Capítulo 24 – Magia de verdade e magia falsa [1/2]
por SnowBear“O que você quer dizer com ‘magia verdadeira’?” lith perguntou.
“Ainda é muito cedo para te dizer. Claro, se você estiver muito curioso você pode olhar na minha mente agora, mas eu não sei o quão útil isso poderia ser.”
Lith olhou a memória de solus, descobrindo que ela não estava exagerando nem um pouco. A mente dela estava cheia de ‘e se’ e ‘mas’, constantemente analisando fatos, revisitando memórias, fazendo uma especulação após a outra, antes de dispensá-las.
“O que eu posso fazer para te ajudar?”
“Eu preciso de duas coisas. Primeiro, todos os livros sobre a história da magia que você puder encontrar. Segundo, nós precisamos sair daqui e fazer alguns experimentos. Eu vou explicar tudo depois.”
Lith foi até Nana, pedindo a ajuda dela.
“Claro, eu tenho livros sobre a história da magia. Mas não são um tópico tão interessante, então eu só comprei alguns que cobrem a história dos últimos cem anos. É o suficiente pra você?”
Lith acenou com a cabeça.
“Você pode, por favor, contatar o conde Lark e perguntar se eu posso pegar emprestado alguns livros dele?”
“Você é mesmo excêntrico, primeiro você me implora para te ensinar magia…”
“Eu nunca implorei. Foi você quem se ofereceu para me ensinar e eu aceitei.”
Nana fingiu não ter ouvido nada e continuou.
“…E agora que você tem uma oportunidade de aprender magia de verdade, você quer se enterrar em livros de história?”
“Depois de refletir sobre o que você me disse e o que a Magus Lochra escreveu, entendi que preciso entender o passado para compreender o presente e planejar o futuro.” Lith improvisou, desenterrando um antigo lema de família.
“Faz sentido, mais ou menos.” Nana concordou. “Vou contatar Lark pelo amuleto de comunicação e ver o que posso fazer.”
“O Conde também tem uma?” Lith perguntou surpreso.
“Não é nenhum tipo de segredo ou algo assim. Nobres, mercadores, soldados, não importa sua origem, contanto que você possa pagar o preço, você pode conseguir um.”
Lith agradeceu a Nana antes de retornar à sala de estudos. O livro era muito detalhado, registrando tanto pontos de virada históricos quanto folclore.
Lith não sabia exatamente o que eles estavam procurando, então ele leu cuidadosamente, passando os olhos apenas pelas partes sobre conflitos entre países ou Associações Mágicas. Em vez disso, ele se concentrou em estudar a vida de magos, arquimagos e Magus influentes.
Depois de passar algumas horas pesquisando o passado, ele já havia encontrado um padrão recorrente na ascensão dos Magos. Alguns foram reconhecidos como gênios em tenra idade.
Mas a maioria deles começou a ser considerada, na melhor das hipóteses, medíocre, nunca alcançando resultados notáveis até que, em algum momento, seu talento simplesmente disparou.
Isso geralmente acontecia entre os trinta e os trinta e cinco anos de idade, bem depois do suposto auge, quando a comunidade mágica já havia praticamente se esquecido deles.
Claro, o autor não tinha ideia do que acontecia para causar tal reviravolta, então ele apenas apresentou as teorias mais populares da época. Pena que aqueles parágrafos se assemelhavam mais a uma obra de ficção do que a relatos históricos.
De acordo com alguns rumores, a maga Elista havia se casado em segredo com o deus da magia, enquanto outros alegavam que ela havia encontrado um amuleto místico de uma civilização perdida que era capaz de lhe conceder poder ilimitado.
O mesmo teria acontecido com Magus Morgania e Frejik. Um começo obscuro, seguido por uma ascensão repentina em poder e glória, sem nenhuma explicação plausível além de contos de fadas e encontros divinos.
“Será que era isso que Solus estava procurando? Talvez o que mudou não tenha sido um golpe de sorte insano, mas a descoberta da ‘magia verdadeira’ que Solus falou antes.”
Lith estava prestes a fechar a página, tendo ficado sem mana, quando Solus o parou.
“Vire a página, por favor.” Lith não fazia ideia do porque, mas fez como foi instruído. Lendo rapidamente a página, ele notou que era sobre alguns conflitos em terras distantes, onde vários magos de baixo rank morreram.
Solus fez ele virar todas as páginas até o final do livro.
Já era hora do almoço, então lith começou a andar de volta para casa.
“Você achou alguma coisa importante?” Ele perguntou.
“Sim, eu acho que sim. Eu só preciso que nós façamos alguns testes para pôr minha teoria em prática. Se eu estiver correta, uma vez que você experimente a diferença entre magia verdadeira e magia falsa, você vai ser capaz de entender meu raciocínio.”
“Espero que, quando fizer isso, você possa me ajudar a preencher as lacunas que não consigo explicar.”
A mente e o coração de Lith estavam em turbulência, a estrada parecia se estender infinitamente à sua frente. Mesmo quando ele se sentava ao redor da mesa junto com sua família, ele era incapaz de esconder seus sentimentos desagradáveis.
“Droga! Droga, toda essa porcaria! Primeiro minha origem real, depois magia espiritual, magia de fusão, e agora isso? Quantos segredos eu tenho que guardar para me proteger deste mundo, para proteger minha família de mim?
Eu não poderia simplesmente encontrar um martelo mágico ou algo assim, que me concedesse poderes divinos1? Ou talvez apenas ser escolhido a dedo por um mago antigo, para me tornar o campeão da ordem apenas falando uma palavra maldita2? Por que tudo tem que ser tão complicado?
Eu realmente amo minha família, exceto Trion, mas não consigo ser honesto com eles. Desse jeito, nunca terei amigos, uma namorada ou qualquer outra coisa. Serei forçado a passar minha vida sozinho com meus segredos.”
“Não. Não sozinho.” A voz de Solus ressoou em sua mente, cheia de gentileza e afeição. O núcleo da torre ao redor do pescoço de Lith pulsou, liberando ondas suaves de mana que envolveram seu corpo como um abraço caloroso.
O humor de Lith melhorou um pouco, permitindo que ele tivesse uma refeição agradável e conversasse com sua família, contando uns aos outros sobre os trabalhos do dia.
Depois de lavar a louça, ele finalmente conseguiu sair de casa e ir para a floresta Trawn. Lith tinha sua própria clareira especial, bem no meio da floresta. Um lugar espaçoso o suficiente para treinar suas habilidades mágicas sem colocar árvores ou vida selvagem em perigo3, e longe de olhares curiosos.
Lith e Solus checaram duas vezes os arredores em busca de intrusos ou bestas mágicas. Não encontrando nenhum, Lith pôde finalmente tirar seu grimório da dimensão de bolso e começar a memorizar o feitiço de nível um mais simples que ele havia encontrado no livro de Nana.
“Não precisamos de algo poderoso ou complexo para nossos experimentos. Apenas algo para comparar com suas próprias magias. Quanto mais rápido você dominá-lo, mais cedo teremos nossas respostas.” Solus explicou.
O feitiço era Gelo penetrante, uma versão diluída do feitiço Lanças de gelo que Lith usava contra oponentes enormes como os Ry ou os javalis. Sua palavra mágica era “Joruna Lituh”, com acentos no u para Joruna e no i para Lituh.
Os sinais de mão necessários para lançá-lo começavam com os dedos indicadores se tocando nas pontas, antes de afastá-los, desenhando um sete no ar com o dedo indicador direito, enquanto o dedo esquerdo tinha que executar um movimento espelhado ao mesmo tempo.
Depois disso, a mão esquerda tinha que parar, enquanto o dedo indicador direito tinha que girar, desenhando um círculo completo antes de apontar para o alvo.
O resultado esperado era conjurar e atirar um fragmento gigante de gelo contra um inimigo.
“Como isso pode ser considerado um feitiço simples? Tanto esforço para tão pouca coisa.”
Em sua primeira tentativa, Lith conseguiu conjurar uma espécie de garfo gigante que avançou por alguns metros antes de cair no chão.
“Você não aspirou o h”, Solus comentou.
Então se tornou um bumerangue que quase cortou sua cabeça.
‘É Lìtuh, não Litùh!”
Após uma série de falhas sem risco de vida, Lith teve que admitir que não conseguiu aprender a pronúncia da palavra mágica e os sinais de mão ao mesmo tempo. Então, ele teve que sentar e recitar o feitiço até acertar.
Depois disso, ele teve que encarar de frente sua má coordenação motora4.
“Não é um sete, mais como um um. Faça a segunda linha mais íngreme!”
“Você deveria desenhar um círculo, não um ovo!”
“Você pode parar sua mão esquerda durante o último movimento, por favor? Senão, nunca veremos o fim disso.”
Fracasso após fracasso, Solus continuou incomodando a mente de Lith, corrigindo os muitos erros que ele cometeu durante cada tentativa.
“Se você é tão boa, por que não faz você mesmo?” Lith rebateu, explodindo de frustração.
“Desculpe, eu não tenho um corpo. Sem mencionar que não posso executar nenhum feitiço a menos que a) você primeiro saiba como fazê-lo e b) você me dê permissão para isso.”
Foi uma longa tarde para Lith, cheia de xingamentos, suor e lançamentos, não necessariamente nessa ordem, antes que ele finalmente conseguisse acertar Gelo penetrante.
Ele continuou repetindo o feitiço até que se tornou algo natural para ele.
“Não acredito que tive que trabalhar tanto para o feitiço mais simples. Mal falta uma hora antes do pôr do sol. Ei, Solus, já é tempo suficiente ou encerramos as coisas por hoje e voltamos para casa?”
“É mais do que suficiente. Diga-me, como é usar magia dessa forma?”
“Para ser honesto, não parece nada. Estou tão focado em toda essa porcaria que mal consigo respirar.”
Solus assentiu mentalmente.
“Perfeito. Agora lance sua magia Lanças de gelo, atirando apenas uma lança.
Lith estava tão cansado que precisou dizer a palavra mágica em voz alta.
“Jorun!” Com um movimento de pulso, Lith conjurou uma lança de gelo fina e afiada que atingiu a árvore mais próxima com mais rapidez e força do que o Gelo Penetrante.
“Agora concentre-se, como você fez isso?”
Lith não conseguia entender todas aquelas perguntas aparentemente estúpidas, mas confiava em Solus o suficiente para saber que ela não estava apenas tentando irritá-lo.
“Como de costume. Primeiro, visualizei mentalmente o efeito do meu feitiço, coisas como o formato da lança, a trajetória, etc.
Depois usei meu núcleo de mana para gerar mana suficiente para sustentar minha magia, levando em consideração o tamanho da lança que eu queria conjurar e o quão longe eu queria que ela atingisse.
Finalmente, projetei minha mana para fora, misturando-a com a energia do mundo para ter acesso ao elemento água e voilà! Pedido pronto.”
“Ok, agora use Gelo penetrante, de novo. Desta vez, faça isso lentamente, tente sentir como sua mana flui de acordo com a magia.”
Lith precisou de algumas tentativas antes de ter sucesso na tarefa que Solus lhe havia atribuído, o resultado foi surpreendente.
“Que diabos? Assim que começo com os sinais de mão, uma parte da minha mana sai do meu corpo. E tem mais. A palavra mágica determina como minha mana interage com a energia do mundo, neste caso o elemento água, enquanto também dá à magia sua forma e tamanho.”
Lith percebeu que se Solus tivesse um rosto, ela teria um sorriso maroto de orelha a orelha.
“Você está quase na linha de chegada. Faça Gelo penetrante novamente, mas tente fazer o fragmento de gelo maior.”
“Não posso.” Lith ficou pasmo. “Se eu tentar adicionar mais mana, a magia se torna instável e se dissipa.”
Solus pediu que ele tentasse gerar um segundo fragmento de gelo, depois para tornar o fragmento único mais rápido e finalmente alterar sua trajetória logo após ele se materializar. A resposta de Lith era sempre a mesma.
“Não posso. O feitiço inteiro está gravado em pedra. Depois que aprendi os sinais e a pronúncia corretos, me tornei nada mais do que uma fonte de mana e um sistema de mira. Meu núcleo de mana e imaginação não desempenham nenhum papel nesse tipo de conjuração de feitiço.”
Lith de repente teve uma epifania.
“E é por isso que você considera isso uma mágica falsa!”
“Chamar isso de magia falsa é um pouco extremo, mas para simplificar, vamos chamar assim.”
Lith podia sentir Solus transbordando orgulho.
“Agora eu finalmente posso compartilhar minha teoria com você. Primeiro de tudo, eu gostaria que você pensasse em todos os passos necessários para usar a magia verdadeira.”
“Onde você quer chegar?”
“O que quero dizer é que o que você tão casualmente descarta como ‘normal’, na verdade é um feito muito complexo, muito mais difícil do que magia falsa.”
“Hmmm. Desculpe, ainda não consigo te acompanhar.”
Solus bufou mentalmente de frustração.
“A magia verdadeira não é tão simples quanto você faz parecer. Ela requer que você esteja ciente do seu próprio núcleo de mana e seja capaz de gerar a quantidade certa de mana para cada magia. Muita mana e isso sairia pela culatra, muito pouca e não teria sucesso.
“Também requer que você seja capaz de projetar sua mana para fora, alcançando a energia do mundo por si mesmo. Duvido até que Nana seria capaz de fazer isso.”
Lith achou essa última parte difícil de acreditar.
“Quando você coloca dessa forma, claro, não é uma tarefa fácil. Mas é o que todo mundo faz com a magia doméstica. Qual é a diferença entre a magia verdadeira e a magia doméstica? Por que ninguém mais a usa?”
Solus parou por um momento, dando a lith tempo suficiente para pensar.
“A diferença está na quantidade de mana necessária. Magia doméstica precisa de pouca mana, então você pode usá-la mesmo sem ativar seu núcleo de mana, enquanto a magia verdadeira pode exigir grandes quantidades de mana, de acordo com o que você está tentando realizar.”
Vendo que Lith estava com dificuldades, Solus começou a usar um tom monótono e repreensivo.
“A magia de tarefa é a base da magia, ela ensina tudo o que você precisa, exceto como ativar o núcleo de mana. A magia falsa é como uma muleta, um método de conjuração de magia infalível ‘magia para lerdos’.
Você só precisa aprender algumas palavras e gestos e, contanto que tenha mana suficiente, ele faz tudo sozinho. Minha hipótese é que a magia doméstica e a magia falsa são ensinadas nessa ordem como um curso de treinamento para a magia verdadeira.
Mas apenas alguns, como os Magus, entendem que a magia falsa não se trata de movimentos dos dedos e palavras mágicas, mas sim de perceber o fluxo de mana e aprender a controlá-lo.
Seus exercícios de respiração também são uma muleta, mas uma boa, já que eles o ajudaram a acessar o núcleo de mana e o deixaram ciente do fluxo de mana. Magia falsa, em vez disso, é ruim, já que torna seus usuários muito dependentes de seu poder.
A maioria dos usuários de magia falsa são tão obcecados com detalhes como sinais de mão e pronúncia, que vivem suas vidas inteiras sem perceber o que está além. Magos falsos, especialmente aqueles com grande talento, tornam-se tão complacentes sendo capazes de fazer o que ninguém mais pode, que eles nunca param por um momento para se perguntar o porquê. É meio irônico.”
Lith ficou atônito. Tudo fazia perfeito sentido.
“Se você tinha tudo isso planejado, por que não me contou? Quais são essas falhas na sua teoria que você mencionou antes?”‘
Solus ficou envergonhada, mas mesmo assim respondeu.
“Porque não consigo responder alguns pontos-chave da minha própria teoria. Se eu estiver certa, por que a magia falsa é a única disponível para todos? Por que os verdadeiros magos matam quem tenta espalhá-la para o mundo inteiro?”
“Fazem oque?”
Solus fundiu suas mentes, mostrando a Lith todas as coisas que ela havia notado ao ler o livro de história. Como tantos teóricos e magos em ascensão morreram em acidentes ou circunstâncias misteriosas, geralmente logo após anunciar à comunidade mágica uma descoberta inovadora.
Outros, por outro lado, seriam descartados como fraudes, antes de enlouquecerem e desaparecerem.
Lith só conseguiu rir muito.
“Oh, meu Deus. Solus, você é tão inteligente e ainda assim tão ingênua nos caminhos da humanidade. A resposta é realmente simples. Você sabe por que na Terra tínhamos engarrafamentos? Porque todo mundo podia ter um carro.
Você realmente deixaria qualquer louco ou qualquer tolo ingênuo colocar as mãos nesse tipo de poder? Magia falsa é um meio de controlar as massas, não é o teste final como você pensa.
Depois que alguém descobre a verdadeira magia, o teste final é demonstrar ser inteligente o suficiente para se juntar silenciosamente ao clube e colher os benefícios. E se você não gosta das regras do clube, a única saída é a morte.”