Capítulo 31 - Não Somos Vilões… Eu acho
Ponto de Vista de Saki:
Novamente, no bar do Lírio Verde, eu, Noelle, Akira e Shosuke nos despedimos de Karayan, Sig e Yoki.
— Muito obrigado por nos ajudar, espero vê-los novamente — eu me curvei respeitosamente.
— Não esteja tão certa disso, garota. Nós dois aqui já estamos com o pé na cova — disse Sig sorrindo.
— Fale por você! Ainda tenho muitos anos de vida — brigou a Dona Yoki.
Nós seguramos o riso diante a situação, até Karayan, com a fumaça do cigarro escondendo seu rosto, dizer:
— Vocês ainda me devem uma bebida… então nem mesmo pensem em morrer até que me paguem — um sorriso leviano apareceu em seu semblante ofuscado.
— Heh! É melhor você parar de fumar antes que seu pulmão apodreça. Ninguém aqui tá afim de dar cerveja pra um cadáver.
— Não se preocupem comigo, vão logo.
E assim, em meio a risos, nós nos despedimos de Raven, onde o sol clareava a Ilha e a destruição estava em cada esquina, indo direto para o nosso ponto de partida. Ao chegarmos no cais onde pousamos assim que entramos na ilha, eu peguei em minha mochila uma esfera, pequena como uma bola de gude.
— Então esse é o tal “encurtador”? Parece com aquela dimensão artificial de antes.
— É com isso que vamos sair daqui? — perguntou Akira.
— Sim. Vocês têm certeza que não tem mais nada para fazer aqui, certo?
— Eu queria descobrir mais sobre a névoa negra, mas quem estava por trás disso desapareceu… — respondeu Noelle
— E não tem problema?
— Eu vi Eco andando pelo Gioll alguns dias antes de ir embora. Deve estar tudo bem — disse Akira.
— Se esse é o caso, vamos para “Eryndor”, certo? — Busquei confirmação antes que pudesse ativar o artefato.
— Sim! — todos assentiram com a cabeça.
Dessa forma, virada para o horizonte, soltei a pequena esfera no mar que logo se transformou em uma rachadura no próprio espaço.
— É aí? Pensei que a gente seria puxado para dentro de novo.
— Afinal, como isso aí funciona? — Akira indagou.
— Eu não fiz muitas perguntas, tudo que eu sei é que vai fazer a gente chegar mais rápido. — respondi brevemente — vamo logo.
Um a um passamos pela rachadura, entrando em um breu absoluto, que logo em seguida foi clareado por um estreito caminho de luz e sem escolha, foi o único caminho que seguimos. Após alguns minutos andando em silêncio, enxergamos um brilho, não tão distante.
— O que é aquilo?
— Deve ser a saída, já se passou um bom tempo desde que entramos — Noelle respondeu.
— Esse percurso duraria dias de viagem, é um artefato realmente útil — disse Shosuke, com um tom de voz levemente impressionado.
Ao nos aproximarmos do brilho, percebemos que era, na verdade, a luz do sol que passava pela rachadura. Rapidamente, nós saltamos para fora, chegando à Eryndor.
Estávamos cercados por árvores tropicais, juntamente da brisa suave do mar, a areia da praia que nossos pés tocavam era macia e o sol trazia vida para o ambiente.
— Nossa! Esse lugar é realmente bonito! — assim como todos, eu estava aliviada por finalmente estar em um lugar agradável.
— Sim, mas… onde exatamente a gente tá? — perguntou minha amiga, com o vento soprando seu longo cabelo, cobrindo seu rosto.
Rapidamente, Akira escalou uma das grandes árvores à nossa frente, procurando algum meio de nos localizar.
— Em alguns metros não há nada além de uma estrada de terra! — ele gritou — Seja lá onde estivermos, vai ser uma longa caminhada.
— Temos que passar por essa floresta antes que escureça…
— Por acaso tá com medo do escuro? — Akira provocou.
— A última vez que cruzamos uma floresta a noite não foi a melhor experiência, sem contar que nunca se sabe quando pode aparecer aranhas gigantes, zumbis ou monstros explosivos… — Sei que poderia estar indo com longe demais achando que aquilo tudo era um jogo, mas esse mundo já havia me surpreendido demais.
Mesmo tendo sobrevivido, por pouco, a luta contra um demônio, sei que existem coisas mais fortes do que eu, não poderia arriscar encontrar algo assim agora.
— Sim, mas agora é diferente.
— Tem certeza? Você ainda parece o mesmo desde que te conheci.
— Não viaja.
— É melhor a gente se apressar — disse Noelle.
Nós corremos pela densa floresta tropical enquanto Akira pulava de galho em galho tendo toda a vista de cima. Tudo estava calmo e conseguimos passar pela floresta sem problemas, chegando a uma bela planície e que de longe fomos capazes de ver uma pequena cidade distante, logo após alguns campos de trigo. Toda a região era rodeada por montanhas nevadas que destacavam os raios de luz do pôr do sol.
— Que vista! — Eu exclamei maravilhada.
— Aquilo ali é uma cidade?
— Se estivermos no lugar certo, ali é a cidade de Everwood — respondeu Noelle.
— Everwood? Que nome mais clichê — já havia perdido as contas de quantas vezes eu tinha escutado esse nome em filmes e desenhos.
— Clichê? Até onde eu sei, só existe uma Everwood nesse mundo — Akira interveio perguntou.
— Deixa pra lá, devo ter me confundindo — tentei desconversar andando mais rápido e tomando a frente — Aliás, como você sabe o nome de todos esses lugares?
Em nosso caminho, Akira me ensinou as coisas que havia aprendido em seu treinamento e que havia lido nas anotações de Viollet. Para resumir, o Éden é dividido em 5 continentes. Eryndor: O continente mais ao norte, conhecido por ter os maiores e mais fortes magos, com sua capital, “A Muralha de Diamante, Antares”; Verdena: Ao leste, Conhecido por suas terras férteis e vasto conhecimento, com sua capital “A Cidade do Conhecimento, Shryne”; Brasslyn, Ao sul, transbordado com a mais alta nobreza, a capital “Lar dos Inumanos, Nebuloria”; Ao oeste, Eirenia, O continente iluminado; Por fim, ao centro oeste, “O Gigante Reino de Hibéria”
Todos esses lugares me traziam uma lembrança familiar, porém ignorei esse sentimento e continuei observando a paisagem ao nosso redor. Os campos de trigo eram belos e dourados, como se os agricultores locais tivessem um grande apreço por eles. À medida que nos aproximávamos da cidade, as pessoas começavam a olhar em nossa direção, claramente nos identificando como estrangeiros.
A cidade era cercada por um pequeno muro de pedra com espinhos no topo, na entrada, uma placa curvada escrita “Everwood” nos dava as boas-vindas. Por exceção da rua principal, ela tinha, ao todo, cerca de 7 ruas paralelas, todas elas com casas, lojas e estábulos de madeira, uma típica cidade de filme de faroeste.
— O que toda essa gente tá olhando? — Akira estava profundamente desconfortável.
— Olha o tamanho desse lugar — eu sussurrei — não deve ser todo dia que chegam visitantes, principalmente 4 estranhos como a gente.
Todos ali cochichavam uns com os outros, perguntando quem nós éramos. De repente, uma criança que aparentava não ter mais de 10 anos apareceu em nossa frente com um pedaço de madeira em sua mão.
— Q-Quem são vocês? — ele gritou enquanto todo o seu corpo se tremia de medo — Não vou deixar nenhum vilão passar por essa cidade!
O suor escorria pelo rosto do garoto de cabelos negros e olhos vermelhos, sua roupa, uma camisa bege juntamente com um macacão marrom, estava suja e rasgada. Seus olhos hesitavam, mas não parava de nos encarar.
Todos, inclusive nós quatro, ficamos em choque e paralisados, até que a voz de uma mulher desesperada chega aos nossos ouvidos.
— ERICK! — A mulher gritava enquanto se espremia na multidão — SAIAM DA FRENTE, É O MEU FILHO!
A mãe da criança enfim conseguiu ultrapassar a multidão e correu em direção ao seu filho. Seus cabelos castanhos voavam em meio ao desespero e seus olhos vermelhos tremiam de medo. Seu corpo era magro, apesar de seus seios serem avantajados, como alguém que não se alimenta direito há dias.
— Por favor! Tenham piedade! — ela o abraçou enquanto clamavam para nós.
— Mamãe, sai daqui! Eu cuido disso! — o garoto ainda tremia assustado.
— O que tá acontecendo? — perguntou Akira sem saber o que fazer.
— Deixa que eu resolvo isso — respondi prontamente, mesmo sem a menor ideia do que iria fazer.
Eu me aproximei da criança cuidadosamente, agachei-me a altura de seus olhos e disse.
— Não precisa se preocupar — com um sorriso estampado em meu rosto — não somos… — antes que eu pudesse completar, o garoto me acertou com o pedaço de madeira na cabeça.
Eu me mantive calma, mas dava para ver as veias em minha testa se contorcendo de raiva. A mãe por sua vez quase desmaiou. Ela se curvou grudando sua cabeça ao chão implorando por misericórdia.
— Por favor, nos perdoem! Tenha piedade!
— Calma aí, minha senhora. Não precisa disso, por favor, se levante.
— Sim! — Erguendo sua cabeça rapidamente.
— Olha, nós não somos vilões ou algo do tipo — eu tirei a arma do menino antes que ele me interrompesse mais uma vez, mesmo assim ele mirava seus punhos na minha direção — só estamos de passagem, não queremos incomodar.
— Se esse é o caso, por favor, permita os acomodar em minha casa — sua voz, ainda trêmula, dizia que não acreditava em minhas palavras.
— Não, tá tudo bem…
— Por favor, eu insisto! — Acertando novamente o chão com a cabeça.
— Tá bem! — eu gritei — só para de bater a cabeça no chão!
Ela se levantou, agarrou a mão de seu filho e caminhou até sua casa. A criança não parava de reclamar, dizendo que sua mãe estava se entregando para os vilões.
— Tem certeza disso? — Akira sussurrou em meu ouvido enquanto os seguíamos.
— Você tinha alguma ideia melhor?
— Não, só tô conferindo se você tá bem depois daquela pancada na cabeça — ele riu com sua própria provocação.
— Pelo menos aquela multidão se foi, só vamos tentar não arrumar problemas e sair logo daqui — disse Noelle.
— Isso, a gente só tem que saber como chegar até Antares, é a capital, não deve ser tão longe assim da costa.
A famosa muralha de diamante, é dito que os magos mais fortes passaram por lá, seus ensinamentos seriam cruciais para elevar o meu poder.
— O país fica bem no meio do continente, mas não sabemos o quão longe estamos dele.
— Isso vai ser cansativo… — resmungou Akira.
Enfim, chegamos à última rua da cidade de Everwood e a mãe do garoto se aproximou de uma das casas encostadas no muro de pedras que cercava a cidade. A casa de madeira, levemente desgastada, rangia a cada momento desde que sua porta foi aberta. O interior era escuro, apenas uma luz iluminava toda a casa. A mulher abriu as janelas, permitindo que a luz do sol iluminasse mesmo que pouco.
— Por favor, sintam-se à vontade — ela nos preparou uma mesa para que pudéssemos nos acomodar.
— Sério, não precisa disso — eu insistia.
— Esperem só um momento, por favor.
Rapidamente se retirou com seu filho.
— Tsc! Ela não me escuta.
— É melhor a gente só sair de uma vez? — perguntou meu amigo insensível.
— Vocês não sentiram algo estranho aqui? — Noelle jogou a dúvida na mesa.
— Como assim?
— Assim que chegamos, todo mundo parecia assustado, eles estavam paralisados. Alguma coisa aconteceu nesse lugar para suas reações serem a mesma.
— A Noelle tá certa, dá pra ver que todos aqui só querem viver em paz e… — o grito da criança interrompeu o meu raciocínio.
— E onde tá o papai agora? Os vilões estão aqui e ele ainda não voltou! — o som abafado do outro cômodo era ouvido por toda a casa.
— Eles não são vilões, Erick — a mãe respondeu — Peça desculpas a eles!
— Eu nunca vou perdoá-los! Nunca!
Enquanto esperneava, a criança abriu a porta do quarto com tudo e correu para fora de casa com lágrimas nos olhos.
— Erick! Espera! — ela se desesperou.
Nós 4 estávamos sem reação e sem saber como agir naquela situação.
— Por favor, me desculpem pelo meu filho! — novamente acertando o chão com sua testa.
— T-Tá tudo bem! — a segurando pelos braços rapidamente — Criança é assim mesmo! — minhas palavras apenas a fizeram chorar mais.
Eu a sentei na cadeira onde estava, tentando acalmar suas emoções.
— Alguém dá a minha mochila!
Noelle pegou e arremessou a mochila em minha direção assim que pedi. Vasculhei em sua imensidão atrás de uma garrafa de água e assim que encontrei, entreguei para que bebesse.
Em alguns minutos, a mãe finalmente se acalmou.
— Dona…
— Meu nome é Júlia.
— Certo! Dona Júlia, a gente não tá aqui pra incomodar ninguém, não somos nenhum tipo de vilão ou algo que você possa imaginar.
— E-Eu entendo — suas mãos tremiam de medo.
— Saki — Noelle se levantou de repente — O sol já tá se pondo, pode ser perigoso lá fora.
— Entendi, mas tenta não chamar atenção.
— Pode deixar! — ela saiu assim que possível, indo atrás da criança no escuro.
— Erick… Meu filho… — a preocupação estava estampada no olhar de uma mãe desesperada.
— Não precisa se preocupar, nada vai acontecer com ele.
— Saki, vem aqui — Akira me puxou pelo braço agressivamente.
— O que você quer agora? Não é um bom momento pra suas piadinhas.
— Não te chamei pra fazer piada. Só acho que é melhor a gente dar o fora daqui o quanto antes!
— É, eu sei disso! Mas como a Noelle disse, alguma coisa aconteceu por aqui.
— E o que isso tem a ver com a gente? — ele se exaltou.
— O qu-
— Vocês estão certos — a voz trêmula de Julia enfim cessou.
Ponto de Vista de Noelle:
Farejando o cheiro do Erick, eu andei discretamente pelas ruas da cidade atrás do garoto, até que de repente, assim que entrei em uma das ruas, um homem com cerca de 1,80m também vagava à noite. Por conta do tumulto causado mais cedo, todas as pessoas permaneceram em casa, mesmo que o sol acabara de se pôr, logo todas as ruas estavam desertas. O homem, coberto por um sobretudo, se virou para trás em um instante, como se tivesse percebido a minha presença. Eu me escondi entre as casas o mais rápido que pude, desde então, suspeitei do sujeito.
Quando me virei para verificar sua presença, ele havia sumido completamente.
— Algo errado, senhorita? — uma voz masculina soou repentinamente.
— AH! — Caí ao chão com um susto.
Eu olhei para cima, procurando entender o que estava acontecendo e me deparei com o mesmo homem que havia desaparecido em instantes. Seu sobretudo cobria todo o seu corpo, assim como seu cabelo cobria seu rosto, tudo que era capaz de se ver eram rios de lágrimas escorrendo de seus olhos.
— E-Eu que pergunto, aconteceu alguma coisa?
— Na verdade… — enquanto aguardava sua resposta, ele estendia sua mão para mim lentamente com uma intenção assassina. Mesmo sem uma única demonstração de força, eu sabia que não era páreo para ele e tudo que consegui fazer foi afastar-me com um salto para trás.
Então, em meio a rua vazia, eu me preparava para uma luta que já estava perdida.
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