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    Desde que os mortais ganharam ciência do divino, o inferno se tornara seu maior medo. O medo de sofrer por suas próprias ações eternamente. Existem, na verdade, três tipos de inferno.

    O inferno de Hel — Helheim —, o local ao qual não está ligado ao mundo espiritual diretamente. Para Helheim, vão apenas o corpo dos mortos, onde não há almas diretamente. Os povos antigos acreditavam que, ao realizar o ato do sepultamento, os cadáveres deslizavam pela Yggdrasil até chegar no reino inferior, onde seriam condenados fisicamente. Os corpos não possuem uma consciência exata da alma enquanto vivos, por isso, Hel os treina para que, futuramente, use todos os mortos como soldados de seu exército no Ragnarok novamente.

    O inferno de Baalzeth — o inferno verdadeiro —, o local onde as almas passam pelo caminho de reestruturação, caminhando pelos 9 ciclos do inferno até chegarem no fim, onde supostamente há a libertação. Este inferno é comandado por sete príncipes e três reis, sendo o maior dos reis o próprio inferno; Baalzeth. Durante a caminhada, muitas almas caem e se tornam o que os humanos chamam de daemons.

    Por fim, o inferno de Hades — O Tártaro —, onde as almas são julgadas e pagam por suas ações por toda a eternidade. No Tártaro, também conhecido como submundo, existem três juízes para cada reino mortal da Yggdrasil. Estes juízes são encarregados, além de condenar as almas, de selecionar as almas mais poderosas para o exército de Hades.

    Todos os três infernos tem algo em comum: estão criando seus próprios exércitos. Para o submundo, o Tártaro, o inferno de Hades é chamado de Espectros. Seres espirituais selecionados para abalar o mundo físico, embora essa não seja realmente sua maior missão. Espectros também existem para lembrar aos vivos que o pós-vida existe e que em breve estarão lá.

    Por isso, um dos três juízes do reino de Alvheim, o mundo dos humanos superiores, Toiras, apareceu diante de Liam Mason naquele instante, acompanhado por nove assombrações.

    — Odeio repetir minhas ordens — disse Toiras. 

    Liam engoliu em seco, recompondo a coragem.

    — E se eu rejeitar? — questionou Liam.

    Uma das assombrações ergueu uma lança negra em direção a Liam, tal que se estendeu pelos vinte metros que os separavam.

    — Você não tem opção de escolha — retrucou o juiz

    — Então vamos criar opções.

    Segurando na ponta da lança, Liam alterou um vetor para servir de lâmina e quebrar a lança ao meio. Pegando na ponta da lança, o general a usou como projétil contra a própria assombração, servindo como distração para ele escapar.

    Toiras resmungou.

    — Lutem na mesma intensidade que ele. Se ele decidir lutar para matar, que assim seja.

    As nove assombrações saltaram contra Liam; nove manchas que contorcem o espaço deixaram um rastro inconfundível para trás.

    Desde que Liam caiu com Nihaya para o abismo, o djinn deixou um contra-ataque para trás. Após romper a barreira de oração erguida por Aidna, Nihaya ordenou — através de uma ligação de mana — que seus tubarões atacassem novamente. No entanto, ao invés daqueles tubarões “fracos”, os que emergiram do mar foram tubarões de diamante vermelho.

    Cinquenta vezes mais sanguinários que os iniciais, cinquenta vezes mais fortes.

    Selina abandonou suas flechas para atacar com a zweihänder que deveria estar com Theo, encantando sempre com as sombras de Alunne, tais que também formavam seu véu lunar. Com sua máscara e véu lunar ativados, por estar de dia, Serach não tinha acesso a 100% das bênçãos de Alunne.

    — Não permitam que eles nos encurralem! — ordenou Bastien notando que ao tentarem se defender dos tubarões, os agentes estavam se agrupando no centro do que restava da plataforma, permitindo que os tubarões formassem uma parede ao redor deles.

    Aplicando energia na lâmina, Bastien investiu contra os animais tomando a frente de seus defensores. Buscando um ângulo simétrico, conjurou:

    — Ignição; sétima configuração… — De costas para os tubarões, apoiou o calcanhar esquerdo no chão e girou para o exército de animais balançando sua lâmina. — Lamina della morte!

    Cortando o ar em direção aos tubarões de diamante vermelho, uma lâmina de energia se expandiu da espada de Bastien e cortou todos os animais de mana.

    “Um ataque em área de morte súbita…” O defensor se admirou.

    Embora tenha matado mais de cinquenta tubarões com aquele corte, mais animais continuavam surgindo do mar.

    Bastien guardou a espada em sua bainha novamente.

    — Serach! — chamou Jack. — Distração!

    Selina arrancou em direção aos tubarões, banhando a zweihänder com uma energia roxa. Deslizando entre os tubarões, cortou a todos com movimentos limpos; ela se movimentava em passos de dança entre os animais, deixando projeções de si mesma para trás. Era impossível acompanhá-la.

    Girando suas mãos em retorno de si, Jack espalhou uma fina camada de gelo pelo piso, posteriormente, deformou o piso em uma parede de gelo similar a um iceberg.

    — Não temos muitas opções… — disse Jack, recuando.

    — Vou atrás do Theo — avisou Selina.

    — Eu acompanho — disse Aidna.

    Bastien retornou para o lado dos três, deixando os defensores na barreira.

    — Todos iremos. — Bastien estava ofegante. — Gastei uma quantidade enorme de energia. Não vamos vencer esses bichos com facilidade.

    Aidna olhou para o abismo, sem enxergar uma única fonte de luz. Contudo, uma pressão estranha vazava do local. Escapava pelos buracos no piso como uma névoa invisível à olho nu, tingida por um preto e cinza incapaz de serem processadas.

    — Vamos.

    — E como nós teremos certeza da sobrevivência? — Um suporte exclamou. Era um bom ponto; eles não sabiam o que teria no fim do abismo. Sequer continuariam vivos?

    A druida ergueu a mão, criando um pequeno vórtice em sua palma.

    — Mais algum anemo? — perguntou. Ninguém levantou a mão. — Estejam preparados. Vou querer comida para um ano!

    Aidna criou uma corrente de vento entre todos os agentes, empurrou todos para o abismo. Notando a pressão do ar, Selina correu e pegou a mochila de Theo antes de cair nos buracos do abismo.

    ☽✪☾

    Correndo por um cenário rochoso, Liam manteve a própria presença oculta das assombrações. No entanto, foi em vão. Os espectros sentiam o odor da alma de Liam; algo próximo aos espectros, podre, transmitindo a morte em personificação.

    Um espectro tentou acertar Liam pelas costas, no entanto, o general previu.

    Girando bruscamente para trás, Liam defendeu um soco com o antebraço direito, tentando acertar um jab de esquerda do rosto da assombração enquanto este defendeu. Buscando aumentar a distância entre os dois, Liam chutou o estômago do espectro.

    Repentinamente, uma lâmina negra atravessou o corpo do espectro, crescendo em direção a Liam. O general usou uma explosão de vento para se afastar.

    Jogando o corpo do espectro para o lado, outra assombração retirou a lâmina negra e avançou contra Liam; metade do corpo era constituído por uma névoa, enquanto a parte superior permanecia com uma armadura preta e fosca. O espectro diminuiu a distância entre eles num piscar de olhos.

    Pulando enquanto girava em torno de si, Liam chutou a cabeça do espectro e o jogou para longe.

    Pousando no chão e recuperando a visão, o general olhou para o ambiente e cuspiu. Limpando os lábios, notou o primeiro espectro se levantar mesmo após ser apunhalado.

    “Eles não morrem para as próprias armas. Beleza.” 

    Se recuperando, Liam esvaziou os pulmões rapidamente. Balançando o pescoço, praticamente fez um alongamento antes de encarar os espectros.

    Uma tempestade de sombras rodeou Liam tornando todo aquele cenário, já escuro, em um breu absoluto. Acompanhando nove vultos formarem todo aquele show de escuridão, exclamou:

    — Vamos, avancem! Oh grandiosos cavaleiros da morte! — Havia deboche na voz de Liam.

    Os nove vultos pararam, mostrando um espectro diferente parado em cada lado de Liam. Eles formavam um círculo ao redor do general, com apenas um no centro parado em sua frente.

    — Saiba de uma coisa, armadura ambulante…

    Tomando seus olhos, Liam foi dominado por uma antiga memória. Uma criatura, jamais registrada em seus dois reinos convividos, montado em um cavalo amarelo. Sua própria existência apagava o sentido de espaço, onde sequer havia razão de viver. Tudo que entrava em contato com o ar que ele respirava, morria subitamente.

    Morte, sim. Esse é o termo correto para se referir à aquele ser. A quarta vinda ao mundo… O Cavaleiro da Morte. Liam se sentia bastante feliz por lembrar que morreu pelas mãos de um conceito vivo. Afinal, para o homem que era superior às leis do próprio universo, nada melhor para trazer seu fim do que a ausência de tudo.

    — Eu morri para a própria Morte, vocês são somente soldados contra um exército de um homem só.

    ‘Exércitos não são invencíveis.’

    O espectro avançou contra Liam que, em um movimento ligeiro, se jogou no chão e virou para cima, deixando que o espectro voasse por cima de si. Criando um ponto de pressão em seu braço, o general conjurou uma lâmina de ar que atravessou o espectro no timing perfeito.

    Aproveitando o momento do corte, agarrou os chifres da armadura e se jogou pelo chão, caindo em cima das pedras. Liam e o espectro lutaram no chão para se levantar, porém, o ex-general conseguiu sair vitorioso. Pondo a perna por cima do tronco da assombração, ele conseguiu se levantar e agarrar os chifres no elmo.

    Usando o peso do próprio corpo, encaixou o joelho direito na garganta do monstro e pressionou. Puxando brutalmente os chifres, Liam acrescentou energia na condução de força. O espectro debateu contra Liam, batendo em suas pernas enquanto o general não se importava; continuou arrancando os chifres lentamente.

    As armaduras, embora aparentassem ser apenas isso, eram na verdade o próprio corpo dos espectros. Qualquer dano causado na armadura, causaria dor física nos soldados do Tártaro. 

    Era irônico para Liam: fantasmas sentem dor.

    Normalmente, Theo não sentiria nada além de remorso daquele espectro sofrendo. Óbvio, mesmo sendo uma espécie de monstros para os humanos, o rapaz ainda tinha algo que Liam jamais terá: sentimentos e emoções. Se prender à humanidade era o que o tornava tão talentoso, mas, era o que enfraquecia também.

    No entanto, Liam estava pouco se fodendo para o sofrimento do espectro. Ele manteve a pressão na garganta enquanto puxava brutalmente os chifres da assombração, ao mesmo tempo que este gritava e agonizava. Talvez isso trouxesse a felicidade desejada para o general Mason.

    Um líquido viscoso subiu para o ar, desintegrando-se em névoa acima dos cabelos de Liam. O último grito da assombração foi abafado pelo próprio desespero.

    Ficando de pé, Liam segurou os dois chifres em suas mãos. Apenas um brilho carmesim escapou por seus olhos enquanto o sangue do espectro pingava de seus dedos. Mason suspirou um ar gelado.

    — Venham todos — ordenou Liam.

    Os oito espectros avançaram de vez contra o general, iluminando o ambiente com uma troca de golpes estrondosos.

    O choque resultante dos golpes de Liam nas armaduras vivas, somado aos impactos das armas dos espectros batendo umas nas outras criaram aquele show de luzes que chegou aos olhos do juiz infernal e de Nihaya.

    O djinn, inclusive, estava sentado observando tudo aquilo. Nihaya estava suprimido, já que não desejava o fim de Liam. Naquele momento, ele queria o trazer com vida e tirar suas próprias conclusões. 

    Porém, seu momento com o ex-general foi quebrado pelos espectros e o juiz. Restou apenas ficar olhando de longe, ou tentar fugir, mas pensar nessa última possibilidade fazia suas entranhas se embrulhar.

    — Djinn — chamou Toiras. — Traga-no com vida. Responderei a todas as suas perguntas.

    Nihaya suspirou fundo, sentado e refletindo.

    — Vai fazer pouco caso? Estou ordenando que faça. Sabe bem quem sou, então obedeça.

    ‘Você é uma entidade infernal, isso está claro’ disse Nihaya. ‘Entretanto, o que vai fazer se eu desobedecer? Djinns são seres que mantém a ordem da energia universal na linha, para matar um djinn é necessário criar outro djinn. Vocês ainda não sabem como criar outros djinns, por isso precisam de mim.’

    Toiras coçou a garganta.

    — Você está em outra dimensão, em um domínio, não há tanta diferença.

    ‘Fazemos diferença em qualquer dimensão, domínio ou reino espiritual. Somos nutrientes para a Yggdrasil. No entanto, mesmo os homens mais evoluídos têm problemas com certas coisas.’

    — O que você deseja extrair de Liam Mason?

    Nihaya se levantou de onde estava, olhando para Toiras de cima.

    ‘Djinns evoluem para o status de Todo-Poderoso. Liam Mason nasceu com esse status espiritual. Ele é um homem onipotente; nunca precisou treinar ou estudar para ficar forte. Ele sempre foi forte. O que quero saber dele é: como ele reencarnou e manteve seu status espiritual.’

    — Eu posso te responder…

    Antes que Toiras pudesse propor, Nihaya não disfarçou suas gargalhadas.

    ‘Não, eu rejeito. Vocês, juízes infernais, não são nem um pouco confiáveis.’

    — Como ousa…

    ‘Eu ouso. Sofri por um de vocês… Um rei que sacrificou as próprias riquezas para ser um duque do inferno, quando na verdade se tornou um mero juiz…’ Gargalhou novamente. Toiras permaneceu em dúvida e atento às palavras de Nihaya. ‘Estou falando de Mithraya, o juiz da luxúria. O verme que chamas de colega.’

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