Capítulo 91 — Liberdade (3)
Os dias passaram num piscar de olhos. Durante o intervalo de tempo, os grupos de Bastien e Selina sobreviveram à base da comida e água que trouxeram em suas próprias bolsas. Eles ficaram esses dias no mesmo ponto, apenas esperando o grupo de Isak retornar.
O que pareceu quatro dias para o grupo de Bastien, para Theo, em seu plano espiritual, foram meses.
Ele notou que ao se entreter com algo em específico, a relatividade do tempo se aplicava de uma forma mais intensa. Da última vez, Theo passou cinco horas no mundo físico e foi equivalente há cinco dias no plano espiritual.
Isso só foi possível graças ao plano espiritual ser, pelo menos o individual, uma forma de acessar a própria mente. Existe outro plano espiritual claro, que é onde os espíritos metafísicos se encontram. Mas, este segundo é uma dimensão, enquanto o primeiro é quase um domínio mental.
Devido a este fato, o plano espiritual individual é maleável para cada indivíduo. Uma perspectiva de como cada um enxerga o mundo, se aplicando às suas próprias mentes e criando um domínio interno. O domínio dos arcontes, outrora explicado por Hades e Alunne, é apenas uma forma de aplicar esse plano espiritual à realidade. Porém, só o mais alto escalão celestial conseguiu tal feito.
Pelos planos espirituais individuais serem maleáveis, Theo conseguiu aplicar sua perspectiva de tempo, que seria totalmente contra as leis da física na época. Já que a física tratava o tempo como absoluto, enquanto Theo estava mostrando o outro lado da moeda. O jovem mestre Lawrence estava deveras empolgado com este fato, pois se continuasse daquela forma, em algum momento uma hora no mundo físico poderia chegar a ser um ano para sua mente.
O poder está no cérebro e, se Theo amadurecer corretamente este poder, poderá ultrapassar os mais experientes dos desviantes.
Mas… isto seria correto? Quer dizer, embora ele não achasse ser uma trapaça para a evolução, esconder isso do mundo seria correto? Theo tem a mentalidade de um cientista e, assim como na ciência, tudo aquilo que possa ajudar no avanço humano deve ser compartilhado. Afinal, diferente da magia, na ciência as informações são compartilhadas e não escondidas.
Theo imaginou quantos outros desviantes poderiam evoluir mais rápido se conseguissem ter essa perspectiva de tempo.
Existem dois milhões de desviantes registrados como cidadãos, e absurdamente apenas vinte e um mil estão acima do grau seis. Dessa pequena porcentagem, apenas mil são como Jack e Bastien; desviantes que vivem em expedições pelo mundo em prol de descobertas. Os outros vinte mil são como Selina; soldados de ordens.
Existem muitos outros desviantes não registrados, estes usam sua força para o crime organizado no reino sul. Eles utilizam realmente de trapaças para ficarem fortes, tais a um nível em que os próprios Titãs desistiram de salvar a região.
Quantos outros desviantes Theo poderia ajudar a evoluir? Talvez uma quantidade massiva, uma legião para se comparar aos desviantes do reino sul?
Isto o empolgava, ao mesmo tempo o frustrava. Afinal, faltava muito para uma realidade. Theo sabia aplicar a relatividade apenas a si, mas não como explicar isso a outros. Ele iria demorar ao menos dois anos até que pudesse criar uma teoria, e talvez mais uma década até a comprovar.
O sentimento do possível fracasso o deixou transtornado, mas o processo da “Escada Iluminada” contornou tudo isso.
Desde o encontro com Hades e, mais tarde, com Alunne, a mente de Theo se iluminou gradualmente. As palavras de Aidna o afetaram consideravelmente. Graças a druida, o jovem aprendeu a como dar um ponto final na sua ignorância.
Até então ele estava apenas se dificultando. Com os meses no plano espiritual, trilhando a Escada Iluminada, essa dificuldade implantada por si quebrou sua arrogância.
Theo finalmente abriu seus olhos. O ar que ele respirou estava livre de quaisquer impurezas. Sua visão estava completamente limpa, enxergando o mundo com suas verdadeiras cores.
Tudo era belo, até o caos.
Ao lado dele estava Selina, também meditando. Ele concluiu brevemente que, em algum momento, Selina e Aidna trocaram de lugar. Enquanto a druida foi provavelmente descansar, Serach veio o vigiar.
Theo olhou para sua responsável e se distanciou, não queria incomodar mesmo que já tivesse feito.
— Acordou, finalmente — disse Selina, abrindo lentamente seus olhos.
— Te incomodei?
— Relaxa. Como foi? Conseguiu algo?
Assentiu positivamente.
Ele estava coberto por um brilho inconfundível. Selina estranhou, pois sua aura costumava ter resquícios de escuridão. Porém, naquele momento, Theo estava sendo coberto por ondas de uma tinta dourada e pura, transmitindo um único sentimento prazeroso.
Theo havia se encontrado no mundo e Serach estava feliz com isso.
— Selie… Posso te chamar assim?
— Pode — permitiu.
— Ok… Selie, o que te fortalece?
Selina foi pega de surpresa, mas a resposta já estava na ponta da língua.
— Alunne, claro. Porém, acima de tudo… Eu.
— Será se… Algum dia chegarei em você?
Ela se escorou numa pedra, deixando suas costas retas.
— Claro que irá — desabafou. Claramente não estava confortável com o assunto. — Afinal, se não chegar, não merecerá ser chamado de Lumen.
Claro, Theo havia esquecido. Selina pode estar sendo mais amigável, mas, ainda continua sendo rígida quanto à ordem de Alunne. Aquele pensamento deve ser dela e de todas as outras devotas.
— Você ainda não me aprova, né?
— Não mesmo.
O clima esfriou entre os dois. Mas, aquela foi a brecha perfeita para Theo.
— Então… Eu treinarei. Irei evoluir e, não importa quanto tempo seja décadas ou séculos… Só aceitarei ser chamado de Lumen quando você me aprovar.
Selina riu abafado.
— Um macho dependendo da opinião de uma mulher?
— Eu não sou conservador.
— Tanto faz. Então, Theo… Como se tornará Lumen?
Ele se alongou esticando os braços para cima.
— Me tornando a luz.
— Ainda têm a ideologia de ser o herói da luz? Que infantil, jovem moço — ironizou.
— Não me refiro à luz que traz vida. Estou me referindo a luz que destrói.
Selina resmungou surpresa. Ela o encarou de olhos assustados e distantes.
— Relaxa… Estou me referindo ao sistema.
— Sistema?
— Magia, ciência… Foda-se — disse num tom de voz doce. — Eu irei quebrar as duas e reconstruí-las. Estou disposto a sacrificar todos os dias da minha vida em prol da evolução. Para… ajudar a humanidade.
— Theo… — murmurou espantada.
Ele a olhou perplexo, sem entender realmente o que estava falando.
Selina respirou fundo.
— Isso é incrível. Você conseguiu um objetivo.
— Eu… Tenho um objetivo. — Ele não acreditou em si próprio. — Eu tenho um objetivo de vida!
Theo não tinha notado a grandiosidade disso antes, pois estava no meio da luta contra os tubarões e Nihaya. Mas, agora tudo isso caiu de vez em seus ombros.
— Você tem.
Os dois sorriram alegremente mutualmente. Theo não tinha fé que finalmente havia encontrado um objetivo. No entanto, a dúvida que sempre quebrou seus objetivos chegou novamente: o que farei após conseguir?
Se tornar um agente de Vagus com certeza iria o manter sempre cercado de objetivos, por isso era seu sonho. No entanto, quando ele pensava em um objetivo mais dinâmico e direto, a dúvida da realização sempre o desanimou.
Seu momento de puro desânimo foi rompido por murmúrios altos vindo do grupo atrás deles. Selina e Theo subiram um pequeno morro de pedras, tal qual dividia a região que Bastien estava com o mar de cogumelos. Ao chegarem no topo, visualizaram inúmeras fontes de luz iluminando a região.
O grupo de Isak havia retornado, mas nem todos estavam lá.
— Seis morreram até agora… — comentou Bastien, tenso e distante.
Dois agentes do grupo de Isak haviam morrido.
— Somos doze no total…
— O que aconteceu? — perguntou Selina.
— Encontramos um monstro… — respondeu Isak, agoniado com algo. — Ele matou dois dos meus agentes, tivemos que recuar.
— Conseguiram entender onde estamos? — Bastien manteve o assunto das mortes em segundo plano. O que havia acontecido, aconteceu.
— É um tipo de montanha oca. — Isak entendeu o outro agente. Se preocupar com as mortes não iria agregar na atual situação. — Só encontramos uma saída, e foi onde esse monstro está.
— E o mar de cogumelos? — perguntou Theo.
Todos olharam para ele, indecisos. Menos Aidna e Selina, pois sabiam do que estava falando.
— Mar de cogumelos? — retrucou Isak.
Theo e Selina conduziram todos até o limite do morro de pedras, onde o ambiente era iluminado pelos cogumelos azuis.
— Não tinha isso aqui antes — afirmou Isak. — Esse lugar parece mais perigoso do que o bosque que estávamos…
— Então vamos — disse Bastien.
— Para onde?
Bastien caminhou na mesma direção que o grupo de Isak retornou; para o oeste da caverna.
— Matar um inseto no bosque. — Sua voz carregava ódio e uma aura emanou do corpo de Bastien; uma névoa cinza e vermelha. Seus olhos ficaram opacos ao emitir uma luz vermelha opaca.
Um silêncio ensurdecedor abraçou a caverna por inteiro apenas para enfatizar o ódio e remorso do homem mais próximo de Hades.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.