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    Alice

    Presa por correntes que selaram o meu poder. Fui levada em direção à grande sala do trono. Os pensamentos que passavam por minha cabeça nesse momento eram diversos. Por um momento, imaginei que acabar com a minha vida seria bem mais vantajoso que viver como uma prisioneira para o bel-prazer de alguém que nem mesmo considero parte da família. Lembranças de um passado feliz vieram à mente enquanto eu passava pela vasta sala do trono. Os quatorze anos antes de conhecê-lo foram os melhores da minha vida.

    “Ajoelhe-se”, disse o meu carrasco enquanto me jogava no chão.

    Olhei para a figura imponente, a mulher de aparência majestosa usando um sobretudo branco. Nossos olhos se encontraram por um momento antes de ela olhar na direção do trono. Zenith não parecia interessada em minha presença, já que seu trabalho era seguir ordens como um cachorro.

    Perto do trono, estava ele, Nain. Seu corpo robusto enquanto o rosto permanecia oculto devido à sua máscara. Olhos que lembravam o ouro me observavam com desgosto enquanto emanava uma aura assassina que ocupava todo o ambiente.

    E ele… estava sentado em seu majestoso trono, a figura que dominava a sala do trono com uma presença avassaladora. Seus olhos azul-claros brilhavam como gelo sob a luz suave que entrava pelas grandes janelas da sala. A intensidade de seu olhar penetrava qualquer alma que ousasse encará-lo, refletindo uma frieza e determinação inabaláveis. Seus cabelos negros caíam em cascata sobre seus ombros, um contraste marcante com sua pele pálida e quase etérea. Cada fio parecia perfeitamente alinhado, reforçando a imagem de um governante meticuloso e implacável. As madeixas negras eram longas, chegando quase até a cintura, e estavam levemente desarrumadas, conferindo um ar de indiferença calculada.

    Vestia um manto negro de tecido pesado que parecia absorver toda a luz ao seu redor. O manto era adornado com detalhes em prata e ouro, criando um efeito de realeza e poder que intimidava qualquer um que se aproximasse. Nos ombros, levava ombreiras ornamentadas que acrescentavam à sua já impressionante estatura, realçando sua postura imponente. Em seu peito, uma insígnia de ouro reluzia, simbolizando sua autoridade absoluta e incontestável. A gola alta do manto cobria parcialmente seu pescoço, enquanto as mangas longas e volumosas caíam elegantemente ao longo de seus braços. As mãos, pálidas e longas, repousavam com tranquilidade nos braços do trono, mas os dedos finos e firmes deixavam claro que ele estava sempre pronto para agir com a mesma eficiência letal de um predador à espreita.

    Seu semblante era sereno, mas não havia dúvida de que por trás dessa calma aparente residia uma mente afiada e calculista. O queixo levemente erguido e os lábios finamente cerrados indicavam uma confiança absoluta em sua posição e poder. A aura que emanava dele era quase palpável – uma mistura de autoridade e ameaça. Mesmo sem falar, sua presença dominava completamente o ambiente, deixando claro para todos que ele era o soberano indiscutível daquele lugar. A própria sala do trono parecia uma extensão de sua vontade, cada detalhe arquitetônico servindo para amplificar seu poder e majestade.

    Enquanto eu o observava, um frio gélido percorreu minha espinha. A sensação de estar diante de uma força inamovível, alguém que não hesitaria em destruir qualquer obstáculo em seu caminho, era inegável. Ele era mais do que um governante – era a personificação do poder absoluto, uma figura que inspirava tanto temor quanto respeito. Em seu trono, uma fina corrente que seguia até o lado, presa no pescoço da mulher ao seu lado. A mulher não possuía vida em seus olhos, era apenas uma casca vazia. O amor que um dia ela sentiu agora se tornou algo macabro, como uma obsessão.

    Ela estava ali, sem qualquer resquício de esperança, um contraste doloroso com a beleza que ainda habitava seu semblante. Seus olhos, grandes e expressivos, que um dia brilharam com sonhos e alegria, agora estavam opacos, refletindo apenas um vazio profundo e inescapável. As íris que deveriam transbordar emoções eram agora apenas um eco sombrio de sua antiga vitalidade. Seu rosto, delicado e suavemente moldado, estava marcado por uma expressão de resignação e apatia. Cada sorriso, cada ruga de felicidade, havia sido apagado, substituído por uma máscara de conformidade forçada. As suaves linhas de suas feições transmitiam uma história de luta e dor, uma batalha perdida contra a escuridão que a cercava.

    Os cabelos, outrora vibrantes e cheios de vida, agora caíam sobre seus ombros em desalinho, refletindo a desordem interna de sua alma. Até mesmo suas roupas simples — um vestido branco agora sujo e amassado — eram um triste lembrete do brilho que uma vez emanara dela. Sua postura demonstrava submissão total; a corrente em seu pescoço era uma representação física de sua prisão mental e emocional. Os ombros curvados e a cabeça ligeiramente inclinada para baixo indicavam uma rendição completa ao seu destino cruel. Não havia resistência, apenas uma aceitação silenciosa de seu papel como prisioneira e objeto de obsessão. A mulher, outrora cheia de vida e amor, havia se transformado em uma marionete sem alma, movida pelos caprichos de um tirano. A dor que residia em seu coração era invisível, mas palpável, e sua presença ali, acorrentada ao lado do trono, era um símbolo trágico do poder destrutivo de um amor deturpado.

    “Seja bem-vinda, Alice”, disse a voz do tirano, suas palavras carregadas de desdém.

    Ele levantou-se de seu trono, passos leves em minha direção. O som de seus passos me deixava desconfortável. E quando sua mão tocou suavemente meu rosto, forçando-me a olhar em sua direção, senti repulsa.

    “Azrael, maldito… Pensei que nunca mais iria vê-lo.”

    Meu corpo tremia de raiva e desgosto. Azrael, com sua presença opressiva e olhos frios, parecia desfrutar do meu sofrimento. Ele sempre havia sido uma figura de horror em minha vida, uma sombra que destruíra tudo o que eu amava. Seu toque gelado em minha pele era um lembrete cruel de meu cativeiro e da impotência que sentia. Azrael tinha o poder de transformar amor em dor, esperança em desespero, e liberdade em escravidão. Eu odiava cada fibra de seu ser, desejando mais do que tudo poder escapar de seu domínio e recuperar o que ele havia me roubado. Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era suportar, esperando por uma oportunidade de quebrar as correntes que me prendiam e destruir o monstro que se deleitava em minha miséria.

    “Veja minha irmã”, ele disse, apontando para os fiéis. “Se você tivesse aceitado me seguir, estaria ao meu lado, apreciando a vida de luxúria.”

    “Como um de seus cachorros? Viver sob seus olhos não é viver, mas apenas existir”, eu disse, deixando clara a minha recusa.

    “Ainda fui paciente com você… A deixei viver, diferente daquele inseto.”

    “Aquele inseto era nosso irmão.”

    Azrael voltou ao seu assento, seu rosto inexpressivo enquanto se sentava no trono. Ele alternou seu olhar de mim para a porta várias vezes. Não demorou muito para a mesma abrir, e foi quando a vi. A mais assustadora seguidora, Naara. Seus longos cabelos negros como a noite e olhos verdes como joias proporcionavam uma visão impressionante. Sua aparência esbelta, mas, ao mesmo tempo, delicada, contrastava com sua personalidade podre.

    Arrastando o que parecia ser um corpo sem vida, Naara continuou em direção ao trono, parando ao meu lado. Ela então posicionou o corpo de joelhos e, com sua espada, arrancou a cabeça, jogando-a em frente ao trono. Era uma maneira de dizer que o cachorro louco havia voltado.

    Olhei para a cabeça no chão e fiquei em choque. Lúcifer, a mulher que um dia foi a mais forte entre os demônios, estava morta diante de todos. Os machucados em seu corpo e as vestes dela e de Naara mostravam o quão brutal havia sido a batalha que travaram.

    “Parece que finalmente conseguiu encontrá-la”, disse Azrael, observando com desdém a cabeça daquela que um dia fora sua mestra. “Realmente uma pena, a mais bela das mulheres cair facilmente para um simples demônio.”

    Azrael suspirou, como se lembrasse de algo, e, enquanto usava sua magia de fogo para incinerar os restos mortais de Lúcifer, voltou a olhar para mim

    “Então, irmã… Achou mesmo que eu não iria descobrir? Você e Lúcifer conspiraram para que eu não conseguisse acessar o corpo da minha outra versão… Realmente…”, ele então liberou sua aura, sufocando a todos que estavam presentes no local.

    A presença avassaladora de Azrael me lembrou do motivo dele ser amado pelo terrível Deus da Destruição.

    “Contudo, o ritual funcionou, de certa forma”, ele disse enquanto observava qualquer alteração em minha expressão facial. “Consegui entrar em contato com um demônio do outro lado”, seu rosto agora exibia um sorriso assustador. “E não apenas isso. Eisheth me mostrou um vislumbre do passado.”

    Eisheth se moveu para deitar a cabeça no colo de Azrael. O som da corrente em seu pescoço e o olhar sem vida me causaram um arrepio na espinha.

    “Quem diria que minha irmã entraria em contato com o ‘outro’ Azrael”, foi quando sua aura explodiu mais uma vez. Ainda pior que as outras vezes, ele parecia extremamente irritado, mesmo que seu rosto não demonstrasse.

    Com um estalar de dedos, minhas roupas foram rasgadas, expondo meu corpo para todos os presentes. Alguns dos nobres me olharam maliciosamente, enquanto outros apenas admiravam, tentando não demonstrar muito interesse.

    “Vossa Majestade Imperial, se deseja eliminá-la, poderia deixar isso comigo. Me certificarei de que a princesa sofra até sua morte”, disse um dos nobres que havia conquistado grandes feitos no passado.

    Talvez por suas conquistas, ele imaginou que Azrael deixaria passar suas palavras ou até mesmo aceitaria sua sugestão.

    “Interessante… O que deseja fazer para apaziguar minha ira?”

    Foi quando o nobre, sentindo que estava no caminho certo, não se conteve em suas palavras. “Para que ela entenda o seu lugar, irei brincar com o seu corpo, em seguida a farei submissa e, se Vossa Majestade permitir, mostrarei a ela que não se deve brincar com o monarca absoluto.”

    Um leve sorriso apareceu no rosto de Naara, e quando Azrael estalou os dedos, o nobre desapareceu sem deixar vestígios. Sua morte rápida foi, na verdade, bastante dolorosa, já que Eisheth fez provavelmente o tempo se mover bem lentamente para ele.

    “Naara, leve-a para o calabouço e torture-a da forma que achar melhor. Apenas lembre de não a matar. Quero minha linda irmã quebrada e pronta para assumir seu papel.”

    “Você é nojento!”, eu disse, cuspindo no chão.

    “Após terminar o trabalho, vá até o meu quarto. Iremos ‘brincar’ a noite toda, apenas eu, você, Zenith e Eisheth.”

    Foi quando um círculo mágico apareceu no chão. As runas antigas, envoltas em uma magia ancestral, colapsaram entre si, transformando todo o espaço do círculo em um mar de mana e se autodestruindo. O espetáculo de colisão entre mana e anti-mana rapidamente cessou quando uma mulher de olhos e cabelos negros apareceu diante de todos.

    “Finalmente…”, ela murmurou enquanto olhava em volta. “É aqui que tudo começa.”

    Azrael não parecia surpreso com sua presença, era como se já esperasse por sua aparição.

    “Então você conseguiu…”, falou Azrael, observando a mulher à sua frente. “Continue com o escudo. Vou te levar até o Deus Supremo, para preparar um corpo compatível.”

    Azrael então demonstrou um sorriso satisfeito enquanto criava outro escudo de proteção para o demônio à sua frente.

    “Está quase tudo pronto… Quem diria que não demoraria muito para voltar àquele corpo… Ter todo aquele poder em minhas mãos mais uma vez…”, disse Azrael em um murmúrio enquanto eu era levada para o calabouço.

    Foi quando lembrei de um momento no passado. Azrael desapareceu por um tempo e, quando voltou, seu poder o havia corrompido. Ele havia se tornado ainda mais cruel e poderoso, comentando sobre possuir o corpo de sua outra versão e causar destruição por onde passava.

    Suas palavras foram, no momento em que ele notou, estava diante de um planeta com diversas vidas destruídas com um simples gesto.

    Temo que algo assim aconteça novamente. Se o Azrael da minha realidade conseguir possuir o corpo do Azrael de outra dimensão, seu poder será sem precedentes.

    O mesmo aconteceu quando conheci o Azrael do universo do Deus da Criação. Os dois possuem um corpo único onde a anti-matéria e a mana deveriam destruir qualquer ser de outro universo, mas os dois ficam perfeitamente bem ao entrar em contato com a matéria reversa, ou melhor, eles ficam ainda mais fortes enquanto seus corpos absorvem essa matéria.

    Ao conhecer o Azrael da Criação, pude notar qual era o plano do meu irmão. Se ele conseguir passar muito tempo do outro lado, seu poder se tornará algo sem precedentes, podendo desafiar qualquer um, com exceção do Criador.

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