Capítulo 12 (Parte 1) - O começo do sonho
Se teve uma coisa que aprendeu durante sua vida, ou pelo menos, nos últimos anos dela, era lidar com pessoas que estavam dispostas a pagar pouco. Como professora particular, sempre tentavam passar a perna, sempre tentavam dar um jeito de pagar menos ou “pagar com divulgação”. Ela não esperava, entretanto, que um dia estaria no outro lado da moeda.
— Setenta mil — propôs com firmeza na voz — e aí fechamos negócio.
— E pela terceira vez, eu só aceito noventa e cinco. Nada menos, mas aceito mais. — O vendedor cruzou os braços e franziu a testa. Baret soltou um suspiro, balançou a cabeça por um segundo e respondeu:
— Mas seu anúncio está aí faz dois anos! E esse negócio tem o quê? Vinte anos? Pensa comigo: quem vai comprar essa lata velha por noventa e cinco?
— Alguém que sabe o valor das coisas! Sabe quanto eu paguei nesse troço na época? Duzentos mil! — Recuou alguns passos, apoiando suas costas na parede. — Já não aguento mais ver a sua cara, faremos assim: oitenta mil.
Baret quase respondeu um “setenta e cinco”, mas se conteve. Pensou um pouco. Colocou a mão sobre o queixo e, após muito pensar, respondeu num quase desanimado:
— Tá, negócio fechado. Fica por oitenta mil.
O vendedor deu um sorriso e apertou a mão de Baret com força. Tirou duas chaves do bolso e entregou para ela.
— Você pode usar a garagem por dois dias, como combinado. Depois disso, nunca mais apareça! — Não perdeu mais nenhum minuto, saiu dali com o passo apressado.
Baret ficou parada, encarando o que seria a “Carreta Fogueteira”. Soltou um suspiro longo e tirou o celular do bolso.
— Hey… Podem vir. E traz as ferramentas.
. . .
Quando a porta da garagem se abriu, Baret parou de olhar o celular. Eram as pessoas que estava esperando, os membros de seu grupo: Axel, Quincas e Émile. Quando encararam a tal Carreta, fizeram caras e bocas.
Antes que Baret pudesse falar qualquer coisa, Axel se aproximou. Rodeou a “Carreta”, olhou por baixo, abriu o motor, olhou o interior. Tudo isso em silêncio. Quando finalizou o check-up, estendeu três dedos.
— Três coisas: primeiro, isso não é uma carreta, é um motor home. Segundo, isso aqui vai dar pau quando andar exatamente oito quilômetros e doze metros. Terceiro, eu falei para não comprar sem mim, caralho.
— Eu comprei sem você, pois, nas últimas DUAS VEZES que fomos comprar a porra do carro, você encheu TANTO o saco do vendedor que eles se recusaram a continuar o negócio! ENTÃO É MEIO ÓBVIO QUE ESSA NÃO ERA A MELHOR OPÇÃO, PORRA! — Deu um soco naquela carreta ao ponto do carro balançar um pouco e ficar com a respiração pesada. Os dois homens ficaram em silêncio por algum momento, até Axel ousar falar:
— Enchi o saco nada! Impedi você de levar golpe! Infelizmente, não deu para salvar todas… Tomou golpe.
— Qual é! Não é tão ruim, é? É… espaçoso, pelo menos. — Quincas aproximou-se, com um sorriso amarelo no rosto. — Beleza que parece um pouco enferrujado e que os pneus tão meio brancos… esse aqui não tá furado?
— Está — confirmou Axel — é espaçoso, sim. O problema é que isso não vale…
— Tu consegue fazer esse negócio ser foda, ou não? — Baret o interrompeu. — Só isso que eu quero saber.
— Óbvio que eu consigo. — Do seu coldre, tirou sua slinger e atirou algumas vezes na parede da garagem. Abriu um portal para o quarto do hotel e entrou lá. Pegou duas caixas de ferramentas e um saco de velharias, levou-as para a garagem. — Mas não vai ser de grátis, eu vou precisar que comprem uma pá de coisa.
— Tipo o quê?
— Radiadores, um aquecedor, um armário, um compressor modelo… Quer saber? Eu vou fazer a lista. A gente também precisa comprar comida, preferencialmente enlatada, munição e o resto de coisas que todo grupo leva para uma viagem.
— Tá… Beleza, de boas, temos dinheiro para comprar isso, eu acho… Só tem uma coisa.
— O quê? — Quincas questionou — me parece tudo certo.
— A gente ainda tem que pagar a Simone. E Émile tem que falar com o irmão.
Os três viraram-se e encararam Émile, que estava no canto da sala, quieta. Estava um tanto quanto contida, com um olhar cabisbaixo. Levou um tempo até ela mesma perceber estar sendo o centro das atenções.
— Hã? Ah! O que foi gente?
— Tá tudo bem? — Baret questionou. — Tá quietinha.
— Ah, é que… tô pensando como eu vou falar com o meu irmão sobre isso. Era para a gente voltar para Orfenos amanhã né, mas teve o atentado… Ele não quis falar sobre. N-não que eu vá falar o que me aconteceu! É só que… vocês sabem. Não quero abandonar ele num momento desses.
— Você quer que eu fale com ele? — Quincas se aproximou, colocou a mão no queixo. — Uma vez consegui convencer um pai a deixar a filha dele casar com um cara que ela tinha conhecido numa festa.
Émile ficou em silêncio. Pensou bastante no que responder.
— Não… precisa… Valeu. É algo que eu tenho que falar eu mesma.
— Beleza! Tá, nesse caso, você vai falar com seu irmão, Axel fica aqui consertando a Carreta e eu e a Baret vamos pagar a Simone!
— Eu consigo pagar a Simone sozinha — Baret comentou.
— Nesse caso eu ajudo o Axel com o carro!
— Eu prefiro cometer seppuku — Axel disse enquanto mexia nas suas ferramentas — de verdade, você provavelmente iria fazer o negócio explodir. Então, me faz um favor e não toque em nada.
— Qual é! Não sou tão ruim assim! Mas ok. Tem alguma coisa que eu possa fazer? Tô me sentindo meio deslocado aqui.
— As compras, ué — Baret respondeu — você tem cara de bom negociador, então deve conseguir achar as coisas por um preço bom.
— Verdade! Consigo sim. Me manda a lista e um dinheiro, aí compro as coisas.
Axel fez a lista e Baret mandou algum do dinheiro disponível. Em seguida, todos foram fazer as tarefas designadas: Axel ficou na garagem, consertando o que podia no momento, Quincas pegou um busão e foi para o setor comercial, Baret foi ao El Gato Rojo pagar a dívida e Émile passou pelo portal para o hotel.
Um arrepio passou pelo corpo de Émile quando atravessou o portal. Deu uma olhada pelo quarto do grupo, em seguida foi ao elevador. Seu irmão deveria estar no próprio quarto, ela não perderia tempo, iria direto para lá. Após alguns minutos esperando o elevador, ele finalmente chegou ao andar e se abriu, dando-lhe uma surpresa: Arya.
Ambas desviaram o olhar e ficaram em silêncio. Émile relutantemente entrou no elevador, ficando em uma ponta e Arya, em outra. A porta se fechou e o elevador pouco a pouco começou a subir. Não havia sequer uma música de elevador para servir de fundo sonoro, o único barulho que podia ser ouvido era o ruído do elevador subindo.
— …
— …
O barulho de ruído pouco a pouco ia diminuindo, até subitamente parar, o elevador balançou e a luz piscou por um momento. Não levou muito tempo para as duas perceberem o que ocorreu: o elevador tinha parado por completo.
— Estamos… presas? — Arya questionou relutantemente.
— É. Acho que sim.
Arya, a mais próxima dos botões, apertou o botão de emergência e esperou. Uma voz robótica apenas disse “Estamos cientes do problema e estamos trabalhando numa solução” em resposta. Ambas ficaram ali, paradas, em completo silêncio.
Na marca de dez minutos esperando, Émile desistiu de ficar de pé e sentou no chão do elevador. Arya levou mais cinco minutos para se render a isso, porém, também sentou-se no chão. Sem muito o que fazer com a falta de sinal de celular, Arya foi ousada: puxou assunto.
— Então… como está?
— Bem, eu acho — respondeu Émile — o pessoal da Carreta tem me ajudado bastante, então estou bem. Foi divertido ficar com eles.
— Que ótimo. Você já falou com o seu irmão sobre isso?
— Não. Eu estava indo falar agora, na verdade. Não sei bem como falar, entretanto. Acho que, no fundo… Eu tô ainda tô hesitando.
— Sei como é. Ao mesmo tempo… meio que te invejo.
— Hã? O quê?
— Bom, acho que acabei falando algo sem relação alguma. Mas bem, meio que te invejo. O pessoal é um grupo legal. Não ficamos muito tempo juntos, mas consigo entender o porquê você quer ir com eles. De certa forma, queria estar no seu lugar.
— S-sério? Tem algum motivo específico?
— Ah… bom, eu tenho uma slinger também, sabia?
— Tem?! Você é uma gunslinger?! — Os olhos de Émile arregalaram. Arya respondeu com um sorriso envergonhado e negou com a mão.
— Não, esse é o ponto… Nunca ressoei com a arma. Pelo que sei, é consenso que para se tornar um gunslinger, você deve ser fiel a sua verdadeira personalidade, então quer dizer que… eu não sou fiel à minha.
— Para uma artista, isso parece bem… insultante?
— É. Por isso sempre quis viajar, conhecer o mundo, sempre dizem que é uma boa forma de conhecer a si, não é? Então estou em busca disto… Achar o verdadeiro “eu”; me achar. — Nos seus olhos vermelhos, havia algo a mais, Émile sabia disso. Tinha certeza que ela estava sendo sincera, mas não podia deixar de notar que algo estava sendo escondido, a verdade era incompleta. Mesmo assim, não se incomodou. Fez uma proposta sem pensar duas vezes:
— Sabe, acho que a Baret não seria contra você ir com a gente.
— Eu? Haha, não, eu não seria útil. Até sei usar uma arma e tudo mais, e sei alguma coisa sobre corpos humanos, então conseguiria tratar algumas feridas, mas num geral? Não, só atrasaria o grupo.
— Você acabou de citar do porquê seria útil! A gente precisaria de um médico!
— Mas eu não sou médica! Eu só sei uma coisa ou outra por causa… bem, das estátuas. Aprender anatomia acabou me ensinando uma coisa ou outra, nada realmente útil.
— Melhor que nada, não é? Sério, vamos tentar ao menos falar com a Baret! O pior que ela pode dizer é não!
— Ah… é que… Você está bem com isso? Eu pensei que ficaria desconfortável com a minha presença.
Émile parou e pensou por um segundo, negou com a cabeça e respondeu com uma voz tranquila:
— Foi uma escolha minha. No fundo, eu… eu não queria, exatamente. Eu até cheguei a me arrepender quando achei que iria morrer, mas em nenhum momento eu te culpei. Se tem algo para algo culpar, é minha a minha própria fraqueza. Além disso…
— Além disso…? — Arya repetiu.
— De certa forma, foi por sua causa que eu me senti motivada. Se não fosse por você, eu nem conseguiria correr… Seria pega logo no primeiro minuto, nem sei o que aconteceria se fosse o caso. Então talvez você tenha salvado todo mundo! Eu acho…
— B-bem… — Havia claros sinais de vergonha no rosto de Arya, que desviava o olhar. — Acho que posso tentar falar com a Baret então. Não custa tentar.
— É! E eu, com o meu irmão. Mas primeiro…
— O quê?
— Esperar o elevador se mover. A gente ainda tá presa.
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