A respiração de Emilly engatou, um grito estrangulado subindo por sua garganta. 

    A agente cautelosa que ela era momentos atrás se foi. A exaustão de liberar seu poder era uma dor surda em seus ossos, um lembrete inegável de suas reservas esgotadas. Mas a rendição não era uma opção. Anos enfrentando esses monstros honraram um instinto de sobrevivência que ardia dentro de si. 

    Sem perder o fôlego, Emilly girou nos calcanhares, a adrenalina inundando seu sistema. 

    O corredor antes familiar ficou embaçado quando se lançou em uma corrida desesperada. Não havia tempo para estratégia, nem espaço para hesitação. Cada fibra do seu ser gritava por fuga. Sua respiração tornou-se ofegante e irregular, as batidas de seu coração em uma batida frenética contra suas costelas. 

    O corredor se estreitava à frente, mergulhando numa escuridão sufocante. Era uma aposta, uma investida desesperada rumo ao desconhecido, mas era sua única esperança. 

    Passando pela escuridão invasora, Emilly finalmente avistou um raio de luz no outro extremo – uma porta, uma salvação incerta. Com uma onda final de energia, ela empurrou pela que estava semiaberta e a bateu atrás com as costas quando passou.

    O silêncio, espesso e sufocante, desceu sobre ela. As batidas frenéticas contra a porta, o coro arrepiante de rosnados do outro lado – estes eram os únicos testemunhos da horda monstruosa que ela havia deixado para trás.  

    Emilly sentou-se no chão frio, encostada na porta. Seu corpo estava tremendo com os níveis de adrenalina. Isso não foi uma vitória, nem de longe. Foi um alívio, um momento roubado de respeito diante de uma ameaça sempre presente.

    Uma serpente venenosa, a frustração, se enroscou em suas entranhas. Uma torrente de xingamentos, crua e desesperada, saiu de seus lábios. 

    — Mas que merda, merda, merda, merda! 

    Ela passou os dedos trêmulos pelos cabelos molhados de suor, uma tentativa fútil de se controlar, de acalmar a tempestade que se enfurecia dentro dela. 

    — Como vai ser agora? Como vou me encontrar com ele?

    O pavor gelado que se abatia sobre seus peitos estava substituindo o otimismo febril que havia impulsionado sua partida. Eles haviam elaborado planos e estratégias juntos, formando uma frente unificada contra a escuridão. No entanto, agora estavam perdidos.

    — Estava tudo dando certo… I-isso não deveria ter acontecido.

    Não só a missão estava em risco, mas como eles também perderam uma vantagem em potencial. 

    — Não, calma. Vamos retomar o que perdemos.

    Emilly estava a ponto de se afogar no medo, mas uma centelha de resistência a seguiu. Ela não ia desistir. 

    — Apenas se acalma. Respira.

    Tinha que continuar pelo objetivo e pelo bem dele. Com os olhos fechados, ela respirou fundo e se levantou, com as pernas tremendo visivelmente como um lembrete constante de sua energia exausta. Era vital encontrá-lo, bem como manter o funcionamento da missão.

    Com força renovada, Emilly forçou os olhos a se abrirem. A escuridão, absoluta e sufocante, pressionava-a por todos os lados. Mesmo alguns passos à frente não faziam diferença, mas pelo menos era o suficiente para ser engolida inteiramente pela imensidão. 

    — Que tipo de lugar é esse?

    Ela apurou os ouvidos, procurando por qualquer som, qualquer pista do que estava ao seu redor. O silêncio foi quebrado apenas pelo ritmo irregular de sua própria respiração e pelo eco fraco de seu coração batendo forte. 

    Estava em outra passagem? Dentro de um duto de ventilação oculto? O conhecimento de que ela estava completamente cega, totalmente dependente do toque e do som, a atormentava.

    Estendeu a mão timidamente, procurando qualquer aparência de solidez em meio ao vazio sufocante. As pontas dos dedos roçaram uma superfície áspera, a textura fria e abrasiva servindo como uma ligação bem-vinda à realidade.

    — Existe alguma coisa…

    Sua voz sumiu – abruptamente interrompida por uma luz repentina e ofuscante que atravessou a escuridão, queimando sua visão. Ele instintivamente levantou um braço para proteger os olhos, vencendo quando o brilho severo começou a se dissipar lentamente.

    À medida que sua visão clareava, ela percebeu onde estava. 

    O lugar era um caleidoscópio de cores vibrantes e design elegante, uma prova da estética moderna da transmissão. O palco era espaçoso, dominado por uma grande mesa semicircular feita de vidro polido, que brilhava sob a intensa luz do estúdio. Atrás da mesa, uma grande tela de LED exibia gráficos dinâmicos e o logotipo do show, mudando cores e imagens.

    Outra luz brilhou em outra figura, o anfitrião. Ele usava um terno sob medida em um tecido roxo arrojado. O paletó tinha um corte elegante e moderno com um design transpassado, complementado por uma gravata borboleta preta que combinava com as lapelas do paletó, enfatizando a coesão geral do conjunto.

    Ele usava uma máscara facial totalmente branca com uma superfície lisa e brilhante que refletia a luz uniformemente. Seu modelo era minimalista e simétrico, com linhas limpas e precisas que definiam suas feições. Sua máscara tinha aberturas para os olhos, posicionadas para lhe dar um campo de visão desobstruído. Essas cavidades eram desprovidas de qualquer detalhe adicional, contribuindo para a aparência vazia e inexpressiva da máscara.

    Câmeras com luzes vermelhas de gravação giravam para capturar todos os ângulos, suas lentes brilhando ameaçadoramente. O anfitrião gesticulou na direção de Emilly com entusiasmo acolhedor, sua voz amplificada através de alto-falantes ocultos. Com sua voz estrondosa, anunciou com um toque dramático: 

    — Nossa convidada de hoje é uma poderosa agente dos Estados Unidos, além de ser uma grande influenciadora! Forte, linda e inegavelmente gostosa, por favor, dê as boas-vindas à Emilly Jones!

    O som de aplausos, como uma onda de confusão, tomou conta dela. Desorientada e confusa, o olhar de Emilly disparou ao redor, observando o cenário colorido, o público banhado por um brilho quente, as câmeras apontadas para ela como olhos famintos. 

    “Isso é algum tipo de armadilha?”  

    Seu olhar percorreu o palco em busca de Nicholas, de qualquer sinal de realidade em meio a esse espetáculo surreal. Mas não havia sinal dele, apenas um anfitrião sorridente estendendo a mão para ela.

    O anfitrião fez um gesto para que ela se sentasse em uma das poltronas macias e ela obedeceu.

    Um holofote cortou a multidão confusa, prendendo Emilly em um raio branco e forte. Os aplausos maníacos cessaram, sendo substituídos por um silêncio tenso. O apresentador, sem todo o charme praticado, inclinou-se para o microfone.

    — Boa tarde ou… boa noite? Não sei, o fuso horário desse lugar é estranho. — ele disse e o público riu. — Mas que surpresa adorável ter você no Showman. Embora, considerando a natureza secreta do seu *ahem*, trabalho, alguém possa se perguntar como uma agente importante como você acaba… desorientada ao vivo na televisão.

    Uma gota de suor escorreu pela têmpora dela

    — Eu, uh… E-eu não sei do que você está falando. 

    — Realmente? — Riu-se, um som desprovido de humor. — Porque de onde estou sentado, você se parece muito com a mulher estampada em todas as mídias espalhadas pelas as grandes redes sociais.

    O público riu coletivamente. O coração de Emilly batia num ritmo frenético contra suas costelas. 

    — Isso só pode ser um erro. Acredito que tenha me confundido com outra pessoa.

    — Não é? É que, com base em nossos registros, você quebrou todos os recordes de engajamento em sites de conteúdo adulto nos últimos dois anos. Mas vamos colocar isso à prova, certo? Todo bom agente precisa ser competente.

    A tensão na sala era forte o suficiente para sufocar. A sua mente disparou. Como poderia esse estranho possivelmente…?

    — Então, diga-me, Emilly, o que você tem a dizer sobre isso?

    Uma tela desceu entre o palco e a plateia. Ao se ligar, o telão revelou uma foto sensual dela. Em frente a um espelho, ela estava vestindo um body de malha preta transparente sem nada por baixo. Havia emojis de fogos cobrindo suas partes íntimas e, na legenda da foto, escrevera: “Estou tãããão entediada”.

    A respiração de Emilly ficou presa na garganta. A foto era inegavelmente ela, a pose capturada na privacidade de seu próprio apartamento. 

    — I-isso é… — Sua mente lutou por uma resposta coerente. — Isso é Photoshop! Uma piada de mau gosto! Alguém está tentando me incriminar!

    O anfitrião riu.

    — Haha! Oh, Emilly, sempre com desculpas. Mas não tema, temos mais evidências para brincar.

    Ele estalou os dedos e outra tela apareceu. Essa tela exibia uma série de videoclipes, cada um deles um trecho de um vídeo que Emilly se lembrava vagamente de ter feito em um momento pós-separação há um ano. 

    Os trechos, que foram editados para remover seu contexto, a mostravam fazendo poses sensuais para a câmera enquanto falava:

    — Olhe para mim, sei que você tá sedento e ansioso. Tá com fogo, não tá? Porque, querido, a única coisa pegando fogo aqui é a minha vontade de estar contigo.

    Outros trechos eram uma série de piadas autodepreciativas que agora pareciam terrivelmente fora de lugar nessa situação de alto risco.

    — Uau. Alguém chame o corpo de bombeiros, porque essa foto está esquentando, haha!

    Uma onda de mal-estar tomou conta de Emilly. Não era só uma piada. Seu jeito descontraído e jovial de ser, daqueles tempos, era agora um estranho, um fantasma de uma época passada. 

    Presa sob os holofotes, sua capa fabricada com todo o cuidado, como uma agente governamental, estava se desfazendo pelas costuras. 

    — Bem, querida… — Sua voz possuía um tom perigoso. — Tick-tock. Parece que seu disfarce foi descoberto. É hora de contar a todos nós quem você realmente é.

    Ela forçou um sorriso, frágil e pouco convincente. 

    — Olha, essas coisas foram há muito tempo, uma fase estúpida. Eles não têm nada a ver comigo agora.

    — Uma fase, né? Talvez o público queira saber mais sobre essa fase.

    — Na verdade, eu quero saber…

    — Calada. — Interrompeu com um tom ríspido. — Quem faz as perguntas aqui sou eu. Agora responda. Anda.

    O público riu. Ela abriu a boca, as palavras presas em sua garganta. A vergonha, um peso familiar, pressionou-a. Finalmente, um sussurro escapou de seus lábios. 

    — Uh… eu… tive um namorado.

    A memória veio à tona, uma maré amarga. 

    — Ele era tóxico e… — Engasgou, a palavra era uma tentativa desesperada de transmitir o controle sufocante, o medo constante que ele instilou. — Ele não era bom para mim. Me controlou, me manipulou. Eu era burra, cega por um afeto. Qualquer afeto que fosse.

    A imagem de seu rosto ameaçador, de suas palavras ameaçadoras, tremulou por trás de suas pálpebras fechadas.  

    — Se eu não fizesse o que ele disse, ele iria surtar. Por mais estúpida que eu fosse, eu… — A vergonha a inundou novamente, quente e sufocante. — Eu o amava. Mandei até fotos e vídeos sensuais para ele, pensando que ele não os enviaria para ninguém.

    Uma risada amarga escapou dela. 

    — Ingênua. Tão incrivelmente ingênua

    A imagem da sua vida despedaçada em milhões de pedaços, a humilhação pública, a dor lancinante – tudo ameaçava dominá-la. 

    — Quando terminamos depois de uma grande briga, ele acabou vazando tudo para a internet.

    Finalmente, Emilly se permitiu ver verdadeiramente o homem atrás do microfone, todo ângulos agudos e charme predatório. O anfitrião não estava interessado na verdade, apenas nas avaliações. Ele queria que a dor dela fosse um espetáculo.

    — Bem, diga para gente, como alguém consegue conciliar uma carreira de alto risco em inteligência e ao mesmo tempo ser um influenciador de mídia social de alto nível? — Seu tom era ao mesmo tempo admirador e zombeteiro, com um toque de sarcasmo mal escondido.

    Emilly engoliu em seco, com a boca seca. Ela sabia que tinha que seguir em frente, mas sua mente estava confusa.

    — Bem, uh… é tudo uma questão de equilíbrio, eu acho. — Forçou um sorriso, esperando que não parecesse tão falso. — Você tem que ficar… conectado e sempre preparado para qualquer coisa.

    — Preparado para qualquer coisa, né? Como ser repentinamente colocado no centro das atenções em um talk show? 

    Emilly tentou rir junto com o público, mas saiu mais como uma risada nervosa. Ela se mexeu na cadeira, sentindo o calor do olhar das câmeras.

    — S-sim! — respondeu, tentando parecer confiante. — Por isso, a adaptabilidade é a chave para as duas áreas.

    — Falando em adaptabilidade, como você lida com a pressão de guardar segredos em um mundo que envolve compartilhamento excessivo?

    O público se acalmou, sentindo a mudança de tom. Emilly sentiu um nó no estômago. Esta não seria uma conversa amigável.

    — É… desafiador — admitiu, sua voz se firmando. — Mas você aprende a compartimentar. Para manter suas vidas profissionais e pessoais separadas.

    — Compartimentar? Parece uma palavra chique para levar uma vida dupla.

    O público murmurou e o pulso dela acelerou. 

    — É uma questão de integridade e responsabilidade. Meus seguidores respeitam o fato de não poder compartilhar tudo e meu trabalho exige discrição.

    — Ah, discrição! — O sorriso na sua máscara mudou para algo malicioso e afiado. — Como aquelas postagens discricionárias nas redes sociais, onde as pessoas faziam uma reserva vaga de todo o seu drama. Você já se sentiu tentado a fazer o mesmo?

    Ela hesitou, dividida entre a franqueza e a evasão. O anfitrião aguardou a resposta. 

    — Eu… me lembro disso. Mas não, prefiro ser direta. Se não posso dizer algo, não provoco.

    O anfitrião fez um aceno de cabeça, embora aparentemente benigno, mas continha o peso de expectativas não expressas.

    — Bem, você é uma mulher de muitos talentos. Vamos falar mais sobre você, sim? Responda, qual é o seu maior medo?

    A pergunta permaneceu suspensa no ar, à primeira vista inócua. No entanto, como se tivesse sido convocada das profundezas de sua psique, uma onda de desconforto a invadiu. 

    — Meu maior medo é… — Ela se remexeu na cadeira, com os dedos batendo nas suas coxas. Uma luz se aproximava dela. — Meu maior medo é agora não saber o que vai acontecer a seguir.

    Os lábios de sua máscara se curvaram, revelando um toque de aprovação.

    — Bem, bem. Parece que você se deparou com uma situação difícil. Mas não tenha medo, porque temos um joguinho planejado, só para você. Chama-se Verdade ou Perigo. Responda com sinceridade e você poderá sair daqui… ilesa. Mentira. 

    O cenário opulento se transformou em um ambiente completamente diferente. As cores pastéis e as poltronas macias haviam desaparecido. Em seu lugar, as paredes pretas vibravam com veias azuis elétricas, refletindo o ritmo frenético do coração de Emilly. 

    Os efeitos sonoros, normalmente reservados para aplausos alegres, aumentavam agora como um animal enjaulado, amplificando a tensão crescente.

    As luzes do estúdio se intensificaram. O apresentador entrelaçou os dedos, ampliando seu sorriso em um convite arrepiante.  

    — Nossos espectadores estão morrendo de vontade de saber. Você já traiu alguém?

    Os nós dos dedos de Emilly ficaram brancos enquanto apertava seu braço. 

    — N-não. Acredito na fidelidade.

    Havia nos olhos dele o brilho de algo semelhante a um predador avistando uma presa. 

    — Então fidelidade é uma grande parte da sua imagem pública, não é? O marido dedicado, o amigo leal.

     — Com certeza. — respondeu, com a voz um pouco alta demais. — A fidelidade é fundamental para mim. É a base de qualquer relacionamento saudável.

    — Esse é um sentimento muito nobre, mas relacionamentos geralmente são assuntos complicados, você não concorda?

    Uma centelha de desconforto cruzou o rosto de Emilly, uma contração sutil no canto da boca. Ele limpou a garganta, com a indiferença forçada e tensa. 

    — Claro, mas compromisso exige trabalho. É uma questão de comunicação, confiança…

    — Esse é um pensamento reconfortante. — disse ele, cuja voz estava dotada de uma doçura falsificada. — Porque não seria uma pena se alguém com uma perspectiva diferente passasse por aquela porta agora?

    A respiração de Emilly se acelerou. A porta no fundo do cenário, normalmente usada para entradas dramáticas de convidados, aumentava seu pavor a cada segundo que passava.

    — Veja bem, essa é a beleza de Verdade ou Perigo. Não confiamos apenas em palavras, mas também em fatos frios e concretos. — Apontou para um monitor ao lado. — Fatos que podem pintar um quadro diferente de seus relacionamentos anteriores.

    A imagem construída com esmero que Emilly havia passado anos cultivando estava no limite. Ela podia negar tudo, mas o seu medo a atormentava. Seria a evidência irrefutável de uma única transgressão ou uma história condenatória esperando para ser exposta?

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