Capítulo 55 - Oferendas para o deserto.
As escarpas brilhavam alaranjadas sob o sol de Assh’hur, que desaparecia no horizonte dourado, dando aos homens que morreriam aquele dia, um último vislumbre de sua luz.
Muralhas de rochas cercavam o que sobrara do acampamento, que fora armado em um vale natural em meio ao labirinto de rochas.
Burak sorria. Tudo o que mais desejava era descer por entre o aclive em que estava, com espada e escudo em mãos, e ofertar sangue ao deserto. E assim ele o fez, sendo seguido por cento e cinquenta homens, treinados para matar, dispostos a morrer.
Outros cinquenta ficaram para trás, protegendo a retaguarda. A qual era formada por esses homens, o feiticeiro, e um punhado de abençoados de importância inferior. Os quais haviam diminuído nos últimos dias.
“Abençoados”, Burak riu ao pensar nessa palavra, afinal, quantos desses supostos abençoados poderiam vencê-lo em combate?
Podia ver os inimigos abaixo. Soldados envoltos em mantos puídos, se amontoando sobre a pilha de areia trazida pela tempestade.
Ele se aproximou da primeira linha de homens encapuzados, que de algum modo, haviam se organizado em uma formação defensiva. Escudos redondos enfileirados, lado a lado, com lanças apontadas para frente. Alguns empunhavam cimitarras, outros apontavam arcos.
Armas letais, Burak percebeu, e ele as desejava.
A areia e o vento do feiticeiro deveriam tê-los desordenado. No entanto, ainda eram capazes de reagir de tal forma. Formidável, ele pensou, apressando seu passo em direção ao inimigo, em direção a batalha. Em direção ao juízo de Assh’hur sobre todos os homens.
Seus pés afundaram na areia recém caída. Era difícil continuar com o avanço com tamanho peso em seu corpo em um terreno tão instável. Cada passo mais difícil que o outro. Mas Burak era um guerreiro do deserto. Estava acostumado a areia.
A cinco passos da fileira inimiga, Burak sentiu flechas o atingirem, ricocheteando na armadura de bronze. Desviou do estocar de uma lança, e, com um poderoso golpe de sua cimitarra, quebrou o escudo do inimigo mais próximo, reduzindo-o a um amontoado de lascas.
O impacto fez o inimigo ser empurrado para trás, somente se mantendo em pé devido ao apoio dos soldados em suas costas. Isso até que um segundo golpe de Burak rasgasse sua armadura de couro, e um terceiro fizesse sangue escorrer de seu pescoço, o fazendo cair morto, enquanto o próximo da coluna tentava preencher o vazio deixado antes que buraque avançasse.
Um esforço vão.
A coluna estremeceu quando o resto dos guerreiros que acompanhavam Burak a atingiram. Escudos foram quebrados, lanças foram partidas, e espadas rasgaram malhas, couro e carne.
Pelo menos uma dezena de seus homens foram empalados por lanças. A maioria, porém, continuou o avanço, empurrando o inimigo.
Burak sentiu o cheiro inebriante de sangue no ar enquanto seu braço descrevia arcos, arrancando lascas de madeiras, e gritos de dor de seus inimigos.
As armaduras de couro o frustravam. Não eram tão resistentes quanto a sua, mas cumpriam bem o seu papel. Ele tinha que desferir mais de um golpe com a espada para que um inimigo morresse. Poucos de seus homens tinham acesso a armaduras, e menos ainda eram as que estavam em bom estado.
Isso o fazia desejá-las também.
As lanças o atingiram, sendo repelidas pela armadura de bronze. Algumas a atravessavam. Ele sentia as pontas cutucá-lo através do colete de malhas que usava por debaixo da couraça, parando antes de alcançarem sua pele.
Ele sorria cada vez que as sentia. Era um lembrete da proteção que lhe fora concedida por Assh’hur no dia em que o estrangeiro fora exilado.
Ele bateu com seu escudo contra o rosto de um soldado inimigo, desequilibrando-o, e um de seus homens empalou-o com uma lança que ele roubara de um dos mortos inimigos.
Uma prática muito útil.
O soldado soltou um último suspiro, e expirou, com seu sangue manchando a areia.
O homem de Burak sorriu ao retirar a lança do corpo, até ser acertado na cabeça por uma flecha inimiga, e cair no chão, ao lado.
Burak afastou-se da linha de frente e olhou na direção dos arqueiros, que se postaram nos flancos, ao redor de onde a batalha acontecia.
Viu-os dispararem ininterruptamente contra os seus homens, tirando-lhes o ímpeto.
Ele olhou para uma direção e ergueu o braço em um gesto. Um de seus homens, atrás dele, viu o gesto e repetiu, sendo seguido por outro, até que o sinal chegasse ao seu destino.
Uma tática interessante trazida pelo estrangeiro.
Um instante de tempo depois, que pareceu uma vida, uma parte de sua força, a qual se seguia a investida, se separou e avançou sobre os flecheiros em ambos os flancos.
Burak viu um dos homens avançar sozinho, à frente de todos os outros. Apesar de flechas e armas o atingirem, ele não parou, dilacerando membros de corpos, sem a menor hesitação, com uma força anormal.
Um abençoado, Burak percebeu. E do tipo útil em combate, algo que ele apreciava.
Os defensores recuaram após seus flancos serem esmagados dessa forma, e Burak se aproveitou da oportunidade, lançando-se novamente ao ataque, como um gato do deserto, certo de que sua presa estava ao alcance.
Poderia tê-los esmagado, mas uma parte deles continuou firme, reagrupando-se de forma que um espaço se abrisse em sua formação, atraindo uma dezena de homens de Burak, que em seguida gritaram em desespero ao serem atingidos por uma dúzia de lanças.
Outros buracos apareceram na coluna, e, da mesma forma, os homens de Burak, neles, entraram e morreram.
Burak passou seus olhos pelo inimigo e percebeu em um ponto específico, por onde os movimentos inimigos começavam.
Outra coluna de poeira se ergueu na retaguarda do adversário, e Burak percebeu o que isso significava, decidindo reagir a tempo de impedir o que em breve aconteceria.
Ele percebeu um buraco aberto, e avançou, acertando a lateral da coluna em que o movimento havia sido realizado, libertando os soldados presos lá dentro e causando caos na formação inimiga.
Ele se aproveitou desse momento de caos e seguiu, com a cimitarra a balançar, na direção do ponto em que os movimentos inimigos eram originados, notando que os soldados ficavam cada vez mais aguerridos e ferozes a cada passo que dava.
Gritou, buscando aumentar o ânimo dos que o acompanhavam. Precisavam derrotar aqueles homens logo, antes que os reforços chegassem.
Ele se aproximou do homem que parecia comandar os soldados. Era jovem, não aparentando ter chegado aos trinta anos, e não parecia um guerreiro, tendo um corpo tão raquítico quanto os rapazes que trabalhavam na plantação de cactos.
Estava manchado de sangue e poeira, e gritava ordens a plenos pulmões. Uma visão que gerava a mais profunda admiração em Burak.
Seu sangue ferveu, desejoso pelo do rapaz. Ele o mandaria como oferta para Assh’hur.
Burak avançou. A espada cortava tudo o que se movia à sua frente, até que o comandante inimigo estivesse ao alcance.
O rapaz reagiu bem a tempo, erguendo ele próprio sua lâmina.
Burak riu consigo mesmo, pensando no quão curiosa era aquela resistência. Ele matara tantos jovens como este, desta mesma forma, mas poucos se demonstraram tão valorosos em suas reações, mesmo que o resultado não fosse ser mudado.
As armas se chocaram, e Burak sentiu o seu braço ser empurrado com uma pressão surpreendente. Um segundo golpe atingiu seu ombro esquerdo, fazendo seus ossos doerem, e seus pés vacilarem na areia.
“Um maldito abençoado”, percebeu.
Um terceiro estava a caminho de sua cabeça, quando Burak recuou um passo, cambaleando para trás, quando seu pé afundou na areia.
Ele se manteve em pé devido aos soldados que estavam nas suas costas.
O jovem girou seu braço mais uma vez e Burak ergueu o escudo para receber a lâmina.
Lascas voaram, e Burak sentiu a dor do braço se quebrando mesmo com a proteção da armadura. Seu corpo se dobrou devido a força do impacto, e sua outra mão quase soltou a espada que empunhava. Deu passos vacilantes, e sacudiu a cabeça, tentando recuperar os sentidos.
O jovem se aproximou, erguendo a espada mais uma vez. Seria o último golpe, Burak percebeu. Ele ergueu a espada, desejando que Assh’hur o recebesse de bom grado após a batalha.
Mas o golpe não veio. Ao invés disso, ele sentiu sua espada acertar o jovem, que estava de guarda baixa, atingindo-o na armadura de couro, por baixo do manto. O jovem caiu, mas não pareceu ser por causa da espada de Burak
Parte dos soldados inimigos ao redor também caíram sobre os joelhos, tornando-se alvos fáceis para os homens de Burak, que não desperdiçaram a oportunidade.
Burak olhou para a retaguarda, lembrando-se do feiticeiro. E, com a boca a amargar, se aproximou do comandante inimigo, com a intenção de oferecer a carne do jovem para o deserto, e o espírito a Assh’hur.
Isso, até sentir o caos se instaurar por detrás de suas próprias fileiras, e perceber que os reforços inimigos o haviam atacado pelas costas.
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