Capítulo 7 - Monólogo
No interior da floresta de árvores colossais não havia mais vegetações ou rochas; tudo o que era pequeno foi sufocado por raízes tão grossas quanto canos de esgoto, e mais espessas que manguezais. Até mesmo o solo não podia mais ser visto, pois havia 5 metros de espessura de raízes separando Kenji Hayashi e Sally Dakis do solo.
Kenji cambaleou atordoado diante da grandeza das árvores, sentindo e vendo os troncos grossos como prédios ameaçando esmagá-lo. Seus olhos âmbar fitavam em direção às copas dessas árvores que impediam o sol iluminar com clareza a floresta.
As raízes se moveram abruptamente como serpentes. O som de madeira sendo lascada e raspando umas com as outras tomou toda a audição de Kenji, que se desequilibrou! Na tentativa subconsciente de procurar por um apoio, suas mãos tentaram agarrar as costas de Sally, mas tudo o que seguraram, foi o diáfano véu da neblina que havia tomado sua forma, cor e presença.
Ele caiu, sua testa se chocou contra uma raiz e sua cabeça ricocheteou com o impacto.
Ergueu-se apavorado e rastejou como um lagarto com as pernas traseiras quebradas. Ele não sabia para onde estava indo, não sabia como se perdeu de Sally. Pois eles haviam acabado de entrar na floresta, então o fato de se perderem assim que a neblina submergiu da vastidão de raízes era loucura! Por ter a absoluta certeza de que não havia tirado os olhos dela nem por uma fração de segundos, sua mente confusa girava as engrenagens para entender o que estava acontecendo.
Mas de repente, sua mente ficou em branco, um alívio percorreu sua espinha quando avistou uma caverna estreita formada por duas árvores colossais entrelaçadas, quase fundidas. Poderia ser um ótimo esconderijo!
Esgueirou-se apressadamente como se não houvesse amanhã e jogou seu corpo na caverna estreita. Agora envolvido por pequenas raízes, notou que mal poderia se esconder, pois o espaço era minúsculo. Mas a entrada era gigantesca! O cheiro terroso e úmido inundou seu olfato, mas foi interrompido por uma forte ardência causando uma dor insuportável no meio de sua testa, e atenuando o restante de seus sentidos.
Depois que passou a mão sobre a testa e a levou para seu campo de visão, pôde ver o sangue manchando toda sua palma. O mesmo continuou a escorrer até serem divididos pelo nariz, obrigando o canto de seus lábios a provarem gosto de ferrugem.
De repente, uma raiz enrolou seu tornozelo e o puxou para fora da minúscula caverna.
— Sai!! Sai!! Me largue!!! — Debateu-se desesperadamente.
Uma sombra sentou sobre seu estômago e segurou seus pulsos, soltando murmúrios indecifráveis. No entanto, depois de um grito repentino vindo dela, os olhos de Kenji arregalaram e suas pupilas se dilataram, tudo ficou mais claro!
— Acorde! Seu imbecil, acorde! — Sally exclamou.
O peito de Kenji arfando se acalmou à medida que a realidade era devolvida à sua mente.
— O que está acontecendo? E sai de cima de mim!
Sally soltou seus pulsos e se levantou enquanto recuava alguns passos.
— Elfos Pálidos. Eles estão nos observando.
— Elfos Pálidos…?
— Uma das várias criaturas míticas que não estão sob o controle da Fundação. Não são como elfos convencionais — explicou sem rodeios, com um pingo de aborrecimento. — E trate de limpar seu rosto.
Kenji pareceu estar desinteressado com a informação. Ele fez cara feia e pegou a borda da camisa enquanto se inclinava para limpar o sangue que escorreu da testa até o seu queixo.
Ainda com a camisa branca tingida de vermelho, pressionou o hematoma, soltando um grunhido ligeiro.
— Que dor…
— Dessa vez trate de me seguir, se não quiser morrer.
A carranca de Kenji se intensificou com as palavras de Sally. E ela o fitou por um segundo, depois voltou a caminhar para o fundo da floresta.
— Morrer? Eu poderia atravessar essa floresta sozinho. Sou um cara bem forte, e tenho promessas a cumprir — ele disse, acompanhando os passos dela.
— Para sua irmã? Não acho que seja um bom motivo para se arriscar tanto.
— É claro que é um bom motivo!
— Um bom motivo para desperdiçar sua vida. Depois de chegarmos à Central do Pilar do Leste, peça a Senhora Blanc para voltar ao Japão.
Kenji cessou seus passos. Seus punhos cerraram e ele a lançou um olhar carregado de raiva e indignação.
— Não! Você não entende! Eu preciso provar!
— Provar? — Ela também cessou os passos, e deu meia volta para encará-lo. — Ridículo! Provar o quê? Não me faça perder meu tempo conversando bobagens! E você não sabe nada sobre mim! Então ouça o que eu digo. Desista. Arrume um emprego normal!
— Como se eu não tivesse tentado! Como se eu não tivesse tentado, garota arrogante!
Sally entortou seus lábios, como se estivesse preste a retrucar o que Kenji disse, mas ele foi mais rápido e, soltando tudo o que estava em seu coração, desabafou, enquanto memórias cruzavam sua mente: — Talvez você não saiba como é ter uma mãe alcoólatra que nunca viu valor em seu próprio filho! Uma louca que eu amo tanto! Que me tirou da escola aos meus 11 anos para que eu pudesse trabalhar como um cão apenas para comprar mais cigarros e álcool! Todos os dias! Durante oito anos tive que sustentar a droga do vício dela! Ser maltratado quando o dinheiro não era o suficiente!
A feição de Sally suavizou moderadamente. Seu corpo pareceu ficar mais leve, mas ela não disse nada, como se de certa forma o entendesse. E Kenji continuou dizendo: — Quando vi uma carta estranha no meu correio, dizendo coisas absurdas sobre matar algumas feras, é claro que acreditei! Afinal, eu já havia descoberto que tinha um poder! Eu… — Kenji engasgou de repente.
Enquanto tossia, imagens contendo rostos borrados de sua mãe, Yoki e Ryo inundavam sua mente, como se alguém estivesse lhe compelindo memórias.
“Droga… Parece que eu exagerei.”
Algo estranho aconteceu. Num piscar de olhos, ele estava… na rua pacata de sua antiga casa, onde morava com sua mãe.
“Estou vendo coisas de novo…?”
Ao olhar para a direita, viu a sua mãe voltando para casa, vestindo roupas brancas e largas. Ela carregava um jornal e, entre seus dedos, um cigarro aceso.
— Mãe?
Como um fantasma, ela passou através de seu corpo. Neste momento, Kenji soube que estava em uma espécie de sonho. Quando seus olhos seguiram a sua mãe, ele avistou um caminhão repleto de mercadorias no outro lado da rua.
“É… idêntico ao caminhão de arroz que eu esvaziava para o supermercado. O meu chefe dizia que eu era muito lento, então não me pagava a metade do que prometia.”
“Daria um soco nele se o visse novamente…”
“Droga… eu estou confuso.
Minha mão está gelada, parece que ainda dói devido a todas as vezes que limpei aquele restaurante com uma bucha velha nas madrugadas. Quando eu ia cobrar meus ienes pela manhã, as pessoas olhavam torto para mim, como se eu fosse um vira-lata doente.
E novamente, não me pagavam o prometido, dizendo que eu não havia limpado direito. Mas, realmente, ainda havia sujeira em muitos cantos.
Nunca fiz nada que agradasse totalmente às pessoas, mesmo dando o meu melhor. Elas sempre estavam insatisfeitas… Isso doía… Dói.
Eu queria que olhassem para mim e dissessem ‘Bom trabalho’. Por isso, quando li aquela carta da Fundação, tive um pingo de esperança. Um poder que não servia para o dia a dia, mas sim, para enfrentar essas bestas-feras vestindo pele humana.
O recrutado nunca poderia agir fora de sua cidade, com algumas exceções é claro. Então eu sempre… Sempre podia ver aqueles que amo no dia seguinte.
Em pouco tempo, consegui juntar dinheiro para pagar o primeiro ano da faculdade de Yoki. Eu fiz os sonhos dela os meus. Acho que foi isso que me fez esquecer de algo.
Provar a todos que sou bom em alguma coisa.
Eu quero que todos vejam o meu nome escrito nas estrelas… Quero que se lembrem de mim como alguém forte, alguém que eles pudessem contar para qualquer coisa!”
O devaneio foi quebrado! Kenji levou um tapa em seu rosto seguido por balanços fortes.
— Não deixe que esses elfos mexam com sua cabeça! Acorde, idiota! — Sally exclamou, segurando os ombros dele e o balançando constantemente.
Com uma ação brusca, Kenji também agarrou os ombros dela, o que a assustou por um instante.
— É isso! Eu sei o que realmente quero! Eu sei! — gritou com entusiasmo. — Vamos, Sally! Precisamos chegar à Central do Pilar do Leste! Irei me tornar tão grande quanto qualquer vontade! Porque eu sou Kenji Hayashi! Entendeu?!
Sally piscou os olhos algumas vezes em confusão, mas rapidamente recompôs sua carranca.
— Tanto faz, seu esquisito. Mas saiba que o desejo de provar algo a alguém é perda de tempo. — Soltou os ombros dele com um empurrão.
Enquanto avançavam em direção às profundezas da floresta, a atmosfera pareceu menos densa. A neblina havia se dissipado, e alguns raios de sol passaram a alcançar as raízes que encobriam o solo.
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