Capítulo 70 - A Caça aos Monstros
— Que tipo de bicho é esse? — perguntei a Noelle enquanto corríamos em direção ao monstro.
— Parece ser um Gigante!
— Um gigante? Eles não são pessoas só que… gigantes?
— Bem, olha o tamanho dele… — meu amigo brincou.
De repente, seu longo braço arrebatou centenas de árvores a nossa frente com um único golpe, creio eu que em uma tentativa de nos acertar.
— É, tô vendo.
— Não vai dar pra passar a noite com essa coisa por aqui, temos que-
— Acabar com ele! — interrompi a bruxa rapidamente — Eu sei como fazer isso.
— Então… — Noelle suspirou, sabendo que eu não iria mudar de ideia — vai ter que me parar antes que eu mesma faça! — provocou antes de disparar como um raio.
— Vai ser assim é? — Fortalecendo meu corpo, saltei sobre as árvores no caminho para o gigante.
— Ei! Espera aí!
Enquanto perseguia Noelle em direção ao monstro, eu pensava em um plano bem simples. Bater no desgraçado até cair.
Sei o quanto melhorei no último ano, minha força e velocidade aumentaram exponencialmente quando enfim entendi como a Manipulação do Caos funcionava. Ainda estava longe de dominá-la, mas certamente era suficiente para o que estava prestes a fazer.
Ao longe, vi Noelle perturbar o gigante como se fosse uma mosca irritante, saltando de um lado para o outro, o fazendo se golpear e perder o equilíbrio. Ela pousou logo acima de sua cabeça, gritando para o mundo ouvir:
— Torrente de Agulhas Elétricas!
Uma legião de agulhas eletrizantes surgiram ao redor da jovem bruxa, se alinhando em um único turbilhão conduzido por ela. As agulhas cercaram a cabeça do gigante, o atacando em infinitos locais e descarregando uma corrente elétrica sobre seu corpo.
O monstro resistia aos ataques, seu corpo peludo se arrepiava por inteiro, mas com um rugido poderoso, fez com que as agulhas se dissipassem.
— Maldito… — Noelle rangia os dentes.
— MINHA VEZ! — saltei por cima da minha amiga.
— Ei! Eu ainda não acabei!
Pousando agressivamente no ombro da fera, apenas senti um forte vento vindo em minha direção. Sua mão me acertou furiosamente, me levando ao chão no mesmo instante.
Ao me levantar da pequena cratera que criei no chão, me deparei novamente com a mão do gigante prestes a me esmagar. Eu a segurava com meus braços, aguentando a pressão feita pelo seu peso.
— Esse cara deve pesar uma tonelada! — resmunguei, quase virando purê.
O chão a minha volta se afundava ainda mais, não suportando a força que fazia.
— Primeira Instância: Chama Púrpura! — O fogo violeta tomou meus ombros, me concedendo a força e resistência necessária para empurrar a mão do gigante para cima.
Ele grunhia de insatisfação, ao mesmo tempo que sua boca salivava ainda mais com o ódio que o consumia.
Em um único salto, cheguei a altura de seus olhos, centenas de metros acima do chão. Eu preparei meu punho para acertá-lo com toda a minha força, causando uma enorme onda de choque ao afundar um soco bem no meio de sua testa.
Os olhos possessos de raiva do gigante perderem seu brilho carmesim, assim como sua consciência, o fazendo cair de costas numa enorme montanha.
Aterrissei perfeitamente no centro do buraco onde quase fui esmagada – nos arredores da floresta que o gigante havia varrido – com um sorriso confiante, olhando para Noelle na beira no desnível.
— Acho que isso deixa a gente no um a zero.
— A… — suspirou convencida — o que seria de você sem mim, ein? — apontando com o polegar para uma pilha de monstros menores.
— Eu que pergunto: — Akira surgiu com uma pilha ainda maior de feras escondidas na floresta — O que seria de vocês duas sem mim?
— Hm, convencidos.
— Vai ser um mês cheio… — Noelle brincou.
— Que tal uma aposta? — provoquei — Quem derrubar mais, vai ter o direito de pedir QUALQUER coisa para os perdedores e eles vão ter que aceitar. Sem reclamar, obviamente.
— Tá com essas moral toda? — com uma expressão arrogante, Akira girava seu bastão agilmente ao seu redor.
— É melhor se preparem, preciso de cobaias para alguns feitiços… — incitou, também confiante.
— Tá fechado!
— É melhor não virem chorando pedindo ajuda depois!
— Idem.
— Antes, peguem isso — Noelle jogou um chifre para mim e um dente para Akira, enquanto segurava consigo o outro chifre que fazia par com o meu.
— O que é isso?
— Todos os monstros aqui são criaturas mágicas. Qualquer um desses monstros menores não tem capacidade de armazenar tanta mana — explicou enquanto envolvia o chifre com sua mana — se sobrecarregarem essas partes com o suficiente, não vão resistir — jogando o chifre para cima.
Em pleno ar, o chifre de uma criatura explodiu com pequenos raios ao seu redor.
— No final de cada dia, vamos usá-los como sinalizador e nos reunir pra passar a noite.
— Boa! — concordei de imediato — além de linda, é inteligente, é demais pra mim! — sussurrei para mim mesma, desviando os olhos envergonhada.
— É o que, que você disse aí? — perguntou Akira.
— NADA!
Deixando um pouco para trás meus sentimentos, fui a primeira a saltar para longe de todos. Passei o resto do dia com um sorriso confiante no rosto, derrubando brutalmente cada criatura que surgisse em minha frente.
Graças a Merlin, consegui desenvolver uma técnica que reduzisse imensamente o consumo da minha mana, a Instância.
Simplificando a forma com que Noelle e o mago me explicaram, basicamente, o meu núcleo não organiza as partículas de mana como deveria, de uma forma caótica, a mana corre de um lado pro outro no meu corpo, sem um padrão estabelecido. Assim, a mana evadia do meu corpo por conta da agitação e da abundância de mana que eu armazenava.
A Primeira Instância resolve esse problema. Ao me concentrar na mana que fluir em mim, posso organizar o fluxo em torno do meu núcleo, poupando energia e aumentando a eficiência do seu uso. Seis meses depois, a Primeira Instância se tornou um processo automatizado, assim como respirar.
Meu corpo parecia mais leve e mais rápido, eu conseguia sentir minha mana fluir como um rio pacífico por cada centímetro do meu corpo, me impulsionando para correr ainda mais rápido.
— Credo, você parece um demônio — a voz de Anzu estalou na minha mente.
— Não começa! Eu ainda não decidi! — gritei enquanto continuava a massacrar as feras no caminho.
— Ah… — suspirou desapontado — tudo por conta daquela bruxa…
— Não esquece que foi essa bruxa que te deu um nome!
— Só acho que você não deveria ter contado sobre o nosso pacto.
— Não temos um pacto! E eu só queria uma segunda opinião!
— Eu estou te observando há quase quatro anos, sei bem que não era só uma segunda opinião que você queria!
— Como é? — meu rosto se tornou um borrão vermelho em segundos.
— Você não consegue esconder nada pra ela, exceto, é claro, essa paixãozinha.
— Desde quando você é tão linguarudo?
— Deveria contar logo!
Eu parei subitamente, em choque com o que acabara de escutar.
— Você sabe do que tá falando?
— Sei… passei tanto tempo vendo vocês duas, que comecei a achar que combinam.
— Escuta. Se vamos manter essa dinâmica a partir de agora, vou deixar bem claro — olhando para dentro de mim mesma, através da sombra nos olhos de Anzu, cravei meus olhos nos dele — fique longe dos meus sentimentos.
Continuei o meu caminho em seguida, focada em conseguir o maior número de presas.
Poucos passos a frente, me deparei com mais um monstro gigante, esse por sua vez, possui três chifres em torno da sua cabeça, como se fosse uma coroa. Seu corpo esguio e curvado fazia com que seus longos braços quase arrastassem no chão. O sorriso maldoso voltou para o meu rosto, empolgada por usar ainda mais do meu poder. A satisfação por liberar uma forte onda de mana ao golpear era imensa, eu estava começando a tomar gosto por aquilo.
Me recusando a perder mais tempo, corri rapidamente por suas costas inclinadas, tentando manter o equilíbrio a medida que o gigante tentava me derrubar.
Eu o fazia de bobo, girando pelo seu pescoço e dando pequenos socos ao seu redor, o confundindo e o atordoando. Seus olhos furiosos giravam, ele estava tonto e perdido, caindo de costas no chão.
A ideia de matar aquelas criaturas, por mais que fosse pela minha sobrevivência, não me agradava. Lutar contra inimigos fortes era uma coisa, mas matar um inimigo já derrubado era outra.
“KRÁÁÁÁÁ” o gigante rugiu um grito estridente, destruindo meus tímpanos.
Furiosa, joguei meu pensamento misericordioso para o inferno e soquei sua garganta em um golpe rápido e limpo, a atravessando.
Um zumbido infernal e infinito pairava nos meus ouvidos junto a uma dor de cabeça, e eu sabia que aquilo não duraria menos de uma semana.
Horas depois, sob a luz da lua, avistei ao longe, perto de uma montanha, uma explosão em chamas, provavelmente um sinal do Akira. Com as mãos ensanguentadas após uma longa caçada, as sacudi perto do chão, tirando o excesso, deixando apenas um pouco de sangue seco na pele.
Arrastando uma grande fera quadrupede por sua pata, me aproximei do pequeno acampamento que Akira fez com algumas folhas e gravetos.
— Olha só, ainda trouxe um rango! — meu amigo bradou.
— Quem dera — jogando o corpo do animal perto da fogueira — Nem sei se esse bicho é comestível.
— Vamos descobrir… — Noelle alcançou o animal esticando seu braço.
A mana da jovem bruxa cercou o corpo castanho da criatura, como se o cobrisse com uma fina malha.
— Dá pra comer — declarou.
Famintos, não esperamos nem mais um segundo para botar o pobrezinho na grelha.
— E aí? Quem ganhou? — Akira perguntou, arrancando um pedaço de carne no dente.
— Não sei, perdi a conta depois dos 500.
— Hum, convencida… — resmungou, se recusando a falar mais.
— O que foi? Não conseguiu passar dos 10?
— Ah, cala a boca.
— E você, Noelle?
— Tirando aquele que derrotamos juntas, foram 3 gigantes, 875 monstros médios e 1.112 monstros pequenos.
…
“Teu cu” era a única frase que passava pela minha mente enquanto estava boquiaberta.
— Nem tem tudo isso de bicho dentro da floresta! — Akira esbravejou incrédulo.
— Tem se você souber procurar…
— Mesmo que tenha, não faz sentido ter derrubado essa quantidade em só um dia.
— Eu tenho os meus truques — respondeu com um sorriso bobo.
Os dias passaram um após o outro, a contagem aumentava a cada noite, em uma disputa raivosa entre nós. Akira e eu tivemos que nos reinventar e achar novas formas de caçar para ao menos conseguir chegar aos pés da Noelle, que calculava precisamente cada monstro derrotado.
Restando apenas alguns dias para o fim da Temporada dos Monstros, eu voltava novamente para o pé da montanha, ao encontro dos meus amigos, arrastando meu corpo cansado e suado pela floresta.
De repente, senti uma presença estranha passar por mim, vendo um rápido vulto por cima dos ombros. Deve ser mais um monstro, elucidei na minha cabeça, rasamente. As poucas folhas caíam das árvores no final do outono, em um tom amarelado se misturando com o verde, lentamente.
— O quê? — parei subitamente ao ver uma única folha paralisada no ar.
Estranhei a fraca, porém incômoda, presença no ambiente. O tempo parecia parar a cada segundo, mantendo tudo a minha volta estático, sem mover um milímetro sequer.
— Quem tá aí? — virei-me para a pressão mágica escondida na floresta.
Passos velozes esmagaram a grama em minha direção, rondando as sombras projetadas pelas árvores ao meu redor.
Emergindo das sombras, enfim, um vulto escuro saltou acima da minha cabeça.
— Você… — uma sensação familiar me atingiu brevemente.
— RAHHH! — Um grito longo e brutal enquanto caía com uma sede de sangue inestimável.
Coberta por uma túnica negra, a pessoa de cabelo alaranjado cortou o chão a minha frente com suas unhas enormes. Ele se levantou calmamente, (voltando suas unhas a um tamanho normal) de uma maneira que pude sentir uma sede de sangue diminuindo, suas mãos trespassaram entre seu cabelo, segurando a ponta do capuz que fazia sombra em seu rosto.
— Vejo que me reconheceu, criança — revelou seu rosto jovem e sádico, com um sorriso tão grande que poderia dar a volta em sua própria cabeça.
— Mais ou menos, foi em você que dei uma surra alguns anos atrás? — brinquei, lembrando perfeitamente do nosso embate.
— Na minha visão foi bem diferente — riu junto a mim.
— O que você tá fazendo aqui?
— Não é óbvio? Vim finalizar o meu trabalho.
“Tá falando sério? Agora?” enquanto mantinha uma expressão relaxada e confiante, eu lembrava, em desespero, o cansaço que meu corpo estava após passar o dia inteiro sobrevivendo, ou melhor, caçando, na floresta.
— Cê perdeu uma ótima chance. Se tivesse vindo há alguns meses, talvez tivesse uma chance.
— É mesmo? — seus lábios se curvaram para cima, com uma expressão perversa e ansiosa em seu rosto — Então talvez essa seja a chance perfeita!
Vasculhando ao meu redor, encontrei uma pequena presa próxima a mim e me agachei para alcançá-la enquanto a túnica negra ainda falava.
— Me chamo Oropazzo, lembro que me disse seu nome da última que nos encontramos.
— Minha memória é meio ruim, então não fique chateado caso eu não me lembre disso… não que eu esteja planejando outro encontro…
— Saki… — suas unhas afiadas cresceram lentamente abaixo de seu manto — acredito que seja a única capaz de me dar o que eu desejo…
Sutilmente, imbuí a presa com minha mana, jogando-a como um sinalizador para cima.
— Você é louco? — me concentrando totalmente em suas garras.
— Só um admirador! — rapidamente, avançou em minha direção.
Suas unhas, grandes e afiadas como garras, cortaram o ar entre nós de cima para baixo. Ele tentava rasgar meu corpo ao meio com uma expressão insana e doentia, enquanto eu me esquivava agilmente, por pouco, de seus golpes usando movimentos curtos e sutis para poupar energia.
A área paralisada a nossa volta começou a se tornar um incômodo, a partir do momento em que, o que deveria ser pequenas e leves folhas, se transformaram em pedras, ou até mesmo pilares fixados no ar.
Minhas costas colidiram com as folhas presas na atmosfera, quebrando minha concentração e me dando apenas a oportunidade de usar meu ombro como escudo para os golpes cortantes do Túnica Negra.
Segurando o corte, felizmente, raso em meu braço, respirei fundo e reuni uma boa quantidade de mana ao meu redor.
— Esquerda ou direita? — perguntei, firmando minha base.
— De que merda você tá falando? — virou-se para mim furioso — SÓ ATACA!
— Então tá, vai apanhar com as duas! — ergui ambas as mãos entrelaçadas para cima.
Ventos fortes correram entre mim e Oropazzo, levando minha concentração para dentro da densa floresta. Mais duas túnicas emergiram agressivamente de dentro da sombra, uma com longos cabelos loiros e outra enorme e misteriosa.
Não para a minha surpresa, imediatamente após sua aparição, Akira e Noelle se juntaram a nós, com raios e labaredas de fogo rondando seus corpos prontos para a batalha.
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