Capítulo 98 – Noite catastrófica
Um projétil luminoso disparou em direção a Isha, rasgando o ar rápido e suavemente. A garota conseguiu desviar com um movimento audacioso e atirou de volta com uma pistola.
“Ai!”, gritou Merlin, ao ser atingido na testa. “Droga! Como você consegue acertar tantas?”
A bala disparada por Isha era de borracha, então ele não corria risco de morte desde o início.
“Eu faço isso há anos. Se você quer ganhar de mim, vai ter que treinar muito.”
A garota tinha um sorriso vitorioso no rosto. Sem sua máscara, ela não estava dando a mínima se estava revelando sua identidade ou não. Até porque Isha não tinha uma vida fora da Black Room, então dar atenção para esse tipo de coisa era uma besteira.
Além disso, além dela e Merlin, só havia mais duas pessoas, que estavam assistindo-os naquele momento com olhares analíticos.
“Bem… Merlin até tem uma vantagem de velocidade de disparo, é só que ele pensa muito sobre isso e dá muito tempo para Isha se concentrar”, Mayck comentou.
“É mesmo? Pra mim, os dois foram igualmente rápidos…”
“Sério? Acho que temos visões diferentes.” Mayck se dirigiu à dupla que estava lutando. “Vocês estão indo bem. Eu não sei o que Isha espera que eu a ensine, mas, Merlin, você tem muito o que aprender. O que Otohiko esteve te ensinando?”
“Hã? Ele me ensinou a dar vida às energias do meu corpo e como usar minha ID… provavelmente?”
“Por que isso parece uma pergunta?”
Mayck, por sua vez, suspirou. Tudo o que Merlin estava fazendo ali, era o que qualquer um faria no começo: usar suas habilidades de elemento base e achar que era ID. Essa era uma visão bem errada, na realidade.
“Escuta, não tem como eu olhar para você e dizer qual a sua ID. Só você pode descobrir o que é e como usar. Eu só posso dar minhas impressões sobre as habilidades.”
“É sério isso? Eu pensei que já estava com tudo…” Com uma decepção visível, os ombros do autoproclamado mago caíram.
“Não tem algo que possamos fazer quanto a isso?” Saki se aproximou.
“Eu realmente não sei, mas… Isha, como você descobriu a sua ID?”
“Eu? Bom, eu acho que descobri isso quando eu era menor. Sempre que eu ficava com medo, podia sentir o calor de todas as coisas, então saber se tinha alguém por perto não era problema…”
Basicamente, uma situação que colocava seus sentidos à prova.
“Entendo…” Mayck ponderou por um momento.
No meu caso, eu só percebi parte da minha ID quando lutei contra Haruki. Foi quando eu consegui criar uma imagem da minha luta contra ele e usar habilidades do meu elemento base.
“Posso dizer o que eu acho? Talvez eles tenham que se aventurar sozinhos para descobrirem suas IDs.”
“Deixar eles sozinhos? Não me parece uma ideia tão segura. Que tal nós levarmos eles para realizarem missões com a gente?”
“Entendi. No site dos caçadores sempre tem avistamentos de Ninkais novos. Por isso que nosso trabalhos e reconhecimento foi sumindo aos poucos.”
“É verdade. Podemos ir com isso.” Mayck e Isha trocaram olhares e acenaram com a boa ideia que tiveram. “Então vamos fazer assim. Vamos levar vocês dois para missões perigosas e deixar que vocês mesmo descubram suas essências.”
Missões perigosas entre aspas. Mayck e Isha, com certeza, davam conta de qualquer missão sozinhos, então o perigo realmente era para a dupla de novatos.
“Um dos principais fatores que contam para um portador é sua experiência. Então vocês vão encontrar suas IDs quando tiverem mais experiência, possivelmente.”
“Experiência, hein? Então o que estamos esperando? Vamos nessa!”
Merlin mostrou sua animação ardente ao erguer o punho.
“Pode ser uma boa ideia… mas talvez não seja perigoso demais?” Saki ficou preocupada.
“Tá tudo bem, relaxa. Eu e Mayck vamos cuidar de vocês o tempo todo, está bem?”
Mayck concordou com um aceno.
“Se for assim, então me sinto mais segura.”
Com o consentimento da dupla, já não tinha mais o que discutir. Eles decidiram que iriam começar na noite seguinte. Mayck iria procurar missões que envolvessem Ninkais de classe C ou B, e seguiria com elas, se fosse apropriado.
Obviamente, eles iriam manter segredo sobre isso. Zero e Nikkie poderiam não gostar da ideia de levar dois novatos, que nem eram filiados à Black Room, em missões da organização. Por isso, eles procurariam por conta própria.
Isso também queria dizer que eles dois estavam assumindo a responsabilidade pelas vidas de Saki e Merlin.
O treinamento continuou com uma batalha simulada entre Mayck e Isha, usando apenas armas, sem habilidades ou ID.
Eles estavam treinando numa das bases abandonadas da Ascension, no subsolo de Tóquio. Aquele local parecia ser um antigo campo de treino da organização e estava em ruínas. Se eles não fizessem escândalo, não seriam encontrados por ninguém.
Mayck constatou que Isha era incrivelmente habilidosa com armas de fogo, além de perceber o quão frágil ele era sem usar suas habilidades contra a garota.
Ele estava usando apenas sua espada para ataques de curta distância e ainda era extremamente rápido. Isha mal podia acompanhá-lo. Sabendo isso, ela procurou manter distância.
Atirando e recarregando sua arma habilmente, que, definitivamente, não era um pistola comum, ela se mantinha de pé.
Saki e Merlin os observavam admirados. Os movimentos eram tão rápidos que era difícil dizer quem estava na vantagem.
“Esses dois sempre me surpreendem. Droga! Eu quero ser igual a eles!”
“Haha. Tem razão.”
Merlin estava tentando conter seus ânimos o máximo possível.
“Troca!” Ele disse em voz alta e no mesmo instante, Mayck largou sua espada e pegou uma pistola que estava em suas costas. Isha também fez parecido, mas largou a pistola e puxou uma adaga da cintura.
A ideia era a que Merlin ou Saki dissessem isso em momentos aleatórios, para trabalharem a percepção e agilidade dos dois em momentos inesperados.
Nesse quesito, ambos estavam em pé de igualdade.
Quando a troca foi anunciada, Mayck havia corrido para um golpe horizontal com a espada, mas mudou seu curso de ação e disparou duas vezes com a pistola, ainda em movimento.
Isha desviou os tiros e desferiu o golpe horizontal que Mayck não pôde fazer com um giro, obrigando ele a recuar.
“Hehehe. Parece que você tem pouca proficiência com uma arma de fogo, M-kun.” Ela o provocou com um sorriso.
“Ah, me desculpe por isso.” Mayck não podia devolver a provocação. Isha era boa com armas brancas e bélicas, então não tinha o que fazer.
Ele só continuou a correr e disparar, enquanto se esquivava das investidas ferozes de Isha com a lâmina.
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“Haah! Isso foi demais. Eu não consegui respirar nem por um segundo”, disse Merlin, arfando só de ter visto o embate. “Então essa foi uma luta entre dois portadores de alto nível.”
Ele com certeza estava entusiasmado com isso tudo. Sua animação era explosiva.
“Então, o que acham de encerrar por aqui? Saki também já está cansada.” Mayck olhou para seus colegas ao redor.
Saki estava virando uma garrafa de água, Isha estava arrumando seus cabelos com as mãos e Merlin, bem, Merlin estava analisando o campo de batalha com admiração.
“Acho que é uma boa ideia. Já estamos aqui há mais de duas horas. Acho que o treinamento deve ter rendido bastante hoje.”
“Normalmente não passa de uma hora e meia, então, acho que sim.”
“Eh?! Mas já vamos embora? Ainda dá tempo de treinar mais.”
Merlin se aproximou deles rapidamente com olhos de cachorrinho, esperando que conseguisse uma resposta positiva. No entanto…
“Não venha com essa. Você não tem mais o que fazer não?”, reclamou Isha.
“Mas…”
“Nada disso. Eu tenho minhas atividades mais tarde e mal vou poder dormir. Você deve achar alguma coisa pra fazer também.”
Isha parecia estar dando um sermão no garoto, que parecia prestes a derramar uma cachoeira de lágrimas, mas ela não estava brava de verdade. Eles eram como uma irmã mais velha e seu pequeno irmão. Uma interação divertida de se ver.
“Ei, Ma— M-kun.” Saki se corrigiu rapidamente.
“O que houve?”
“Hm… não é nada demais, é só que… nós poderíamos ir? É que eu queria… er… você sabe…”
Ela apertava as mãos entrelaçadas, enquanto olhava de Mayck para o chão repetidas vezes, esperando que o garoto entendesse sua mensagem.
“Ah, sim, claro. Vamos. Você deve querer consertar as coisas. Ei! Vocês dois, já está na hora de ir.”
Com um aceno, Isha foi até eles, indo para a saída daquela base subterrânea, enquanto Merlin os seguia aos prantos.
Ao saírem, se encontraram em uma pequena área arborizada, afastada das luzes da grande cidade de Tóquio.
Mayck ajudou Isha e Saki a saírem das escadas íngremes da entrada e deixou que Merlin se virasse.
Até que seu celular foi bombardeado de notificações, e quando desbloqueou a tela, percebeu mais de vinte chamadas perdidas de um contato desconhecido.
Hm? O que é isso?
Ele se perguntava quem teria conseguido seu número. Poderia ser um trote, mas quando ele olhou a lista de contatos, percebeu um nome ao lado.
“Certo. Então nos despedimos aqui.”
“Sim. Nos vemos depois.”
Isha e Saki se despediram e estavam prontas para seguirem caminhos separados. Porém, Mayck não respondeu ao cumprimento da garota.
“M-san—”
“Aí, pessoal, vocês topam hora extra?”
Dizendo isso, com um semblante sombrio, Mayck agarrou a bainha da espada que surgiu em sua mão.
“O-o que aconteceu? Por que isso de repente?”
Saki estava com um pé atrás; Merlin com um sorriso: a diversão não tinha acabado para ele.
“É que surgiu um probleminha. Eu gostaria que vocês me ajudassem com isso.”
“Mas logo agora?”
“Não vai ser nada demorado”, disse, virando-se. “Além do mais, vai ser o treino perfeito para esses dois.”
“Demais!” O metido a mago comemorou com um salto e seguiu seu mestre.
“Espera…” Isha buscou uma explicação, mas não teria se não fosse logo.
Ela olhou para Saki, que a olhou de volta e, com um suspiro, elas o seguiram.
Mesmo na metade do caminho, todo o objetivo ainda era um mistério, mas o silêncio de Mayck lhes dizia que era algo bem sério.
Enquanto andavam em passos rápidos, Mayck entregou algo a Saki: uma máscara branca levemente quebrada.
“O que é isso?”
“Você vai precisar. Não podemos nos dar ao luxo de sermos vistos por ninguém. Recomendo que vocês dois também usem suas máscaras, okay?”
Eles assentiram e continuaram.
Chegaram em uma rua familiar e subiram no telhado de uma casa aleatória.
“Então?”, indagou Isha. “O que viemos fazer?”
“Espere só um pouco”, Mayck respondeu.
Enquanto Saki olhava para a rua vazia e silenciosa sem entender, ela acabou notando algo naquela área, e isso era a residência que estava na frente deles.
Normalmente seria impossível, mas ela conseguiu enxergar a plaquinha dos correios com um nome escrito: Mizuki.
Hã?! Não pode ser. O que ele quer fazer aqui?
A garota quase deu um pulo para trás. Ela queria questionar, mas não parecia ser o melhor momento.
Ficaram em total silêncio por alguns segundos, apenas observando a casa solitária, que parecia até estar vazia.
Foi quando notaram uma movimentação estranha no interior da residência. Se levantando subitamente, empunhando sua espada, Mayck ordenou:
“Agora.”
<—Da·Si—>
Haruna trancou-se em seu quarto. De alguma forma, que ela não sabia qual, conseguiu escapar daquela visão tenebrosa que era aquela escada de ossos.
Orou para que fosse apenas ilusão, mas o cheiro de sangue e carne queimada eram muito reais.
Seu corpo trêmulo, encolhido.
Com o celular, ela ligou para a única pessoa que podia lhe ajudar. Não houve resposta. Ela continuou ligando, como uma máquina, sem parar.
Enquanto isso, alguém batia na porta suavemente.
Toc! Toc!
Vai embora… por favor…
O pavor e a angústia estavam maltratando seu coração e sua mente. O que era aquela coisa? Nem a ciência e nem religião nenhuma poderiam dizer algo além de que era um demônio.
Ela estava abafando sua respiração com a boca, com a falsa esperança daquela coisa desistir de caçá-la como um rato.
Toc…! Toc…! Toc…!
Sua alma tremia com cada batida. As lágrimas começaram a fugir de seus olhos, enquanto o desespero a transformava em uma vítima de algo que ela nem imaginava existir.
“Haruna”, uma voz distorcida chamou por ela, fazendo-a paralisar. “Venha para fora… precisamos conversar…”
Aquela voz falava do além e poderia quebrar a mente de quem a ouvia por si só.
Vá embora, por favor… vá embora…
A garota apertou a cabeça com as mãos, quase puxando seus cabelos, um olhar de puro terror em seu rosto cheio de lágrimas.
Deus…, Mayck…, mãe… Takashi. Por favor. Alguém me ajuda.
Depois de muito clamar, tudo ficou em silêncio, como se não passasse de um sonho. Ela levantou a cabeça.
Até que…
“… O que… é essa coisa…?”
Seu abrigo pessoal, o local que ela chamava de quarto, estava diferente. Não era seu quarto. Em nenhum lugar do mundo aquele era o seu quarto.
Se pudesse resumir em uma palavra — o que ela mal conseguia fazer devido ao seu corpo completamente trêmulo —, aquele lugar era, simplesmente, macabro.
Ao redor, tudo tão escuro quanto estar isolado no universo, faces que pareciam estar gritando com o sofrimento decoravam o espaço imaterial, em um labirinto de carne, ossos e sangue.
Dava para ouvir gritos sutis e palavras de blasfêmia inaudíveis correndo no fundo, como se proferissem maldições e arrancassem brutalmente a sanidade mental de qualquer pessoa que enxergasse aquele lugar profano, levando à loucura sem fim.
As entranhas de Haruna se contorceram e o vômito subiu a sua boca. Ela sentiu náuseas, fortes dores e um zumbido infernal em seu ouvido.
Seu corpo parecia estar recebendo pancadas cada vez mais fortes.
Quando ela levantou o olhar, sentindo a agonia das dores, viu uma figura que detestava. Sorrindo perversamente, como sempre, sem uma gota de empatia ou remorso no olhar.
“Haru…o…”
Parecia ele, mas uma versão completamente diferente: a personificação da sua verdadeira imagem — a ganância, o egoísmo. Dava para ver que ele tinha cedido seu corpo a esses pecados. Ele mal se parecia com um ser humano, estava mais para uma besta humanóide vinda de um lugar profano.
“Haruna… minha querida filha… está na hora de pagar pelos crimes de ter destruído minha vida.”
Ele riu descontroladamente, agarrando a garota, caída, pelos cabelos.
Sem sequer forças para dizer uma palavra, Haruna só foi capaz de implorar por ajuda em sua mente, estando naquele lugar amaldiçoado.
Quando Haruo a soltou, algo a arrastou para fora das portas daquele labirinto. Ela foi conduzida até o quintal, que estava tingido de vermelho e onde o cheiro de carne estava ligeiramente mais fraco.
A lua vermelha no céu parecia sorrir com o sofrimento da garota, que não tinha nenhuma reação ou podia sequer lutar contra seu trágico fim. As estrelas contemplavam silenciosamente a dor que ela mal conseguia suportar.
A voz distorcida chegou aos ouvidos da garota através de Haruo.
“Daqui em diante, só existe eu e você e só eu posso te tocar.”
Ele tocou o topo da cabeça dela e começou a deslizar pelo corpo lentamente, com seu indicador, cuja unha parecia uma lâmina forjada nas profundezas do abismo.
“Vai pagar por terem me feito sofrer.”
Sua risada macabra ecoou pelo quintal distorcido, como se uma passagem para outra dimensão estivesse aberta.
Aquela figura ergueu a mão, iria cravar seus dedos nas costas da garota impotente.
Alguém…
Haruna não tinha forças para fazer absolutamente nada além de contemplar as loucuras que lhe seria feito. Incapaz de reagir, sendo amarrada por uma corrente e jogada em um moedor.
… Por favor…
Ela fechou os olhos. Tudo ficou silencioso mais uma vez.
“Está tudo bem.”
Uma voz que fez seu coração saltar. Se ela morresse naquele momento, morreria feliz.
“Eu vou te ajudar.”
A energia que aquela pessoa emanava era diferente, mas ela reconheceu imediatamente que Mayck estava ali à sua frente, protegendo-a do demônio que tentou acabar com sua vida.
E ele não estava só. Havia mais três pessoas logo atrás dela.
Mayck…!
De repente, todo aquele frio assustador se tornou quente e agradável; ela se sentia segura.
A criatura com a forma de Haruo virou-se para eles lentamente, torcendo seu pescoço de uma forma impossível para seres humanos. Sem falar nada ele continuou encarando.
“Er… Mestre? Essa é a coisa que viemos fazer? Salvar uma garota e lutar contra um Ninkai?” Merlin perguntou, hesitante. “Eu pensei que o treinamento seria com classes C ou B…”
“Foi mal, Merlin. Não estava nos planos, mas vai dar tudo certo. Esse aqui com certeza é de classe Pesadelo, mas não deve ser tão forte.”
“Ele não é classe Pesadelo à toa, M-san. Você sabe disso.”
Isha cruzou os braços, indignada com a cara de pau que Mayck teve de dizer que era fraco.
“O-o que isso quer dizer?” Saki perguntou, aflita.
“Resumidamente, existem certas classes Pesadelo que não queremos encontrar. Eles até são fracos por si só, mas tudo muda quando possuem um hospedeiro.”
“Eles se aproveitam de brechas como sentimentos negativos e tomam total controle da mente e do coração do hospedeiro…”
Ouvindo a explicação, Merlin não esboçava nenhuma expressão, mas encarava Mayck com olhos incrédulos, que logo se arregalaram com um grito.
“Por que você não falou sobre isso antes?!”
“Eu não tinha certeza…”
“Tá falando sério?!”
“Enfim, o que eu queria dizer era: trazer vocês aqui não foi simples. Eu estou quase sem energia, então tentem derrotar essa coisa logo.”
Não havia muito tempo. Conforme o tempo passava, o que sobrou de Haruo alimentava seus sentimentos e desejos negativos, o que tornaria aquele monstro mais poderoso.
Naquele momento ele já estava no nível de um Ninkai de classe Pesadelo, e caso se fortalecesse mais, não dava para saber onde chegaria.
Antes que Merlin pudesse reclamar de novo, Mayck disparou contra o monstro. Devido a sua energia quase esgotada, não havia muito que ele pudesse fazer além de dar uma chance para seus companheiros vencerem.
No último incidente, ele aprendeu na luta contra os irmãos alemães e Phantom que a <Manipulação de Alma> só funcionava em um alvo cujo usuário estivesse com a atenção centrada no alvo. Durante esse tempo, sua atenção em outras coisas caía drasticamente.
Então como ele trouxe Isha e os outros para aquela dimensão de pesadelos? Ele até podia focar em vários alvos, mas isso consumiria até cem por cento de sua energia num único segundo.
Em suma, quando ele saltou para atacar aquele ser macabro, estava com menos da metade de sua energia total.
No entanto, não foi esse o motivo que fez seu ataque ser inútil. Sua lâmina transpassou o monstro como se cortasse o ar ou simplesmente nada.
No segundo seguinte a isso, Mayck apenas ouviu o grito de Saki chamando por ele.
O quê…?!
Quando se deu conta era tarde demais. Espécies de fios feitos de carne e sangue se enrolaram em seu pescoço e o ergueram, sufocando-o sem piedade. Ele sentiu sua traquéia ser esmagada lentamente, podia ouvir os estalos.
Foi nesse momento que o verdadeiro terror daquela coisa se manifestou e recaiu sobre eles, tal qual uma onda catastrófica se aproximando num piscar de olhos.
Porra!
Sua única saída era sua <Manipulação de Alma> e ele ficaria sem energia depois disso.
Mas não funcionou.
Hã?!
Apenas não funcionou. Ele sentiu a habilidade se desativar com vidro sendo quebrado.
A essa altura, o ar já não entrava em seus pulmões — o ar congelante que fluía daquele ambiente bizarro.
Merda… como eu pude me descuidar desse jeito?
Para um alvo não ser afetado por sua habilidade, só existiam duas possibilidades. A primeira, o que ele estava encarando não era uma alma. A segunda, aquela coisa não tinha consciência nenhuma de sua própria existência.
Movido por um desejo doentio… o que eu vou fazer…?
O que ele podia fazer era a questão correta. Mesmo que ele tentasse agarrar aqueles fios para arrancá-los à força, não era capaz, pois pareciam apenas uma visão, nada palpável.
“M-san!”
No desespero para ajudar, Isha disparou contra ele, mas, conforme o esperado, nada aconteceu. Nem mesmo a atenção da coisa ela conseguiu atrair.
Saki, assim como Merlin, não sabiam o que fazer, então ficaram paralisados, com calafrios por todo o corpo.
Era certo que o ambiente sombrio causou algum efeito em suas mentes. Conforme o tempo passava, isso ia piorando, porque chegaria ao ponto que eles se perderiam por completo. Ver Mayck naquele estado cooperava para isso acontecer.
“Ei! Vocês dois! Façam alguma coisa!”
O pedido de Isha não serviu para nada. Eles ainda continuaram imóveis.
“O mestre foi… Não… Eu… não quero morrer…” Os olhos de Merlin tremiam freneticamente. A cena estava grudada em sua mente como um filme de terror ou uma fita amaldiçoada.
“Mestre… por favor…”
Suas pernas estavam bambas. Ele poderia cair a qualquer momento.
Por outro lado, Saki o olhava com os olhos bem abertos. Ela não sabia o que pensar. Ela não conseguia pensar em nada. Se nem Mayck conseguia fazer alguma coisa, então o que ela poderia fazer?
Uma sensação estranha de imponência se apoderou dela. Sua respiração ficou pesada, seu coração batia tão forte que machucava.
É impossível… o que eu posso fazer…? Não existe nada. Nada funciona contra esse demônio… Vamos todos morrer aqui.
E justo quando ela pensou que tinha conseguido uma esperança mais forte no mundo lá fora.
Ver tudo acabar daquela forma…
Isso era tão doloroso…
“Não… Não! Ele me disse que tudo ficaria bem! As coisas não podem acabar aqui. Não podem!”
Seus olhos encheram-se de lágrimas. Ela respirou fundo, juntou as mãos e gritou do fundo de seu coração.
“Se afaste dele!”
Como se recebesse uma enorme pancada, a criatura foi arremessada para longe com um uivo. Os fios largaram Mayck, que estava quase inconsciente, soltando-o no chão.
“Funciona…” Isha murmurou, perplexa. “Saki-san, você…”
Ela se virou para a garota, apenas para encontrá-la caída no chão, com um nível elevado de exaustão.
“Saki-san!”
Abaixou-se para vê-la. Ela estava arfando, seu corpo extremamente quente.
Parecia que atacar daquele jeito, uma criatura muito mais poderosa, tinha drenado suas forças num instante.
Uma luz sendo apagada daquela forma parecia piada.
Droga. Era nossa única saída… o que vamos fazer agora? M-san!
Ela se lembrou dele e o procurou. Estava tentando se levantar. Pelo estado, ele não parecia estar mais em condições.
Mayck, caído. Merlin, incapacitado. Saki, incapacitada.
Sem contar que havia Isha, que não podia fazer nada, e Haruna, que precisava ser protegida a todo custo.
Isha mordeu os lábios com força e baixou os olhos.
Mais uma vez, ela estava impotente e só era capaz de gritar por ajuda em um momento tão crucial.
Eu sou inútil mesmo.
As vozes em sua cabeça começaram a parecer reais. Ela podia ouvir a si mesma, a encarnação da inutilidade.
Por que estava viva mesmo? Porque sempre era protegida. De que adiantava ter habilidades físicas tão incríveis se não era capaz de realizar nada, estando em uma situação daquelas?
As vozes cruéis não a deixavam em paz.
“I-sha…— diga a Merlin… para lutar…” Mayck sem poder levantar sua voz, devido ao inchaço em sua garganta, tentou passar uma mensagem a Isha.
Merlin? Mas porquê? É impossível. Olha o estado dele… o que você quer que ele faça? Como ele pode fazer alguma coisa…
Os olhos sem esperança de Isha se iluminaram.
Os ataques dela e de Mayck eram físicos. O de Saki não. E todas as vezes que ela lutou contra Merlin, nunca viu os ataques dele deixando alguma marca física. Nem mesmo um ataque surpresa deixava algo visível.
Quando ele me acertou uma vez, doeu, mas não teve nenhum ferimento. Quer dizer que…!
“Merlin! Ataque aquela coisa assim que ela voltar, entendeu?! Merlin!”
O garoto parecia estar em outro planeta. Seus olhos fixados na direção que a criatura fora lançada. Parecia que sua alma tinha ido embora, deixando apenas seu corpo imóvel para trás.
“Merlin!” Isha pegou sua pistola e disparou contra ele. O tiro passou bem ao lado de sua orelha, o estrondo o despertou e ele deu um grito.
“O-o quê…”
“Escuta, seu idiota! Você se diz aluno de M-san, mas está todo se borrando. Saiba que eu nunca vi M-san fugir na frente de um inimigo, por mais poderoso que seja. Você quer envergonhá-lo?!”
“E-eu não…”
“É isso que você quer?!”
“Não é não!” Ele negou, irritado. “Mas, o que eu posso fazer—”
“Só você pode fazer alguma coisa. A habilidade de Saki funcionou, então a sua também deve funcionar. Não se importe com detalhes, apenas ataque aquela coisa assim que a ver. Entendeu?!”
“Ma-mas…”
“Entendeu?!”
“Si-sim!”
Merlin estendeu sua mão direita trêmula e a segurou com a esquerda. Seus dentes cerrados, olhos arregalados, lacrimejando.
Isso não vai dar em nada… o que eles estão pensando? Ito-san teve sorte, apenas isso. O que garante que eu vá conseguir também?
Isha gritou para ele se apressar.
É impossível!
Mesmo com esse pensamento, ele começou a projetar uma flecha dourada na frente de sua palma, que brilhava intensamente. Porém, como vidro, ela quebrou e se desfez.
“O quê…?”
Ele tentou de novo. Falhou. Mais uma vez. Falhou.
Olhando para sua mão, ele teve certeza que não podia fazer aquilo.
“Merlin! Se concentra! Só você pode fazer isso agora!” Mayck gritou, mesmo com sua garganta em um estado deplorável. Ele começou a tossir pesadamente. “Eu já te falei antes, não falei? IDs são a manifestação do seu ser. Você vai conseguir se quiser, basta querer, Merlin!”
“Merlin! Aquela coisa vai voltar em breve. Se você não fizer nada, nós vamos morrer.”
“Eu sei, eu sei! Mas eu não consigo. Simplesmente não dá—”
“Apenas faça, Merlin! Como você sempre fez! Você não recuou mesmo de frente a um Ninkai classe A, dezenas de vezes mais forte que você. Vai desistir agora porquê?!”
CRACK!
“…!”
Um som forte ecoou, atraindo a atenção de todos. O Ninkai se levantou. Seus olhos arregalados, escorrendo um líquido vermelho, o ódio que ele emanava era quase palpável.
Como se flutuasse ao invés de andar, ele se direcionou para onde Isha e Merlin estavam, ignorando Mayck completamente, murmurando com sua voz distorcida, enquanto um miasma escapava de seu corpo como fumaça de gelo seco.
“Haruna, minha querida Haruna… pague com sua vida…”
“Merda…”
O garoto precisava chamar a atenção dele, ou então o covarde Merlin seria destruído junto às garotas.
Ele tentou um <Canhão de Eletricidade>, mas não tinha energia para isso. Cambaleando, ele se levantou e correu até o monstro, agarrando o que parecia ser o braço dele.
“Eu ainda estou aqui!”
Seu olho esquerdo se ativou e Mayck conseguiu tocá-lo por um momento, foi sua chance de puxá-lo com força e derrubá-lo com um chute giratório.
Mas foi só isso que ele conseguiu. Os fios de carne o prenderam de novo e começaram a se enrolar por todo o seu corpo, impregnando-o com um odor horrível, além de espremê-lo como um tecido.
“Mer…lin!”
Mayck chamou por ele mais uma vez. Se não desse certo agora, então só restava desistir.
“Não foi você… que disse que ia lutar para proteger todo mundo…?!”
Na cabeça de Merlin, um turbilhão de lembranças apareceu, fazendo-o se recordar de seus momentos dolorosos.
Mayck estava certo. Que tipo de pessoa ele era se não conseguia manter a promessa que fez a si mesmo?
Merlin apertou os punhos com força. Estendeu a mão mais uma vez.
“Ah! Droga!! Seja o que Deus quiser então!”
Seus olhos brilharam em dourado. Um par de asas como fogo se abriram atrás dele, liberando uma onda de energia poderosa, que percorreu pelos corpos de Mayck e dos outros.
Naquele momento, Merlin brilhou como…
“Um anjo…?”
Uma flecha dourada brilhou dezenas de vezes mais forte que as anteriores na frente de sua mão. Merlin concentrou sua força apenas nela, mirando no monstro.
Eu não posso abandonar os outros quando eles mais precisam!
Ele levantou sua voz. A flecha rasgou o espaço entre ele e o monstro, atingindo-o em cheio.
Uma explosão de luz aconteceu logo em seguida, junto a um som estrondoso, liberando uma quantidade absurda de energia, mal deixando todos ali se manterem firmes.