em estratégia — cada desvio era uma decisão desesperada.

    E quando não conseguia desviar… bom, acertos deixavam lembranças. A dor era aguda, suja, e vinha com estilhaços de carne sendo arrancados por pequenas saliências afiadas nas juntas das próteses.

    Júlia correu para ajudar assim que seu cérebro cansado entendeu a situação. Correu com tudo, músculos se expandindo, os olhos gritando urgência. Girou a espada num arco largo, colocando todo o peso do corpo naquele golpe. Se fosse outro inimigo, talvez tivesse sido o fim. Mas o braço metálico de Natalya simplesmente absorveu o impacto como quem se irrita com uma folha grudada na roupa.

    — Maldita! — a arqueira ruiva gritou, já em desvantagem. A resposta veio imediata, prática e sem floreios: um soco direto no estômago. O impacto a levantou do chão — e não no sentido poético. Por um breve segundo, Júlia flutuou como se a gravidade tivesse tirado férias, só para logo em seguida ser puxada de volta com um baque que mais parecia um tapa no orgulho. Cuspindo sangue e o que parecia ser parte de um almoço que ela jurava não ter comido, a ruiva se encolheu, tentando achar ar, conforto e dignidade, nessa ordem, e fracassando nas três tentativas.

    Alex chegou logo depois, ainda um pouco trôpego, mas mantinha uma postura firme. Aproveitou o espaço aberto pela amante e, vendo Ana também iniciar um novo contra-ataque, desferiu um golpe de suas manoplas em direção ao rosto da Colecionadora. Desviando por milímetros dos ataques simultâneos, a mulher girou seu esbelto corpo, desviando a espada curta de Ana com o antebraço e, no mesmo giro, acertando Alex com um poderoso chute.

    — Felipe, agora! — disse, ou melhor, arfou. O som agonizante de suas costelas se partindo não foram o suficiente para impedir que Alex, com tudo que restava de sua força, somado a tudo que aprendeu de vajramushti no último ano, agarrasse  firmemente a perna de Natalya. Não era elegante, mas funcionava.

    Felipe havia lentamente se arrastado para perto da luta, e isso já foi mais que suficiente para fazê-lo ofegar de dor. Ainda assim, se forçou a erguer o braço. Sua prótese brilhava em um tom quente, vibrando com energia acumulada. Usou a perna que ainda tinha para se lançar em um pulo torto e corajoso. Mirou. Disparou.

    E não errou.

    A bala atingiu a mulher à queima-roupa, e o jovem caiu para trás com uma complexa expressão de agonia. Natalya cambaleou por um instante, surpresa não pela dor — que pareceu não sentir —, mas pela eficiência do golpe. Uma rachadura fina surgiu em seu antebraço, bem onde o impacto havia batido. Ela arqueou uma sobrancelha. Um reconhecimento silencioso, mas não um recuo.

    — Eu já te disse que com essa porcaria você nunca vai conseguir nada — murmurou no ouvido de Felipe ao alcançá-lo no chão. Sua voz era baixa, quase doce. — Se quer ser uma máquina, essa máquina também precisa ser você.

    Ergueu o garoto com uma facilidade que beirava o insulto. Nem raiva havia no gesto — só método. Ele tentou reagir, é verdade, mas qualquer impulso foi imediatamente derrotado pelo corpo em colapso.

    Segurando-o pelo que sobrara de digno, a exilada começou a puxar. Não com crueldade teatral, mas com a firmeza de quem entende engrenagens. O som dos ligamentos cedendo veio primeiro, depois o som áspero da carne rasgando, e por fim, o estalo seco do osso no ponto onde se ligava à omoplata.

    Depois, silêncio. Um silêncio pesado, úmido. Felipe não gritou. Nem sequer teve tempo. Seu rosto ficou pálido, os olhos reviraram. E então, só restou um corpo mole caindo no chão, sem resistência, sem peso. Uma presença esvaziada de si mesma.

    Alex caiu de joelhos logo depois, e não foi só por exaustão física. A cena tinha roubado algo que ele não sabia que ainda tinha: estrutura. Tentou rastejar até o irmão, mãos trêmulas, olhos fervendo em um misto de dor e raiva. Nenhum dos dois ajudava muito. Ao seu redor, o mundo parecia distante, como se tudo estivesse acontecendo em outra frequência — uma onde ele não conseguia mais se sintonizar.

    Natalya, curiosamente, não se deu o trabalho de acabar com ele. Talvez por desprezo. Talvez por cálculo. Talvez por uma pontinha de sadismo educado.

    Ana, por outro lado, não estava no clima da contemplação. Voltou ao ataque com a precisão de quem sabia que qualquer erro podia custar tudo. A lâmina avançou em um corte lateral. Natalya bloqueou com a parte de trás da mão, sem nem perder o cigarro no canto da boca, mas a força do bloqueio lançou Ana para trás.

    Quase perdeu o equilíbrio, mas se manteve em pé por pouco, rangendo os dentes. Queria gritar, perguntar o que diabos Natalya estava tentando provar. Não por curiosidade genuína, mas porque, ainda estava tentando decidir qual das milhares de novas estratégias que passavam pela sua mente funcionaria.

    Desistiu rapidamente. Nada do que pensava aumentaria a esperança de sobreviver contra a psicopata a sua frente.

    A distração do pensamento, no entanto, cobrou seu preço. 

    Não teve tempo de desviar completamente do golpe — veio de baixo, rápido demais, mirando seu queixo com uma intenção clara. Felizmente o som do ar sendo empurrado chegou antes do soco, e em um movimento estranhamente belo, a rainha mercenária saltou lateralmente, usando o próprio punho — que naquele instante esmagava sua cara — como ponto de apoio. Em meio a acrobacia improvisada, seu rosto passou rente ao da inimiga — um flash de calor, ódio e surpresa condensados em dois olhares que se cruzaram brevemente no ar.

    E então ela viu.

    Lá embaixo, atrás do caos, a postura de Alex, antes tão imponente, parecia minúscula enquanto chorava desesperadamente sobre o corpo de seu irmão, pressionando com trapos sujos uma ferida que não parava de sangrar. O chão ao redor já era mais poça do que pedra. Júlia, ao seu lado, tentava erguer-se com pernas trêmulas, mas seu corpo curvado deixava claro que os danos internos não eram pequenos.

    “Eu devia ter simplesmente voltado a trabalhar atrás de uma mesa”.

    Pousando atrás da Colecionadora, pensamentos pouco importantes começaram a surgir na mente.

    “Não vivi tanto tempo sozinha só pra morrer nas mãos de lunáticos”.

    A visão oscilou. Breu nas bordas, pequenos apagões no centro. Mas o ar frio entrando nos pulmões tinha um efeito mais forte do que se esperava. Era quase medicinal. O sangue na boca, de gosto ferruginoso e familiar, parecia dar um tipo estranho de lucidez.

    Olhou em volta, como se visse a si mesma em terceira pessoa. Aquele trono ali ao lado, todo o clima sombrio, o chão distante logo abaixo… Tinha cara de cena final. Daquelas feitas para morrer com estilo.

    Então veio o gancho. Um soco direto abaixo das costelas.

    O tipo de dor que reorganiza opiniões, quebra promessas e arranca pequenos grunhidos que não combinam com a dignidade de uma rainha mercenária.

    De canto de olho, viu a massa de ferro se aproximando para mais um golpe. Se preparou para o inevitável quando, com um pequeno passo em falso para trás, escorregou pela borda do penhasco.

    “Ironia divina, né?” Pensou, e sorriu, refletindo sobre a agitada vida que teve nesse último ano. “É realmente um nome perfeito.”

    Seu rosto, até então em tensão absoluta, relaxou. Não por resignação. Mas por um tipo torto de alívio. Um gesto involuntário — talvez de desdém, talvez só reflexo — fez com que seu dedo médio se erguesse enquanto o corpo despencava no abismo. Um último protesto. Um adeus pouco elegante, mas incrivelmente sincero.

    Natalya foi pega de surpresa. Interrompeu o pesado golpe que estava dando e tentou, ao menos, agarrar a elegante espada negra em um movimento urgente, mas foi parada por Júlia, que com um último esforço, cravou sua espada-arco em seu abdômen. O impacto da ativação fez o corpo da exilada recuar um pouco. Não o bastante. Mas suficiente.

    — Você é realmente persistente.

    A resposta de Natalya não veio com pressa. Um golpe sem emoção atravessou o peito da guerreira ruiva. O brilhante punho surgiu em suas costas, e o vibrante sangue escarlate pingando acompanhou o som de um último gemido abafado. Júlia arregalou os olhos. Depois, os fechou.

    Seu corpo foi jogado de lado, sem a menor cerimônia. Um fardo descartado.

    Ana, mesmo em queda, viu. Viu o brilho sumindo dos olhos da amiga. Viu Alex correr, tomado de uma fúria sem cálculo, o rosto um borrão entre lágrimas e sangue. E então não viu mais nada.

    A sensação de queda parecia interminável, o vento rugindo em seus ouvidos suprimia todos os outros sons. Seu corpo girou no vazio, e por um momento, tudo parecia suspenso no tempo. 

    E por mais estranho que parecesse… ela estava alegre.

    Talvez por ainda respirar. Talvez por, finalmente, não ter que decidir nada. Era bom não ter para onde correr, não ter planos nem metas. Só cair. Cair, e deixar que o mundo se vire com o que sobrou.
    Mas as lembranças quebraram o momento. Júlia caindo, Felipe sendo desmembrado, Alex lutando contra um inimigo impossível — tudo pulsava em sua mente como uma ferida exposta.

    E então, sobrou o ódio. Não um ódio explosivo. Era mais denso, mais velho. Um que já cansou de gritar, mas nunca deixou de existir.

    Ela fechou os olhos.

    — Adeus, mundo — murmurou.

    Começou a cantarolar baixinho, aceitando a escuridão que a abraçava por todos os lados.


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