Capítulo 101 — Guardião (3)

‘Ele é uma besta insectóide…’ afirmou Nosehel. Sua voz ecoava pela mente de qualquer ser vivo num raio de cinco metros.

Selina desgrudou da parede e se assustou. Ela pensou que o anjo não falasse e, se falasse, não seria no idioma humano.

— Você fala… — comentou Serach, genuinamente.

‘Claro. Essa besta está sendo algo novo para mim. Se não for pôr a vida de minhas aliadas em risco, gostaria de poder entender melhor antes de executá-lo.’ 

— Tudo bem. Se puder, pode compartilhar comigo? Para que eu não corra riscos…

‘Ele é rápido, poderoso, forte e resistente… Não há nenhum atributo que precise de melhorias, é basicamente um ser em perfeito equilíbrio.’ Nosehel inclinou seu rosto de lado. ‘Ele não tem espírito…’ disse num tom incrédulo, embora não esboçasse sentimentos em suas palavras.

— Então és um Golem?

‘Sim. Vencê-lo com os elementos será difícil, por não possuir uma alma, também não será afetado por golpes metafísicos… Mesmo assim…’

O guardião se ergueu, ainda derramando o mesmo líquido translúcido pela boca. No entanto, todo o corpo, que foi cortado por Selina, se ligou simultaneamente como galhos de árvore se conectando.

‘Ainda possui um núcleo.’ afirmou o anjo artificial.

Dos bastões d’água que formavam uma cruz em suas costas, Nosehel os retirou e empunhou como armas brancas.

‘Você está no estado inicial da sincronia… Sugiro que expanda sua aura mágica para as lâminas, ficarão mais poderosas.’

— Já estou fazendo isso.

‘Somente no momento do ataque. A energia não irá responder corretamente caso continue utilizando dessa estratégia primitiva. Mantenha a energia permanentemente na lâmina, verá a diferença.’

Juntando os dois bastões, Nosehel criou uma arma sem lâmina ou qualquer acessório, apenas um denso bastão d’água concentrado. Com este mesmo bastão, Nosehel impediu uma investida brusca do guardião contra Selina: cravando uma ponta do bastão no abdômen da besta, o anjo artificial arremessou seu oponente para longe.

‘Por que não ataca quem lhe dará uma luta de verdade? Vejo que a covardia de atacar os mais fracos continuam mesmo em suas criações…’

Em um piscar de olhos, Nosehel acompanhou o guardião e, ao mesmo tempo, cravou novamente o bastão d’água e o esmagou contra o chão. Subitamente, uma fogueira de chamas azuis subiu pelo guardião, cremando a armadura da besta por completo. Posteriormente, duas paredes de terra surgiram do chão e se chocaram contra a besta, esmagando-o sem cerimônias.

No entanto, no mesmo momento em que foi esmagado, o guardião destruiu completamente as barreiras de Nosehel com um único balançar de braços. Por instinto, o anjo artificial criou uma tempestade de vento que empurrou o guardião para trás.

Surpreendentemente, Selina surgiu para atacar a besta. Sem utilizar sua ignição, Serach o atacou com um corte nas costas. O guardião desceu sua espada contra Selina em um golpe pesado, entretanto, ela conseguiu desviar suavemente como em passos de dança.

Nosehel surgiu novamente, desta vez nas costas do guardião, e golpeou a besta com o bastão aplicando um pouco de força, o anjo forçou seu oponente a se curvar consideravelmente. Enquanto com a cabeça baixa, Selina desferiu um chute com o calcanhar no pescoço da besta.

Em seguida, aproveitando o que deveria ser um momento de fraqueza do guardião, Selina socou o estômago do oponente com um soco de uma polegada carregado de mana.

O guardião novamente cuspiu uma dose de hemolinfa.

Pondo o bastão d’água no pescoço do guardião, Nosehel segurou as duas pontas da arma e moveu a besta para trás. No momento de desnorteamento, o anjo criou um iceberg que atingiu diretamente a besta. Em contrapartida, o guardião ergueu cinco pilares de terra contra Nosehel.

Batendo asas, o anjo desviou de cada pilar e investiu contra o guardião. Desintegrando a montanha de gelo, Nosehel aproveitou dos pequenos fragmentos de gelo para criar uma tempestade teleguiada com espinhos gélidos. No entanto, o guardião bloqueou isso apenas com uma barreira de terra. 

Desta vez, o guardião agiu previamente: se movendo por trás de Nosehel, travou a espada esmeralda com o bastão d’água do anjo.

Cerrando as armas, ambos se encaram antes de iniciar uma dança caótica.

Ao decidirem travar um duelo de espadas, Nosehel transformou seu bastão em duas lâminas de aqualithium. Em questão de segundos, o campo de batalha fora tomado por traços de energia que se moviam numa velocidade absurda. Sem contar com a destruição causada pelo mais fraco movimento, o embate se tornara uma dança de mãos dadas com o caos.

Buscando não prejudicar a implantação dos sigilos da conjuradora, Nosehel levou a batalha para o céu, onde não prejudicariam ninguém.

Selina parou e observou a luta. Embora não conseguisse acompanhar os movimentos, os dois golens, um com consciência e o outro não, deixaram um show de luzes para trás. O brilho branco, emanado por Nosehel, se entrelaçava eventualmente com os rastros verdejantes do guardião, ao qual se misturava com o céu azul natural.

Em dado momento, Nosehel agarrou o elmo do guardião e se atirou contra o solo, rasgando a atmosfera num rastro de fogo azul. 

Arrastando a besta pela floresta, o guardião testou ao máximo sua defesa física, pois havia notado que a defesa elementar do guardião era quase absoluta. O anjo então pegou a cabeça do guardião e o suspendeu para cima, apenas para ter altura o suficiente para conseguir desferir um soco no estômago da besta. 

Nosehel abdicou de qualquer energia ou encantamento, utilizando a própria força bruta para testar o guardião.

Posteriormente, empunhou novamente os bastões elementais e avançou contra a besta; cravando sua arma no peitoral do guardião, o jogou contra o chão e pressionou. 

No entanto, não pretendendo deixar Nosehel sobressair, o guardião imbuiu a espada em mana e iniciou uma série de ataques desorganizados, cujos se expandiram para todos os lados da floresta. Ele teve esperança de que algum ataque ferisse o anjo, mas o máximo de dano foram alguns arranhões na armadura.

O guardião se viu perdido.

Ele era poderoso, sim, com certeza. Talvez o monstro mais próximo de seu emissário, no entanto, aquele anjo era superior em absolutamente tudo. 

Mesmo sem consciência, sem ter inteligência como os humanos, o guardião achou a culpada de sua opressão: Aidna, e a culpada por suas feridas: Selina.

A besta carente de inteligência despertou ódio pelas guerras, contrariando totalmente o desejo de seu criador e do rei Cepheus, ao qual lhe deu vida. O guardião tinha apenas um objetivo dentro daquela floresta: proteger as criaturas inferiores a si, porém, por um pedido de seu emissário, ele desejou prolongar o duelo com os agentes para tentar despertar um interesse maior. Entretanto, graças a esse mesmo duelo, seu lar e lugar que deveria ser protegido foi destruído pelo próprio guardião.

Ele desistiu de lutar contra Nosehel. 

Seu único motivo para existir, sua configuração era apenas proteger as bestas daquela floresta, todavia, agora que ele destruiu uma grande parcela, como seus protegidos iriam lhe tratar? 

Um animal sem inteligência deseja apenas amor daqueles ao seu lado.

Sua espada caiu junto da mão, diminuindo as defesas e permitindo que o anjo terminasse seu feitiço final; algo que deveria lhe afetar espiritualmente. Era apenas mais um teste de Nosehel, pois ele tinha certeza de que o guardião também não morreria por aquilo. Mas, sabia que tinha forças para destruir o guardião caso sobrevivesse.

O guardião desistiu completamente, fechando os olhos vazios e dolorosos, desejando que aquilo acabasse. Afinal, mesmo se vencesse, talvez nem seu criador iria aceitá-lo. A criatura sentiu que havia falhado em seu único objetivo pelo qual existia.

Nosehel quebrou o peitoral da besta, enfiando lentamente o bastão d’água em direção ao seu núcleo de energia. Lentamente, o corrompendo com uma mana tão densa a ponto de corroer aquilo que é natural. Um feixe de luz escapou do bastão, piscando por um mero segundo onde se desmanchou em energia e moldou-se pelo bastão se proliferando e, posteriormente, explodindo num raio de luz extenso.

Por dez segundos, uma enorme torre de energia azul rasgou as nuvens e agitou a atmosfera do ambiente. Os dois seres foram consumidos por uma quantidade massiva e intensa de mana densificada.