Capítulo 96 — Convergência de almas (5)
A sensação do campo de trigo onde a suavidade e calor refrescante, acompanhados pela brisa adorável, foi substituída repentinamente por um frescor macio. A luz ainda tomava seus olhos, portanto, ele não sabia exatamente onde estava, apenas sentia.
Theo confiou em cair no chão, agarrando uma superfície firme, sólida e completamente fria. Ele fechou sua mão, apenas para tomar uma conclusão sobre a superfície, tal qual chegou num instante. Uma espécie de pequenos cristais úmidos derreteram entre seus dedos, caindo como um aparente pó branco no chão.
A visão dele estava retornando aos poucos.
Ele se viu caído numa montanha de neve, em uma pequena montanha na cordilheira. Uma aurora polar, misturando as mais diversas e mágicas cores cobria o céu. Theo não entendeu onde estava, já que nunca ouviu falar de lugares como aquele. Provavelmente Snegriya? Mas, qual sentido teria de sua mente recriar um cenário daqueles em seu plano espiritual? Theo nunca cogitou ir até Snegriya, nunca viu retratos além dos lagos congelados de Modrak, então… Por quê?
O jovem decidiu subir a montanha, mesmo desamparado por completo. Por um bom tempo ele optou por apenas vislumbrar aquela cena única e tão perfeita.
— Olhos castanhos, com os meus cabelos cor de trigo… Acha que ele seria assim? — comentou ao longe. Era uma voz masculina madura, imponente, porém juvenil. — Não, eu não acho que ele vá me herdar por completo.
Theo ficou intrigado, como poderia ter alguém em seu plano espiritual?
— Se bem que… Olhos castanhos claros e cabelos loiros são as características dos arrombados da família Louis.
Theo foi ao encontro do homem, tal qual estava sentado numa pedra isolada, distante de qualquer outra. Uma bolsa estava jogada no chão, aberta e deixando alguns papéis velhos no chão, tão velhos que já estavam amarelos e rasurados.
O homem em questão estava vestindo uma capa preta de três partes, onde seu interior era tingido por um vermelho imperial. Ele rabiscava algo em um diário, usando uma caneta bico de pena para desenhar suas letras, tal caligrafia era invejável. Seus cabelos cor de trigo eram altos em cima, porém, aparados regularmente nas laterais.
A figura tinha uma característica extremamente rara entre os humanos; dois tipos de heterocromia. Seu olho direito era cor de âmbar, banhado por mel. Quanto ao olho esquerdo, possui heterocromia completa e central, onde ao redor de sua íris tinha uma tonalidade lilás e o resto da pupila tem uma cor de âmbar, no entanto, em tons verdes.
Uma leve brisa bateu, tendo força para levar ao vento alguns de seus papéis jogados na neve. Theo até cogitou pegá-los para entregar, mas antes que fizesse, o homem estendeu sua mão direita e parou os papéis no ar. O tempo parecia ter parado ou os papéis haviam batido numa parede invisível. Com um simples gesto, ele puxou seus papéis para si.
O uivo de um lobo ecoou pela cordilheira, seguido, posteriormente, por um rugido estrondoso e irreconhecível.
— Caralho… Maluco, com quem cê tá lutando?
— Então ele está se comunicando mentalmente… — concluiu Theo, permitindo escapar em voz alta.
Rapidamente, o homem virou-se para trás. Ele encarou Theo, o olhou no fundo de seus olhos, embora parecesse não ver o rapaz ali.
— Verdade, é hoje… — murmurou.
Ele suspirou e desviou o olhar de Theo, virando o rosto de lado e observando a aurora. Colocando a bolsa na cintura, retirou um pequeno bastão dourado e o empunhou com sua mão esquerda.
— Só… Não se arrependa de nenhuma pedra quebrada, de nenhuma vida tirada por outros… Seja apenas você por você, pois o fim será esse. Ou, não me escute e continue sendo isso. Moleque medíocre.
O homem se virou de costas para Theo e caminhou rumo ao uivo do lobo.
Theo despertou de seu baque. Ele encarou o céu no seu próprio devaneio, o corpo ainda tentava processar o impacto enquanto o cérebro processava as multi informações.
Todo seu corpo estava dolorido, apenas seu dedo indicador direito se mexia involuntariamente, enquanto até seus pulmões tinham dificuldade para receber o oxigênio. Ele começou a induzir sua energia pelas veias de chakra, preenchendo cada centímetro de seu corpo com éter. Theo utilizou o próprio amplificador para realizar sua função principal; converter a mana natural para éter, fazendo isso, ele se recuperou em alguns segundos.
Seus sentidos retornaram e o corpo passou a obedecer casualmente. Visando se repor completamente, ele se levantou das pedras onde estava cravado e buscou apoio para se manter de pé. Quando Theo pensou estar apoiado, um terremoto o jogou de joelhos no chão, segurando apenas a ponta de uma pedra.
Por um segundo, Theo sentiu como se o chão abaixo de si desmoronasse, levando toda a floresta para um mundo inferior. Entretanto, aquilo não causou alarde no rapaz, mas sim o que estava à sua frente.
Emanava uma aura intensa e agressiva, sufocaria a Theo se não fosse pela imponência de Liam que agora fazia parte do jovem. O rapaz encarou uma criatura monstruosa com um olhar frio, que rapidamente era tomado por seus cabelos ensopados de sangue.
Um monstro com mais de dois metros, tinha pernas de cabra e um corpo humanoide, no entanto, bastante esquisito. Os braços finos engrossaram no antebraço, tomado por uma pelagem branca e espessa, tal que cobria sua mão e escondia as garras. Sua cabeça era pequena, acompanhada por um par de chifres peculiares. Olhos brancos e vazios encaravam Theo, como se estivesse surpreso por sua sobrevivência.
Theo, no entanto, carregou uma aura de energia enquanto encarava o monstro com imponência em seu olhar frio e brilhante.
O mundo não estava mais confuso, caótico, impuro… Ele estava perfeito naquele momento. Até um monstro como aquele em sua frente parecia belo, seus pecados se tornaram virtudes abaixo de um eclipse. Tal eclipse foi o evento decidido pelo próprio Theo para, conscientemente, batizar sua convergência.
A assimilação de almas trouxe a união de dois seres num único corpo, agora, Theo percebeu ter se tornado Liam e vice e versa. O rapaz pensava que sentiria um vazio, pois, querendo ou não, uma parte de si sumiria. Contudo, esse sentimento não aconteceu pelo fato de que os dois se tornaram um só.
Fundindo a mente brilhante e genial de uma criança, cuja capacidade de processar e entender tudo no primeiro contato não há limites, com a experiência de vida e aspectos da personalidade do maior general que a humanidade viu, encaixando perfeitamente num corpo invejável por seres superiores… O rapaz com dificuldades para se encontrar no mundo, havia se encontrado em si próprio.
Aquele ser que emanava uma aura tão brilhante frente a uma criatura majestosa diante ao caos, um demônio sem piedade, era Lumen. Porém, diferente do herói da luz do antigo Ragnarok, aquele Lumen seria o herói da luz que traria a destruição para qualquer um que se denominasse a sombra.
Ambos se encararam; o demônio carregava seus olhos brancos e vazios, esboçando nada além do puro mal. Theo, por sua vez, devolveu um olhar frio, mas, longe de perder seu maior aspecto: o brilho que o tornava tão belo.
Uma aura caótica e uma aura iluminada tentavam se sobrepor para decidir o vencedor.
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