Capítulo 25 – Anjo Caído
Ponto de Vista da Noelle:
— Cara, que poder foi esse? — Akira perguntou com suor em seu rosto.
— Por um momento eu até acho que você chegou a ser mais forte que eu.
— Saki, fala sério, quem você acha que é?
— Eu ainda não cheguei nesse nível, foi só… — após me acalmar e finalmente pensar nos últimos minutos, percebi que não havia conseguido controlar minhas emoções e o quanto isso poderia ser um perigo para aqueles que considerei amigos — me desculpem…
— Não se preocupe, deve ser difícil descobrir uma coisa como essa.
Saki explicou tudo que havia acontecido antes da minha chegada.
— Aí moleques, venham aqui! — gritou Karayan
Dentro da igreja destruída, bem atrás do altar, havia escrituras gravadas em uma rocha em uma língua na qual eu não era capaz de ler.
— Isso sempre esteve aqui?
— O exército de esqueletos tomou nossa atenção, não reparei nisso nem por um segundo.
— Falando nisso, onde estão todos eles?
— Depois que derrotamos aquele bicho gigante todos eles se desmontaram. Era como se eles fossem controlados pela besta.
— Não faz sentido… Em teoria, a névoa negra controla os mortos, mas ela não se dissipou, a maldição ainda deveria fazer efeito.
— Samaell disse que não controla a névoa, mas aquele outro homem também não parecia ser capaz de usar a mana de forma tão apropriada assim.
— A criatura de que vocês estão falando era uma Salamandra Mãe. Ela pode se comunicar e…
— Suas escamas produzem uma toxina que lhe dá a capacidade de controlar seres da mesma espécie — sem ao menos perceber, o interrompi friamente.
— Mas ele era puramente osso, não havia nenhuma escama.
— Toda e qualquer criatura mágica possui uma certa quantidade de mana, mesmo após a morte, sua mana continua a circular em seu corpo até que ele se decomponha totalmente. Se minha teoria estiver certa, a névoa negra não é uma maldição e sim feitiço, ou até mesmo uma arma.
— Heh — Karayan sorriu levemente — Você ficou realmente muito esperta.
— Ainda é só uma teoria, eu tenho que confirmar isso por mim mesma.
— Ainda existe a possibilidade de ter uma terceira pessoa envolvida, a pergunta é como vamos fazer isso? — questionou Saki.
— Precisamos achar o cara que estava no Gioll, tenho a impressão de que ele está por trás de tudo…
— Certo, mas antes de irmos quero saber o que está escrito aqui — afirmou.
Todos se olharam em um silêncio constrangedor, nenhum de nós sabia ler aqueles símbolos, até que Karayan finalmente deu um passo próximo à rocha.
— Está em hiberiano.
Durante meu treinamento com Galliard, posso dizer que não fiquei apenas mais forte, minha mente também foi inundada por conhecimentos básicos sobre o mundo, algo que sempre esteve distante de mim.
Antes dos seres comuns serem capazes de usar a mana, ela era apenas mais uma das forças naturais do universo. O evento conhecido como “O Despertar da Magia” mudou a perspectiva das coisas.
Os seres vivos, independente de sua espécie, se viram capazes de interagir com a mana, criaturas mágicas começaram a surgir e pouco a pouco os mistérios do mundo foram sendo revelados rapidamente, então, certos “milagres” foram se tornando cada vez mais comuns.
Centenas de anos após esse evento, surgiu um grupo de pessoas que diziam ser capazes de feitos únicos. Seus estudos e conhecimentos sobre a mana eram inimagináveis, assim sua fama cresceu e seus integrantes começaram a aumentar. O grupo nômade então se viu na necessidade de ter um lugar para armazenar seu conhecimento e se proteger do mundo exterior. Dessa forma, tentaram negociar inúmeras vezes com diversos países, mas nunca obtiveram sucesso, até que um dia, finalmente, o país de Hibéria cedeu parte de seu território, para que ali, construíssem um lar, junto a uma relação de confiança com o país.
Anos depois, a Ilha de Raven foi fundada e como fruto de uma boa relação entre os países, Raven se tornou capital da Nação do Conhecimento, reconhecida pela cidade de Shryne e protegida pelo exército hiberiano.
— Hiberiano… Esse é um dos idiomas de Raven!
— Exatamente, mas… atualmente, poucas pessoas sabem a língua — pontuou Sig.
— Aqui diz “A alma pelo mal corrompida, para Mortalia caminha. Logo em sua morte viu, o que no coração sentiu” — Karayan traduziu prontamente.
— Mas… desde quando você sabe hiberiano?
— Vocês fazem perguntas demais.
Enquanto todos estavam confusos quanto a habilidade de Karayan, os escritos na rocha ecoaram pelo meu cérebro repetidamente. Sem encontrar uma razão, um sentido para a frase, peguei o caderno presenteado pela minha mãe e abri em uma das folhas em branco.
— Alguém tem algo para escrever? Qualquer coisa serve! — todos me olharam curiosos.
— Acho que tenho alguma — Saki pôs rapidamente a mão em sua mochila, procurando uma caneta naquele espaço infinito — aqui! — estendeu sua mão com tubo esférico transparente, envolto por um vidro também transparente, sua ponta possuía um metal amarelado, onde estava sujo com uma mancha azul-marinho.
— O que é isso?
— Vocês não têm caneta aqui?
— Temos, é só que… é um pouco diferente. Deve servir.
Com a caneta em mãos, anotei os escritos da rocha.
— Noelle, você descobriu alguma coisa?
— Não… isso não deve ter nada em particular com a névoa negra.
— Então, vamos procurar o magricelo.
— Certo! Karayan, você sabe algo sobre… — voltando meu olhar sobre ele, vi que tudo que sobrou de si foi a fumaça de seu cigarro, seu corpo havia desaparecido completamente — pra onde ele foi? — meus olhos se contorciam em confusão, juntamente com todos os outros ali.
— Ele simplesmente desapareceu — Saki estava indignada.
— Não podemos perder mais tempo, vamo achar logo esse cara.
— Ele ainda deve estar no Gioll, devemos ir quanto antes.
Eu, Saki, Akira e Shosuke fomos correndo novamente até o Gioll, deixando Sig e Yoki para trás após reclamarem de suas dores no corpo e cansaço por conta da idade.
O caminho foi silencioso, apenas os nossos passos sobre a terra eram ouvidos, enquanto todos estavam focados em chegar o mais rápido possível no lugar onde encontramos o homem com corpo esquelético.
Mais uma vez estávamos lá, entramos lentamente pela porta da frente, procurando por rastros e pistas que poderiam indicar a existência de feitiços ou algum tipo de experimento.
— O que vocês estão fazendo aqui… de novo? — a mesma voz rasgada de antes ecoou pela sala.
— É ele! — alertou Saki.
Em meio ao som do vento que corria pelo lugar, ficamos calados, pacientemente esperando ele aparecer.
— Aqui em cima, idiotas.
Nossos olhos, antes voltados para frente na esperança de encontrá-lo frente ao trono de antes, se curvaram para cima. Seu corpo levitava acima de nossas cabeças, enquanto seus olhos nos menosprezavam em força e em presença.
— Eu dei a chance para irem embora, porque voltaram?
— Não tem como sairmos daqui e estamos aqui pra resolver esse problema — falou Saki.
— Ah, é mesmo, eu tinha me esquecido disso… — respondeu em um tom entediado enquanto bocejava.
— Antes de nos arremessar para fora daqui, você tinha dito algo como “a vontade de Deus” ou sei lá o que, mas bruxos não adoram a Deus algum, nem mesmo tinham uma igreja na ilha inteira — hesitante, questionei sua identidade, por mais que eu sentisse que não deveria irritar aquele homem — Então… quem é você?
Ao ouvir minha pergunta, seus olhos mudaram, o tédio havia sumido de sua expressão. De repente, sua mão estava agarrada em meu pescoço.
— Ugh!
— Quem eu sou? EU SOU O SERVO DE DEUS! AQUELE QUE DOMINARÁ O MUNDO A VONTADE DE…
Seu corpo voou para longe antes que pudesse terminar de gritar suas vontades. Saki o havia acertado, deixando uma marca em seu rosto?
— Você tá bem, Noelle? — perguntou no mesmo instante.
Eu assenti com a cabeça enquanto olhava a nuvem de poeira que havia se formado a partir do impacto de seu corpo com a parede.
“Ele foi rápido demais, eu estava com a guarda baixa, não consegui reagir a tempo…” ele estava em um nível que eu sabia que não tinha chegado ainda.
— Seus merdinhas…
Ao levantar do chão, apertou suas mãos como se estivesse segurando duas lâminas invisíveis.
— Noelle!
— Eu sei! Desviem! — Aquela mesma situação se assemelhava com o que vimos dentro da simulação de Galliard.
Em um único passo disparou contra nós atravessando todo o salão. A parede em nossas costas havia sido cortada em um formato de cruz, fazendo todo o lugar tremer.
— O que deu nesse cara? — perguntou Akira.
— Eu não faço ideia, mas não temos tempo para descobrir! — respondi rapidamente.
Saltando em cima do corpo cadavérico, Saki o chutou de cima para baixo com seu calcanhar, seu corpo envolto a mana, deixou um rasto com formato de lua em sua trajetória.
— CORTE LUNAR
Mais uma vez, a terra tremeu. Antes que a poeira abaixasse, o inimigo estendeu seu braço em direção ao rosto de Saki. Uma ferida se abriu em sua bochecha, ela rapidamente limpou o sangue em seu pulso e tomou a distância de um pulo, cerrando seus punhos mais uma vez.
Após analisar a situação, meu corpo desapareceu em um flash, aparecendo novamente atrás do corpo magro do inimigo. Usando meu próprio sangue, um único toque da palma da minha mão foi o suficiente para marcar a parede com uma runa mágica. Ele tentou me acertar com suas lâminas transparentes, mas tudo que conseguiu fazer foi riscar a parede que estava atrás de mim antes de desaparecer.
— Até quando vocês vão ficar parados? — ouvi Saki reclamando assim que voltei para minha posição original.
— Ele é um usuário de vento, eu não posso fazer nada com ele! — gritou Akira.
— Essa é sua desculpa? — Shosuke o provocou.
Dobrando os joelhos e arrumando sua postura, Shosuke estendeu seu braço ao chão, firmou seus dedos como se agarrasse o ar e em seguida arremessou o vazio em sua mão na direção do nosso oponente.
O espaço entre os dois foi corroendo rapidamente o chão e tudo ao seu redor, o piso foi desintegrado em segundos, mas o esqueleto ambulante conseguiu sair de seu alcance rapidamente.
— Também não precisamos matar ele! — gritou Saki.
— Saki! — assim que Saki se virou para Akira ao ouvir seu chamado, viu a mão de nosso companheiro em chamas.
Ela assentiu como se tivesse entendido suas intenções apenas no olhar.
— Certo, vamos!
Akira ergueu uma parede de chamas logo à nossa frente, que em um instante foi repelida para nós ainda forte com o vapor quente. Saki pulou atravessando a cortina de fogo, seu punho tomou a forma de um metal aquecido na forja, e em uma rápida labareda desceu seu soco no inimigo.
Sua reação foi rápida e ele conseguiu desviar no último segundo, deixando apenas seu torso com uma marca fumegante.
— Merda, eu tenho que ser mais rápida — resmungou.
O soco de Saki fez a terra tremer ainda mais forte do que a última vez, mas devido ao calor da batalha, mal percebemos o tremor.
— Saki, vou precisar de tempo.
— Quanto?
— Só alguns minutos.
— Beleza!
A segurança que sua confiança trouxe me tranquilizou, dessa forma, consegui me concentrar.
Eu pensei em sua rapidez e tentava buscar em minha mente uma forma de imobilizá-lo, mas sua repentina mudança de comportamento e personalidade me fizeram questionar o que estava acontecendo, quando o confrontei sobre quem ele era seu humor mudou completamente.
Um cara estranho que tentava nos matar sem motivo, perdendo sua identidade e agindo irracionalmente em segundos, nada fazia sentido ali.
— Agora! — meu feitiço estava pronto, mas assim que abri os olhos para liberá-lo, me deparei com todos os meus companheiros olhando para o céu estarrecidos.
O silêncio assustador veio seguido de uma grande explosão, o céu foi tomado por uma nuvem completamente escura, o chão balançava removendo o equilíbrio das minhas pernas e em instantes uma risada maléfica ecoou por toda a ilha.
— O-O que é isso? — os olhos arregalados de Saki mostravam um medo que ela nunca tinha visto antes.
— QUE SENSAÇÃO MAGNÍFICA! — a voz divertida e alegre cantou aos céus.
— Essa voz… não pode ser! — ela parecia já saber de quem se tratava.
O homem com o qual lutávamos nem mesmo piscou enquanto tudo aquilo acontecia, ele babava como um animal furioso, tremendo para nos atacar.
Com uma máscara que tampava apenas seus olhos, sendo de cor branca no lado direito e cor preta no lado esquerdo, uma figura misteriosa apareceu acima de nós. Seu corpo estava envolto em escuridão, como se fosse apenas uma silhueta. Ele direcionou o que seria seu rosto em nossa direção, liberando sua presença mágica sobre nós.
— Eu não… consigo respirar… — a falta de ar nos deixou de joelhos, nem mesmo conseguíamos nos mexer.
— Olha só… então é assim que são seus rostos… — disse a sombra — tem uns rostinhos bonitos, não?
— Você é…
— Sim, isso mesmo…
A figura se revelou por completo, em um terno preto com luvas brancas em destaque nas mãos. Com orgulho, exclamou quem era a pessoa que nos subjugava, “O senhor da morte e da escuridão, Samaell, o último anjo caído”.
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