Capítulo 86 — Hades (1)

— Ele tem muito o que explicar! — exclamou Isak.

Aidna estava sentada no chão, escorada em uma pedra enquanto uma bola de fogo iluminava o ambiente. Ela casualmente fazia uma massagem na cabeça de Theo, bagunçando o cabelo do rapaz e tentando manter a tranquilidade.

Isak ameaçou avançar contra Theo, que estava desmaiado. Bastien, por sua vez, impediu empurrando o agente para trás.

— Neste estado, o que você quer dele, animal? — retrucou Bastien, empurrando-o novamente.

— O que der. Você mesmo disse que um juiz do submundo veio até aqui por causa dele, e você, como um arauto de Hades, sabe muito bem o que isso significa. Ele vai trazer a morte para todos nós! — Isak estendeu o pescoço por cima de Bastien e viu Aidna acariciando Theo. — Druida! Acorde-o agora!

— Não será possível. O corpo dele está completamente desligado, o núcleo não está conseguindo distribuir energia corretamente. É um pequeno coma.

— Ouviu? Sabe o significado de coma, ou não? — Bastien novamente o reprimiu, de olhos arregalados se impondo ao outro líder.

— Você só está defendendo ele pois é um nobre, seu desgraçado! Ele deve respostas a nós!

— Não. Ele deve responder a mim, o líder dele nessa expedição.

— O líder dele é o titã Moris, não um lixo.

— Onde está o seu titã de merda agora? — Selina se exaltou com uma adaga em mãos. Com essa mesma adaga, ela encostou a lâmina no pescoço de Isak, ameaçando cortar. 

— Serach, por favor, abaixe a arma. Isak, recue — pediu Jack gentilmente. — Vamos agir como agentes civilizados, por favor? Essa missão já está saindo muito do eixo a cada instante, devemos nos manter em harmonia. Bastien, por favor.

Jack colocou a mão no abdômen de Bastien e pressionou um pouco. Bastien empurrou Isak para trás e se virou para Theo.

— Temos algum conjurador de terra? — perguntou Bastien.

— Eu! — A mesma conjuradora que mantinha a fonte de luz se propôs. 

— Crie uma sala isolada para mim e o jovem mestre. Serei apenas eu e ele.

— Bastien… — chamou Jack.

— Eu tenho certeza do que estou fazendo.

Isak cerrou os dentes e punhos.

— Meu grupo, venham comigo. Vamos procurar uma maneira de sair dessa escuridão, deve haver uma saída — disse Isak.

Quatro agentes acompanharam Isak, totalizando cinco no grupo central. Inicialmente eram sete membros, contudo, após a morte do Sir Drogmose o grupo foi reduzido. Além disso, Aidna não se envolveu mais com o grupo de Isak desde então.

A conjuradora que se ofereceu para Bastien se distanciou um pouco e se agachou, tocando o chão e concentrando energia na palma de suas mãos. 

— Mãe Terra… me envolva com um abrigo para esta turbulência…

Jack pegou Theo pelos braços, com ajuda de Selina e Aidna, com suas vinhas. Eles tiveram que se esforçar bastante para colocar o rapaz nas costas de Bastien, já que o corpo dele estava pesado demais graças ao apagão físico.

— Serach, Jack irá ficar responsável por tudo que tiver referente ao ataque — disse Bastien.

— Pretende demorar muito? — perguntou Jack.

— Terei que esperar ele acordar, então não sei. Até lá, façam tudo que for necessário para manter nossas presenças distantes dos juízes.

— Certo — retrucou Selina.

A conjuradora concluiu sua oração, distribuindo energia por um perímetro isolado, desenhando um círculo de mana no chão. O solo tremeu, se abalando com um movimento repentino. Paredes de terra se ergueram, criando um pequeno domo com apenas uma entrada. 

Bastien carregou Theo para dentro do domo, o deitando no chão delicadamente.

— Pode deixar uma fogueira? Caso não gaste tanta energia com isso — pediu Bastien.

— Claro — respondeu, girando os dedos e lançando uma onda de calor até o centro do domo.

A única entrada do domo se fechou, selando completamente os dois lá dentro. Bastien se escorou na parede íngreme da estrutura e olhou para Theo desmaiado no chão.

“Meu pupilo…” Uma voz imponente assaltou a mente de Bastien. “Onde você está?”

— Como assim? — murmurou.

“Não estou lhe encontrando em nenhum plano espiritual. Nenhuma folha ou galhos da Yggdrasil…”

— Estou nos antigos territórios de Poseidon, milorde.

“Com toda certeza afirmo que não está. Consegui seguir sua presença, então enviei Toiras. Mas… Ele foi banido do plano que está.”

Uma preocupação se firmou no peito de Bastien.

“Me dê permissão para entrar em contato com você.”

— Permissão concedida, lorde Hades.

☽✪☾

Liam se debateu no chão, confuso e exausto. Um raso e calmo mar o rodeava para além do horizonte. O céu azul e limpo era um insulto para ele, mas já sabia onde se encontrava. O ex-general virou para trás e esboçou um sorriso leve.

Parecia uma grande ironia, pois Theo sempre estava caído no chão quando entrava em seu plano espiritual, enquanto Liam o olhava de cima. 

No entanto, a grande ironia era que Liam estava caído no chão desta vez, enquanto Theo o encarava com medo.

— Desde quando? — Theo pigarreou e tomou ar. — Desde quando você consegue “me possuir”?

— Desde sempre.

Liam repousou os braços na fina camada d’água, apoiando o peso de seu corpo nos ombros.

— A flecha de Ártemis, o impulso violento contra Selina. Desde que visitamos o Tártaro, ficou mais fácil ter acesso ao corpo. Quando entrou no Nirvana também. Sabe por quê?

— Não vem com essa merda de novo! — exclamou cerrando os punhos.

— Negacionista é um ser chato pra caralho.

Theo hesitou, saltando as sobrancelhas.

— Esse…

— Vocabulário não era o meu. Eu preferia ser alguém formal e direto ao ponto, mas, uma criança que cresceu entre os camponeses adquiriu outra forma de falar. Durante todos os quinze anos, eu vi atrás da mesma retina que você. Nós coexistimos, porém, graças a você, evoluímos como seres diferentes.

Theo hesitou novamente, abrindo os punhos e relaxando os ombros.

— Inclusive, eu entendi o porquê você é tão fraco. Quer dizer, dizem que você é algo incrível, mas nunca vimos isso.

— Por quê?

— Técnicas inatas estão na mente, o controle elemental também. Porém, a fonte de tudo está… 

Liam dizia ao se levantar, espreguiçando ao céu. O ex-general carregava um sorriso sarcástico no rosto.

— Na alma. — Uma terceira voz respondeu. — O córtex humano guarda os poderes e técnicas, mas a alma é quem distribui potencial para essas informações. Quando seres humanos têm suas almas e corpos deslocadas, o potencial diminui drasticamente.

Os dois olharam para o lado. Theo estava surpreso por uma terceira figura no local, somente ele e Liam podiam estar ali. O sorriso de Liam desapareceu rapidamente após ter sua explicação roubada.

— Sir Bastien… — Theo deu um passo rumo ao homem, mas Liam interveio. 

— Não é o Bastien.

A terceira pessoa respondeu que não, balançando a cabeça.

— Exatamente, general Mason. 

O corpo e rosto eram de Bastien, tal como a voz, mesmo que em tom mais imponente do que de costume. No entanto, estava coberto por uma túnica preta de entalhes dourados.

— Minha face só pode ser vista em meu território — acrescentou.

— E quem é você? — inquiriu Theo.

Liam sentiu néter vazar de seus pés e previu um estresse, mas, acalmou sua turbulência mental.

— O senhor do submundo e dos mortos, criador dos campos elísios e protetor das almas — iniciou sua apresentação. — O irmão mais velho da trindade suprema do continente, ah, que idiotice. Sou Hardian, Plutão, ou, como sou mais conhecido por todos os reinos: Hades, o rei do submundo.

— É brincadeira… — resmungou Theo.

— Faz duas vidas que lhe procuro, Liam Mason. Criança egocêntrica e idiota.

— Ae, primeira vez que te vejo. Não te dei toda essa liberdade.

“Ele está agindo assim com uma divindade?… Não tem medo?”

— Óbvio que não — respondeu Liam.

Por ser a alma que reside no corpo de Theo, Liam escutava os pensamentos do rapaz mesmo no plano espiritual.

— Este é o nosso plano espiritual, ele não pode fazer nada aqui.

— Mas, fora daqui… — ameaçou Hades.

Liam não demonstrou medo algum, analisando as próprias unhas ao invés disso. Notou que estavam sujas de areia pelo instante ficado no mar.

— Certo, entendi seu ponto. Quer que eu vá direto ao ponto… Vim aqui guiá-los espiritualmente, crianças — disse Hades, ajustando um anel em seu dedo.

— Nos guiar?

— É.

Hades estendeu uma mão em direção a Liam e outra para Theo, apontando com o indicador posteriormente. Uma nuvem translúcida de energia escapou de seus dedos, e, após o gesto, o deus dos mortos aproximou suas mãos até se encontrarem e misturar a energia em uma só.

— Estou aqui para tornar você, Theo, em Liam e vice e versa.

— Como fará? Estou tentando isso há tempos — ironizou Liam. Theo estalou a língua em desdém.

Hades baixou as mãos, ainda juntas.

— Matando vocês. — Afirmou num tom sério e convincente.