Capítulo 48 - Sol
Ponto de Vista de Elena (46 anos atrás)
Em Shryne, acima dos muros de uma grande mansão, eu, uma criança com roupas sujas com apenas 5 anos, observava fixamente a família real caminhando pelo seu enorme quintal. Melissa segurava a mão de sua mãe gentilmente, enquanto Elliot, seu irmão mais novo, era carregado nos ombros de seu pai.
— Mamãe… — Melissa apertou a mão da sua mãe.
Ao perceber o que estava prestes a acontecer, pressionei meu dedo entre os lábios, pedindo para que a criança ficasse quieta.
— O que foi, filha? — a atual rainha ergueu levemente seu chapéu, revelando seus olhos esmeraldas — algo errado?
Ali pude perceber que Melissa não passava de uma cópia idêntica de sua mãe.
— Nada não — minhas preces foram atendidas.
Após quase ser descoberta, saí dali o mais rápido possível e voltei para o interior da cidade. No outro dia, voltei para a mansão, desta vez, tomando o máximo de cuidado para que não me encontrassem.
Eu observava atentamente a forma em que os membros da família se comportavam e como sua vida era confortável. Pela primeira vez, eu queria ter a mesma vida que eles tinham, eu desejava ter tudo que eles tinham, mas parecia ser um objetivo tão distante de se alcançar. Enquanto estava imersa em meus pensamentos, nem percebi que Melissa já havia me encontrado e de longe olhava para mim confusa.
Mais uma vez, corri o mais rápido que pude. No dia seguinte, eu estava de volta, ainda mais sorrateira e determinada a voltar para casa com uma mochila cheia, mas ela me achou mais uma vez. A exata mesma coisa se repetiu dias e dias, não importava onde me escondesse, Melissa sempre me achava e toda vez ela sorria, como se aquilo fosse uma mera brincadeira.
Dia após dia, eu queria cada vez mais tomar aquilo tudo para mim, então, bolei um plano infalível para enfim conseguir roubá-la. Fingi não ter ido até a mansão naquele dia, e esperei até que a lua cobrisse o céu. Quando tive certeza de que todos estavam dormindo, me infiltrei no quintal como um ninja e escalei uma parede que dava direto para o quarto de Melissa.
O quarto era enorme, praticamente do tamanho da minha casa. Eu entrei com passos leves, procurando o que de valioso eu poderia levar.
— Qual é seu nome? — a criança perguntou de repente.
— AH! — eu gritei assustada.
Tapei minha boca instantaneamente ao perceber que havia cometido um grave erro.
— Qual é seu nome? — me virei lentamente, vendo Melissa balançando seus pés enquanto se sentava na cama.
— SHHHHH! — tentei mantê-la quieta — é Elena — disse em um sussurro.
— Por que você não veio brincar hoje, Éena?
— Não é da sua conta!
— Mia cota?
— É, agora fica quitenha que eu vou pegar alguma coisa e ir embora.
De repente, algo gelado encostou em meu braço. Melissa estendia para mim um bracelete dourado, cravejado com pequenas esmeraldas.
— Pra mim?
— Uhum! — afirmou com a cabeça.
— Melissa! Que grito foi esse? — os passos pesados de seus pais quase me causaram um infarto.
— Droga! — eu estava perdida, sem saber pra onde ir.
Os passos se aproximavam a cada segundo, meu coração acelerava enquanto meus olhos procuravam uma saída e sem nem pensar direito, corri em direção à janela pela qual entrei. As mãos da criança escorregaram pelo meu braço antes que eu, imprudentemente, me jogasse.
Eu fechei meus olhos, esperando quebrar pelo menos uma perna ao cair na grama. Para minha surpresa, a queda estava longa demais, e quando abri os olhos, eu estava flutuando pouco acima da janela.
— Melissa! Tá tudo bem? — eles perguntaram preocupados.
— Sim!
— Que alívio.
“Isso é magia? Mas quem tá fazendo isso? É impossível ser essa criança! Meus pais me disseram que as pessoas só despertam suas magias com 10 anos! Ela é mais nova do que eu!” Um brilho rosa me envolvia enquanto eu me escondia.
Senti meu corpo lentamente descer ao chão e tocando a grama suavemente, olhei para cima e não havia mais ninguém lá, a janela estava fechada e apenas a luz da lua iluminava a casa. Sem poder agradecer, voltei para minha casa tarde da noite e fui repreendida por isso.
No dia seguinte, acordei olhando para o bracelete dourado, o brilho de suas joias me fascinava, eu queria mais, não sentia que aquilo era suficiente, mas quando estava prestes a voltar para a mansão, escutei um grito.
— ELENA! — minha mãe exclamou — PRA ONDE VOCÊ PENSA QUE VAI?
— Sair pra brincar, o que mais seria? — perguntei já com o suor frio percorrendo meu rosto.
— Nem pensar! — seus passos se aproximavam cada vez mais — Acabaram de noticiar no rádio, a guerra finalmente chegou no continente.
— Guerra? — eu era apenas uma criança que não sabia de nada do mundo fora da cidade.
— Ai, garota, sinceramente, você não sabe de nada.
— Eu só tenho 5 anos!
— É, mas já é bem espertinha pra sua idade.
— Então eu posso sair ou não?
— Claro que não! — ela apareceu de repente em minha frente, com sua expressão raivosa de sempre — Houve um ataque nessa madruga, tentaram assassinar a família real dentro de sua casa.
O horror tomou a minha face, afinal, se eu ficasse apenas mais um pouco naquele lugar, poderia ser a minha cabeça em jogo.
— Ah, então acho melhor ficar por aqui mesmo…
— É bom mesmo — ela se virou para mim.
Foi dito que os pais de Melissa sofreram uma tentativa de assassinato, receberam ferimentos graves e foram internados no melhor hospital da cidade. Por conta dos perigos da guerra, não pude sair de casa por um bom tempo e consequentemente, parei de ver Melissa. 3 anos se passaram e vivíamos finalmente o momento mais frio da guerra.
Pude enfim sair para brincar na rua e a primeira coisa que fiz foi pegar o bracelete que escondi por todos esses anos e correr até a mansão de Melissa. Estava ansiosa para poder vê-la novamente, por mais que meu rosto não expressasse aquilo, eu queria ao menos agradecer por aquele dia.
Chegando mais próxima da casa, comecei a notar algo diferente, um rastro de destruição me guiava até meu destino, até me deparar com uma enorme cratera no mesmo lugar em que ficava a mansão. Eu não conseguia acreditar no que via e voltei desesperadamente para a cidade.
— Elena? — escutei enquanto corria.
Ao me virar para trás, me deparei com uma pequena criança de olhos esmeraldas segurando as mãos de uma senhora que aparentava a mesma idade da minha mãe, ambas vestidas inteiramente com roupas pretas.
— Milady Melissa! Com quem pensa que está falando? — a senhora perguntou.
— Me-Melissa? — fui subitamente tomado por um alívio — você tá viva?
— Tô — respondeu enquanto sua acompanhante resmungava para todos os lados.
— Bem… er… obrigada por aquele dia, eu fiquei te devendo uma.
— Tudo bem! — disse com o maior sorriso do mundo.
— Então… o que estava fazendo aqui tão distante?
— Meus pais…
— A Senhorita Melissa e eu estávamos fazendo nossa caminhada matinal! — segurando firmemente sua mão — e nós estávamos prestes a voltar, vamos Milady!
— Ah… certo.
Sutilmente, Melissa acenava para mim enquanto virava suas costas. Eu não entendia nada do que estava acontecendo, mas também não ousei insistir depois de ouvir aquela velha resmungando.
Voltei para minha casa, agora, um pouco mais tranquila e vivi minha com mais leveza desde então.
Poucos meses se passaram desde que reencontrei Melissa, todo o continente de Verdena estava se movendo para o campo de batalha novamente, o desespero voltou ao mundo e nós, meros cidadãos, não pudemos fazer nada além de se esconder.
— Elena! Elena! — eu acordava de um profundo sono, escutando a voz abafada do meu pai — Acorda! Você precisa parar!
Meu pai, com galhos firmes saindo de suas costas, me rodeava com suas mãos, procurando formas para me segurar. O cheiro de queimado inundava meu nariz, juntamente com a falta de ar que aumentava gradativamente. Quando enfim tomei consciência do que estava acontecendo, percebi que minha casa inteira estava em chamas.
— O que tá acontecendo! — gritei.
— Céus, você está brilhando muito! — ele pressionava seus olhos com dor — Saía daqui primeiro, estarei logo atrás!
Eu passei por debaixo do meu pai e comecei a correr para fora de casa, os degraus queimados da escada estavam frágeis, mesmo assim, sendo uma criança leve, consegui descê-las sem problemas.
“CRACK“
— UGH! — olhei para trás e vi meu pai preso entre os degraus quebrados e rapidamente voltei para tentar ajudá-lo — ELENA! NÃO! Você precisa sair daqui! RÁPIDO!
— Mas pai! — Subitamente, um pedaço enorme de madeira flamejante caiu entre nós.
— VÁ PARA FORA DE UMA VEZ!
Vendo meu pai naquela situação, eu não via outra escolha, então, tudo que pude fazer foi engolir o choro e correr.
Naquela noite, sob a luz da lua, a visão da minha casa em chamas foi cravada na minha mente, minha mãe se lamentava do lado de fora enquanto os bombeiros tentavam resgatar o meu pai e os vizinho se aproximavam cada vez mais para prestar apoio.
— Elena… você está… brilhando — uma das vizinhas comentou.
Os acontecimentos recentes tomaram toda a minha atenção, então ao menos tinha percebido isso. Meu corpo estava emitindo uma forte luz, iluminando toda a rua, como um sol, mas a luz cessou de repente assim que a notei.
Pouco tempo depois os bombeiros retornaram carregando em uma maca o corpo do meio pai em sua maior parte carbonizado.
— EU ESTOU BEM! NÃO PRECISO IR A LUGAR ALGUM! — escutei minha mãe gritando alto o suficiente para que todos a escutassem.
— Senhora, você precisa vir conosco, já perdeu muito sangue! — um dos médicos informaram.
Ela estava com bastante sangue escorrendo pela sua perna, uma corrente originada do seu abdômen perfurado por uma lasca de madeira.
— Elena… — meus olhos cheios de lágrimas a viram com uma expressão dolorosa — que bom…
Um sorriso aliviado surgiu em seu rosto, algo que nunca havia a visto fazer, pouco antes de adormecer nos braços daqueles que a carregavam.
Meus pais foram levados ao hospital rapidamente para receberem os cuidados necessários, eu tentava processar tudo que estava acontecendo de repente, afinal, estava dormindo poucos minutos atrás, os vizinhos me rodeavam preocupados, murmurando entre eles o quanto o local estava quente e não era por conta da minha casa que acabara de entrar em chamas.
Abaixo do céu nublado, eu caía de joelhos sobre o túmulo do meu pai. Ele não resistiu os ferimentos causados pelo incêndio e a quantidade de fumaça que penetrou seus pulmões quase o asfixiou. A casa pegou fogo por minha causa, meu pai morreu por minha causa, minha mãe estava internada por minha causa, tudo aquilo… foi culpa minha.
— Fiquei sabendo sobre seu pai — a voz de melissa soou gentilmente em meu ouvido — sinto muito…
— Melissa? — perguntei chocada — mas como?
— MELISSA! CÉUS, COMO VOCÊ CONSEGUE DESAPARECER TÃO RÁPIDO? — a mesma senhora de antes chegou gritando.
— Sei como é, se precisar de ajuda, vai lá em casa — disse da maneira mais simples possível.
Sua acompanhante a pegou pelo braço e a levou para fora do cemitério, mas ao escutá-la, não pude deixar de sentir tanta raiva.
— Sabe como é? — gritei em meio a chuva — COMO VOCÊ PODE TÁ FALANDO ISSO? — ela parou rapidamente e virou-se para mim — SEUS PAIS ESTÃO VIVOS E VOCÊ SEMPRE TEVE TUDO QUE QUISESSE! NÃO HAJA COMO SE SOUBESSE O QUE EU SINTO POR QUE NÃO! VOCÊ NÃO SABE!
— Garota atrevida… — a velha veio até mim com sangue nos olhos — como ousa falar assim!
— Não! — Melissa impôs sua voz calma, derrubando a senhora de joelhos — você está certa… desculpe…
— Sim, senhorita… — ao se levantar, ambas foram embora em silêncio.
Uma fúria incontrolável subia a minha mente, a chuva mascarava as lágrimas, enquanto os raios e trovões escondiam os gritos de ódio e tristeza.
A guerra voltava a se alastrar pelo continente, os demônios dominavam cidades e países cada vez mais rápido. Minha mãe, a única família que me restou, teve seu peito perfurado ao tentar me salvar de um ataque em Shryne. Mesmo com sua mobilidade afetada por conta do incidente de 2 anos antes da invasão, ela me escondeu e morreu acima de mim, com uma lança atravessando seu corpo, mais uma perda a qual me culpei.
Sem muitas opções a se escolher, crianças começaram a lutar contra os demônios, alguns nem mesmo havia núcleos despertos, e agora eu, sem ter para onde ir, me juntei ao exército.
Diferentemente das outras crianças, fui enviada para uma sala inteiramente branca, sem nada ao redor. O chão se estremeceu por uma fração de segundos, eu fechei os olhos amedrontada, pensei que meu fim já estava se aproximando, mas fui surpreendida por uma doce, suave e gentil.
— Oi! Meu nome é Galliard! E o seu?
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