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    — Lorde Javier, para onde iremos? — indagou Kale.

    Os dois Titãs, seguidos por seus assistentes, estavam descansando numa pequena área cavernosa. Somente um corredor úmido, íngreme e traiçoeiro restava para eles. Ao longe, o som de água pingando gradualmente na poça era um dos únicos sons emitidos além de um grunhido natural; a própria caverna que proferiu aquele som assustador, para dizer o mínimo.

    Os grupos dos Titãs se reuniram formalmente e decidiram por efetuar uma incursão, explorando cada centímetro do local, já que estava ligado ao calabouço da fortaleza. No entanto, faziam-se dias que eles exploravam o local e nada além de algumas bestas irracionais foram encontradas. A situação já estava irritando profundamente Javier, o que ressoou em seu companheiro Moris. No fim, o lorde Ziziel ficou com uma dor de cabeça por dias.

    — Se seguirmos, chegaremos a outra área inexplorada — informou Zypher. — Se voltarmos… Não há nada para lá.

    — Temos que voltar para fora desse lugar — retrucou Javier. — Pra cima, pra baixo, cavernas, grutas, câmaras do fim… Nada disso nos levou ao bendito calabouço. Em, Moris?

    O titã da ira estava viajando em seus próprios pensamentos. Moris olhava para o corredor à frente, analisando o fluxo de energia confuso que se misturava entre a mana e uma partícula densa. 

    — Moris? — Javier reforçou, mas seu companheiro não respondeu. — Tá vendo fantasmas?

    — Ainda não — retrucou, ainda concentrado. — Mas, quem sabe veremos…

    Moris apontou para o corredor à frente.

    — O fluxo de energia é diferente, porém, semelhante ao do Nihaya.

    — Acha que é uma daquelas zonas djinns?

    — Provável que haja um sigilo dele mais a frente.

    Ziziel continuou olhando para a frente, analisando o fluxo incompreensível de energia. Seus olhos não piscavam devidamente, apenas se deixavam entreabertos e perplexos tentando entender.

    — Avancem — ordenou Moris.


    Colapsando por si própria, a árvore do mundo estremeceu todos os biomas que compunham a floresta protegida outrora por Tevariel. Suas bestas tornaram-se desnorteadas, sem rumo para casa, onde viraram suas costas e correram. Se não fosse pela ordem de Zethíer, eles voltariam para defender seu rei.

    Entretanto, se não há soldados para defender um rei aprisionado, há sua fortaleza…

    Braços ergueram-se do chão, espantando Isak para longe enquanto seguraram Zethíer e o levaram para o topo. Em instantes, braços monumentais se estenderam num aglomerado de raízes e sombras, cuja única função era levar seu rei até a altura certa. Segurando-no em suas mãos, os dedos formaram gradualmente uma simbólica e metafórica flor de lótus, onde no centro estava o casulo de Zethíer.

    Automaticamente, o topo da árvore se contorceu em seu próprio tronco até abrir, somente para permitir a passagem do sol; a luz emitida pelo meio-dia iluminava exatamente a Morte de Aço onde servia de prisão para o Emissário.

    Isak afastou-se lentamente do altar de mãos, buscando uma distância considerável para analisar corretamente. Contudo, tudo o que Isak pôde vislumbrar fora uma estrutura monumental se erguendo rumo ao céu.

    “Que porra…” pensou Islan. No entanto, foi interrompido por uma turbulência na superfície.

    O chão rapidamente se moveu numa única direção, como esteiras se movendo a uma velocidade estúpida. Oscilando igual às ondas do mar, o chão criou ondulações que desestabilizaram o equilíbrio dos agentes.

    Ao pé do monumento de mãos, uma brecha originou-se dando lugar a uma pequena porta. Um ar abafado escapou por entre as brechas, quebrando a pressão ambiente e lavando a atmosfera com a mesma mana de Zethíer.

    Gradualmente, o Emissário ressurgiu de um breu iluminado por um brilho esmeralda fraco.

    — Esse maluco não morre? — resmungou Islan.

    — Não é ele… — disse Isak. — O poder está inferior a antes.

    Zethíer escorregou e apoiou-se no monumento ao qual saira. De punhos fechados, marchou rumo a Isak.

    — Pode-se dizer que sou um simulacro, um avatar do rei… — respondeu enquanto caminhava. — Ao mesmo tempo, eu sou o rei. Toda essa estrutura sou eu, no entanto, eu estou aqui, com minha mana restringida ao que posso utilizar minimamente. Vocês estavam enfrentando o núcleo da selva, mas agora, enfrentarão minha força.

    — Está assumindo que essa forma é fraca. Usará isso como desculpa para quando for derrotado? — disse Isak.

    — Não. Estou assumindo, agora afirmando, que você não é um guerreiro. Por isso, esse mero avatar é o suficiente.

    Isak rangeu os dentes enquanto cerrava os dedos. Por um instante, sua mana vazou.

    — Se for brincar, aguente — disse Zethíer. — Igual a este soco.

    Zethíer surgiu repentinamente abaixo de Isak, o socando no estômago com um punho revestido por mana. Um túnel de ar abriu-se nas costas de Isak, suspendendo o agente para cima à medida que o chão se contorcia. Abrindo espaço, ainda com Isak no ar, Zethíer estendeu um espinho de terra em direção ao agente, tal qual atravessou a primeira camada de sua atribuição; Isak cuspiu sangue ao ar enquanto a ponta do espinho atingia seus músculos.

    Para evitar ser novamente empurrado por Islan, Zethíer criou um enorme tremor no saguão, tal que ergueu muralhas ao redor do Emissário.

    Contudo, para livrar-se do espinho, Isak conduziu a mana até os antebraços, onde a energia nas veias de chakra explodiram em impacto. Por reação, Isak foi jogado para longe.

    — Por quê? — perguntou Zethíer. — Porque alguém fraco insiste em arriscar tudo para defender os outros? Sendo que a própria vida está em perigo?

    — Não é fraqueza, é entender que a vida alheia importa mais do que a própria — retrucou Isak, levantando-se ao decorrer que limpava o sangue em seus lábios.

    — Não há — afirmou genuinamente. — Não há nada nesse mundo que seja mais valioso que a minha própria vida. Nem ouro nem a vida de um rei, a minha vida é infinitamente mais valiosa.

    — Que egoísta.

    — Deve ser isso o que nos difere. O que significa a força de um forte, senão o consenso de si próprio?

    Mesmo com as dificuldades e lesões pelo corpo, músculos doloridos e dores insuportáveis, Isak levantou-se firmemente diante de Zethíer.

    — É por isso que, entre todos os fortes, o lorde Moris é o único digno. O único que luta com os outros em sua mente, para defender…

    — Esse será o motivo da morte dele. Já o motivo da sua… É por você ser fraco demais, apenas por isso.

    Eles novamente arrancaram um contra o outro. A meta colisão entre seus punhos resultou numa explosão de energia, abafada posteriormente pela muralha erguida por Zethíer. Isak recuou o braço e tentou atacar novamente ao expandir sua manopla para uma lâmina de aço, no entanto, o próprio Emissário a destruiu com apenas um soco. 

    Segurando o braço de Isak, Zethíer o cobriu com vinhas e lentamente o amassou; não apenas o braço, também seus ossos, ligamentos rompidos do pulso até o ombro, transformando seu esqueleto em puro pó. Em questão de segundos a natureza lhe tirou o braço direito.

    Sem dar espaço para o sofrimento alheio, Zethíer lançou Isak contra a muralha. Noutras circunstâncias, o Emissário iria sentir prazer com o sofrimento, no entanto, ele queria somente causar a dor naquele momento. Ainda assim, Isak não caiu, mesmo carregando um braço destroçado.

    Com o braço esquerdo, Isak criou uma lâmina extensa cujo comprimento atingiu os dois extremos da estrutura. Contudo, Zethíer interrompeu o deslize da lâmina com seu antebraço. Mesmo assim… a pressão e fio da lâmina conseguiu cortar a pele do Emissário. Irritado com o ferimento, Zethíer a partiu no meio e empunhou a parte cravada em seu braço.

    Em segundos, o Emissário do mundo lançou a lâmina no ombro esquerdo de Isak; o agente foi cravado na muralha, onde deslizou lentamente junto a uma mancha de sangue. Gradualmente, outra vinha contornou o joelho de Isak enquanto este tentava se manter de pé.

    Os olhos de Zethíer brilharam em vermelho sangue.

    Na verdade, diante de seus olhos, um mar carmesim se moldou. Corpos de antigos desviantes em seus pés, espadas cravadas nos cadáveres enquanto as moscas da gula pousavam aos restos mortais. Nenhum daqueles agentes mortos ousaram levantar após as lutas contra o Emissário. Muitos deles morreram apenas por tentar.

    Entretanto, ao longe e no meio daquele mar de corpos, um único guerreiro se manteve de pé, embora incapacitado. Isak era o único que não cogitava o contrário; deixar Zethíer vencer. Cada corpo daquele mar foi consumido pela natureza, mas Isak não deixou isso acontecer nem por um instante.

    Zethíer fechou o punho lentamente e a vinha na qual apertava a perna de Isak a cada movimento. Seu membro inferior passou a ser esmagado gradualmente, inicialmente, prendendo o sangue e seus músculos, até finalmente afetar o esqueleto novamente. Desta vez, Isak não conseguiu conter a dor.

    Gritos agonizantes, a nível de rasgar a garganta, ecoaram pelo saguão.

    — Veremos o quanto da sua determinação será suficiente para lhe manter de pé…

    Em contrapartida à vinha que pressionava sua perna, os músculos posteriores de Isak tentavam reagir intensamente ao decorrer da pressão imposta. Sem os braços para reagir, aquilo não passava de uma ação impossível.

    Os gritos do agente tornaram-se abafados e ofegantes. Isak constantemente abaixava sua cabeça para recuperar o fôlego e, posteriormente, ficava sem conseguir emitir som durante alguns segundos — mesmo que ele tentasse gritar, nenhum som era emitido. A tortura durou mais de dois minutos… No fim, a garganta de Isak ficou seca para gritar pela dor. Os berros estavam roucos e sem vida, todavia, Isak se manteve de pé durante todo o tempo.

    Ao notar tamanha petulância, Zethíer estendeu seu braço para cima e cerrou o punho. Subitamente, a vinha pressionou o joelho de Isak ao extremo, chegando ao ponto de amputar o membro do desviante fora. Um último grito de desespero e dor escapou de sua boca. A perna esquerda de Isak fraquejou, cedendo ao peso corporal — que já havia sido entregue para a força gravitacional — e deslizando pela muralha até finalmente cair no chão.

    Sua perna esquerda se esticou para frente, enquanto todo o corpo ficou desajeitado na muralha.

    — Todos os membros que lhe permitem ser um guerreiro foram arrancados. Ah… Não todos.

    Zethíer levantou dois dedos e, automaticamente, um espinho foi gerado do solo e atingiu diretamente o calcanhar esquerdo de Isak, imobilizando-o definitivamente. O agente não conseguiu agonizar.

    — Ainda assim, temo que você erga-te novamente.

    — “Que me permitem ser um guerreiro”?… Você esqueceu de um ponto importante, otário. — A voz rouca de Isak sussurrou. — Dizem que os desviantes neutros podem ir além dos votos e pactos firmados com nossos próprios núcleos, além dos feitiços e encantamentos… Eles podem manipular e moldar o mundo sem precisar tocar nos elementos. Deve ser majestoso ver um deles lutando…

    Zethíer arregalou os olhos em perplexidade.

    — Porém, nunca precisei disso. Nunca necessitei de nada além da minha força, não precisei recorrer à natureza para ser forte. Não devia existir isso há duzentos anos, mas… Votos e feitiços podem ser forjados numa única ação.

    — O que está insinuando?

    Isak sorriu, com sua boca banhada pelo próprio sangue.

    — Que este é o que chamamos de triunfo, poder… Só por via das dúvidas, ainda existe aquele aço que utilizei para a sua prisão da morte, não é?

    A última peça do quebra-cabeça encaixou perfeitamente. Todo aquele último discurso estava escondendo o triunfo e magnitude do que Isak preparava…

    Entrando em sincronia com o aço utilizado no feitiço Morte de Aço, Isak sintonizou seu atributo elemental ao encantamento primário. Resultado? Mesmo com a distância de quase vinte metros de altura, Isak conseguiu moldar novamente o aço utilizado anteriormente.

    — Se não me falhe a memória, havia dito que aquilo lá em cima és teu núcleo, não?

    Uma última vez, Isak perfurou todos os cantos do corpo original de Zethíer. O núcleo da floresta foi seriamente danificado; o que se exibiu através de outro comportamento anormal na árvore do mundo. O tronco da árvore do mundo mexeu-se, balançando igual uma onda instável. O simulacro do Emissário do mundo contorceu de dor, com sua vista curvada eventualmente enquanto segurava o estômago. 

    O chão, antes feito da própria madeira da árvore do mundo, deu vida a uma vegetação rica em flores quase sem vida. Entretanto, uma grama média cobriu os pés de Isak. A vinha do Emissário suspendeu-se para cima, pendurando a perna arrancada de Isak a dois metros. Gradualmente, mas não tão lentamente, a muralha se desfez em mana pura.

    “Não foi forte, mas deve o limitar de alguma forma…” ponderou Isak, sentindo a muralha em suas costas cair vagarosamente. “Espero que consigam regressar ao lorde Moris. Inclusive, desculpe-me lorde… Mas nem eu e nem meu grupo conseguiremos festejar seu novo feito, seja lá qual besta tenha morrido em sua luta.”

    O corpo de Isak cedeu junto da muralha, caindo no chão igual uma pedra. Rodeado por uma vegetação rasteira, o agente pôde ver a luz do sol entrando pelo topo da árvore uma última vez.


    O titã Moris, cujo vagava pelos corredores traiçoeiros da masmorra, parou repentinamente. Ele resmungou junto da freada súbita, o que alertou Javier e os assistentes.

    — Moris? Tudo bem? — indagou Javier.

    O lorde da ira revirou-se de costas, analisando os corredores deixados para trás enquanto um brilho azul tomava seu rosto. Lentamente, ele levou sua mão esquerda ao peito e arqueou as sobrancelhas.

    — Lorde Ziziel? — chamou Zypher.

    — Não foi nada… — respondeu desconfiado. — Eu só… Senti uma oscilação estranha no meu núcleo de energia.

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