As gavetas foram abertas com esforço, todas as notas caras haviam desaparecido, além de uma grande garrafa de whisky. 

    Bethany fedia a vinho e suor, seu cabelo estava desgrenhado e um pouco ressecado, e um lençol que ela havia pegado às pressas, cobria todo o tronco até acima dos joelhos. Ela usou o seu braço trêmulo, marcado por hematomas, para se apoiar no balcão e caminhou até a última gaveta. Seu rosto abatido e desamparado encarou as poucas moedas dispersas no fundo da mesma.

    — Por quê…? Seu desgraçado.

    Jax Bennett já se encontrava longe do pub, caminhando tranquilamente com os bolsos cheios de dinheiro, e segurando uma garrafa de whisky bebida pela metade.

    Assim como Londres antiga, o clima era cinzento e cabisbaixo, e as casas adjacentes com três ou mais andares, feitas de tijolos queimados, cercavam como uma muralha as ruas feitas de pedras pavimentadas. Algumas ruas eram largas, outras estreitas, mas por toda rua que Jax percorreu, as mulheres bem-vestidas, vestindo saias crinolinas, lançaram mal-olhares, murmurando entre si coisas como: “Ele fede”, “De onde ele veio? Parece um vagabundo”, “Veja como é um bêbado sem rumo”, “Casou com o álcool… Que deplorável”.

    Entretanto, a maioria dos civis, os trabalhadores, estavam com a mente ocupada demais para se importarem com Jax. Eles caminhavam em direção às fábricas, cortando com seus corpos a neblina fina como um véu, encobrindo delicadamente toda a cidade. Os trabalhadores estavam moderadamente contentes com os seus salários, e com o tempo que sacrificavam no trabalho. Ansiosos para reencontrarem mais uma vez os seus colegas, olhavam para trás apenas para cumprimentar os rostos conhecidos e nada mais.

    Jax carregava uma face emburrada, impaciente, entediado da cabeça aos pés. Ele, sem pensar duas vezes, cessou seus passos, se recostou em um poste, e virou a garrafa de whisky na boca, tomando todo o álcool que restava como se estivesse bebendo água. As pessoas que passaram por ele, cravaram seus olhares à medida que seguiam seus cursos, pasmos com a naturalidade com que ele virava a garrafa na boca. Alguns sussurram entre si, outros balançaram as cabeças em desaprovação.

    Após, afastou repulsivamente a garrafa dos lábios, rosnando.

    — Essa coisa é realmente whisky puro?! — Inclinou o pescoço em direção à embalagem, analisando atentamente com os olhos semicerrados o que estava escrito.

    — Tanto faz. — Endireitou a postura e deixou a garrafa cair próximo ao poste.

    Logo depois, colocou as mãos nos bolsos e seguiu adiante. E, propositalmente, esbarrou nas pessoas por quem passou, na esperança de provocar uma briga, mas tudo o que ele recebeu foram xingamentos leves, mais balanços de cabeças em desaprovação e, é claro: — Veja por onde anda!

    Com o passar dos minutos que pareciam mais longas horas de completo tédio, a sua frustração se intensificou, ao ponto dele se aborrecer consigo mesmo. Cessou seus passos novamente, pôs a mão sobre o seu gorro, e olhou em volta.

    Ele avistou carruagens sendo puxadas por cavalos, e uma quantidade considerável de civis felizes e carros a vapor passeando lentamente sem provocar qualquer incômodo. Entretanto, apenas uma coisa chamou a atenção de seus olhos castanhos. 

    “Isso… ainda está de pé? Que interessante…”

    E caminhou para outro lado da rua com passos quase impacientes, desviando dos carros e pessoas. Parou em frente à porta de um estabelecimento esverdeado entre duas casas de três andares, abriu a maçaneta de aço com um aperto firme — o que a deixou amassada — e passou pelo batente.

    Agora, com os pés sobre um ambiente sereno e velho, respirou fundo, inalando o ar leve e meio empoeirado, mas contendo um discreto aroma de tecido e algodão. O canto de seus lábios se curvou em um sorriso ao fechar a porta, e contagiou, de certa forma, um senhor de meia-idade que segurava uma fita métrica, agachado ao lado de um sujeito excessivamente barbudo. 

    Os olhos de Jax deslizaram lentamente para direita; avistou um cabide guardando um casaco e um terno, e uma mesa logo à frente, contendo vários tecidos posicionados de forma organizada, além de uma grande tesoura no centro. Depois, olhou para a esquerda; viu uma porta aberta, de onde passos delicados ecoavam pela tábua polida, e que logo se revelou ser uma bela moça de cabelos loiros e encaracolados, partidos ao meio e amarrados em um coque atrás da cabeça. Ela carregava uma garrafa de vinho sobre uma bandeja.

    O sujeito que segurava uma fita métrica se colocou de pé, ainda em silêncio, mas contente pela presença de mais um cliente. A moça piscou os olhos duas vezes, se perguntando sobre quem era aquele rapaz vestindo roupas tão largas. 

    O homem excessivamente barbudo ajeitou o seu monóculo com a ponta dos dedos, lançando julgamentos desdenhosos às vestes de Jax.

    E Jax, indiferente, analisou as paredes repletas de quadros dispersos, exaltando uma cruz vazia no centro da parede. Ele ignorou as horas do relógio abaixo dela, marcando 9h56. 

    Jax, com indiferença, percorreu o olhar pelas paredes cobertas de quadros dispostos irregularmente para exaltar uma cruz vazia no centro. O relógio logo abaixo, marcava 9h56.

    Ele avançou um passo, e zombou: — Como vai, Xa-xa? 

    O homem de meia-idade, chamado Charles, que segurava uma fita métrica, arregalou os olhos e deixou cair a mesma. Pelas suas íris, passou centenas de imagens do que pareciam ser memórias. Ele ficou pálido de descrença.

    — Henry?…

    — Eu já te disse que esses quadros são uma porcaria?

    Charles foi atingido pela provocação de Jax. Ele cerrou os punhos, mas não se deixou intimidar. 

    — Depois de tantos anos, ainda insiste nessa brincadeira infantil? Não vou repetir mais; é Charles. — Cada palavra saiu em um tom de rancor profundo.

    Jax riu, riu por alguns segundos, caminhando até a mesa. Soltou um suspiro, pegou a tesoura, e se virou para encarar a moça, Charles e o sujeito barbudo.

    — Pra fora — ordenou severamente ao homem barbudo.

    — Como? — ele questionou indignado. 

    De repente, todos ouviram o som de algodão, linho e tijolo sendo perfurados simultaneamente. O sujeito piscou os olhos em confusão, e apenas foi perceber que a corrente de seu monóculo foi cortada, quando o mesmo quicou na tábua, girando e girando até ficar imóvel. Contudo, somente quando sentiu a leve ardência de um arranhão na quina da mandíbula, olhou para trás, ao mesmo instante em que Charles e a moça. Eles avistaram a tesoura cravada em um quadro, e na própria parede.

    Sem hesitar, disparou em direção à porta, abandonando o próprio terno no cabide. Agora, tudo o que sobrou naquela alfaiataria, foi o silêncio, duas faces tensas e uma tomada por desdém.

    — Vá embora — ordenou Charles. — Suma como da última vez!

    — Eu vou. Mas não agora.

    Charles agarrou o vinho da bandeja, e sinalizou com a cabeça para a moça se retirar. 

    Ela correu em silêncio com a ponta dos pés à medida que Charles voltava sua atenção para Jax.

    — Não vou repetir, Henry!

    — Contou a ela o porquê te chamavam de Xa-xa? — Mesmo não deixando transparecer, ele estava incomodado por Charles ter o chamado de Henry pela segunda vez.

    — É óbvio que não! Ninguém liga mais para isso. É tão banal que apenas você, depois de tantos anos, continua com esse apelido infantil.

    Jax cuspiu ar por entre os dentes, balançando levemente a cabeça em desaprovação, mas ainda mantendo um sorriso cínico. 

    — Sabe, eu não queria vir aqui. Eu realmente não queria, mas eu precisava. E aqui estou, não?

    Lentamente, ele juntou as palmas e cruzou os dedos, os estalando com um único movimento. 

    — Não me leve a mal, Charles. Mas eu sempre quis fazer isso com você. 

    No instante em que Charles ergueu a garrafa de vinho na intenção de arremessá-la, Jax pressionou o pé direito contra o piso, provocando uma pequena descarga elétrica por todo o soalho.

    A garrafa de vinho se espatifou no chão, e dezenas de cacos se espalharam por toda alfaiataria, depois, houve um baque surdo do corpo de Charles ao se chocar contra a poça rasa de vinho.

    — Se eu te odiasse um pouco mais, você já estaria morto.

    Cada gesto, cada movimento, e até sua postura, exalava desrespeito, desdém e rancor. Jax enfiou as mãos nos bolsos e inclinou levemente o torso para cuspir na nuca de Charles. Depois, seguiu em direção à saída com uma leve carranca.

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