Capítulo 118 — Jeanne Mospeliart (2)
Os dias no território de Nethuns, não importa em qual mundo, são mais perigosos que a noite, afinal, a floresta das ninfas ultrapassa as duas dimensões. A maior dificuldade para os soldados, após saírem do campo de guerra, é passar pelas trilhas da floresta sem se encontrar com seus habitantes; criaturas de pura mana, onde toda sua anatomia é formada unicamente por pura energia, são o maior terror da humanidade.
Com os séculos que passaram, ainda em Alvheim, os humanos foram capazes de neutralizar adequadamente a presença desses monstros, criando assim as três fases: zona habitável, zona morta e o coração da floresta. Contudo, essa realidade não se aplica no domínio.
Infelizmente, conforme Nihaya explicou a Theo enquanto desciam a montanha, a floresta das ninfas aumentou seu território naquela dimensão. Agora, os humanos são donos de menos da metade do território continental.
Por teimosia, eles ainda vagam pela floresta e travam suas guerras no local, visando, além do conflito armado, travar uma briga pelo território da floresta. Existem alguns, como o de Kiescrone, cujos agentes queriam chegar.
Embora estivessem caminhando até o forte seguindo as trilhas do exército de Jeanne, Theo estava bastante desconfortável com a presença de alguns soldados nativos da floresta.
Não só o jovem, mas Selina, Aidna e Kris também: os soldados eram similares ao guardião Tevariel. Entretanto, eles eram amigáveis com o grupo, tinha uma espécie de parceria com Jeanne e a presença de Nihaya — para eles, General Nietsz — evitou um conflito direto.
Theo sentiu-se intimidado momentaneamente, pois, diferente de Tevariel, aqueles soldados possuíam uma espécie de arma de fogo semelhante a espingardas, porém, feitas do próprio elemento natural.
Ele pressentia o lado ruim, mas, nada aconteceu de fato. Os soldados da floresta apenas saudaram Nihaya e o deixaram ir.
Na frente do grupo, caminhando em direção a eles, outro homem se apresentou. Notoriamente, era um adulto, tendo acima dos 25 anos. Todavia, sua altura condizia com a de um adolescente, sendo menor do que Theo e mais alto que Sara.
Sua aparência, no entanto, não era de um homem maduro, mas sim de um moleque brincalhão. Suas vestes se resumiam a um sobretudo verde cobrindo um terno escuro, acompanhado por uma calça de mesma cor e uma bota metálica que se estendia até o joelho.
— Sir Nietsz, bem-vindo. A senhorita Mospeliart estava preocupada com o teu sumiço — saudou Carl, pondo a mão no peito e inclinando levemente suas costas.
— Tenente Carl — cumprimentou Nihaya, no entanto, sem se curvar. O djinn continuou seguindo em direção a trilha.
Carl se virou e acompanhou Nihaya, se pondo à frente do grupo de agentes.
— Estes são os convidados do rei?
— Sim.
— Sei não… — murmurou Carl, olhando de lado. — Eles parecem um bando de crianças.
— Você também é.
— Silêncio…
Caminhando mais alguns minutos, finalmente alcançaram o local onde os soldados arrumavam as carruagens. Alguns estranharam a presença dos agentes, porém, relevaram ao entender que estavam acompanhados pelo general e tenente.
A fumaça na atmosfera ficou impregnado no nariz de Theo assim que se aproximou do muro. Embora vivesse em regiões urbanas bem agitadas e industrialmente avançadas, Theo jamais se acostumará com a poluição, seja em larga escala ou em pequena escala — como no local, onde as fogueiras e fornos a lenha estavam transformando, o que deveria ser um local vivo, em uma paisagem cinza.
Nihaya olhou os arredores por alguns instantes, averiguando todas as autoridades presentes no local e, posteriormente, revirando-se para o grupo.
— Theo, você fica perto de mim. Aos demais, vão para a igreja. Os nossos curadores e médicos estão concentrados lá dentro, vocês poderão descansar adequadamente — disse Nihaya.
— Eu os levo até lá — sugeriu Carl.
Nihaya assentiu positivamente.
— Theo, quer que eu leve a mochila? — perguntou Selina, antes de seguir Bastien até a pequena igreja.
— Não. Pode ir, descanse bem — retrucou Theo.
— Uhum.
Selina estava quase despencando de cansaço. O descanso que tiveram há algumas horas não foi o suficiente e esse fato estava preocupando Theo.
— Quero caçar — disse Theo, quando todos estavam longe e restava apenas Nihaya.
— Entendo, para eles recuperarem energia, né? Antes disso, quero que conheça a Jeanne.
— E onde essa pequena deusa está?
Nihaya virou de lado e buscou por um homem sentado num grupo ao redor de uma fogueira, que agora encontrava-se acessa.
— Malcolm, onde está a princesa? — exclamou Nihaya.
O homem convocado, Malcolm Lilzing, se virou de lado para o general Nietsz.
Malcolm tinha cabelos pretos longos e ressecados, bagunçados e cobrindo seu rosto, porém, libertando sua testa que mostrava uma cicatriz diagonal. Seus olhos, pequenos e entreabertos de tonalidade vermelha e possuindo algumas circunferências pretas, encararam Nihaya com desdém até perceber que era seu superior.
— E aí, Nietsz! Como vai? A princesa? Eu a vi andando por aí hoje mais cedo.
— Eu a vi na igreja pela última vez, mas estava saindo.
— O Art me disse que ela saiu da igreja há pouco tempo!
— Faz mais de meia hora…
— Faz alguns minutinhos!
Art, ou Artur Cairú, é o assistente pessoal de Malcolm. Um adolescente, com a mesma idade de Theo (15 anos) porém, um tanto quanto rebelde. Sua pele era de tom bronzeado, não chegando a ser totalmente moreno. Os olhos claros serviam de contraste com o cabelo; praticamente raspado, tendo ainda uma pequena camada pintada de verde lodo.
Brincos estavam por toda sua orelha e tatuagens se exibiam descendo do pescoço e por todo o tronco, se revelando graças a camisa regata.
Uma veia de raiva saltou da testa, refletindo sua reação pelo comportamento do superior Malcolm.
Levantando-se, Artur olhou para Nihaya e apontou a igreja, em seguida, simbolizou algo dissipando pelo ar e empurrando o vento. O djinn, ou general Nietsz, interpretou como: “Eu a vi na igreja, mas saiu há bastante tempo.”
Nihaya agradeceu através de gestos e caminhou na direção da fortaleza, chamando Theo consequentemente.
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Nora esquivou-se atenciosamente de uma enorme centopeia onde, inevitavelmente após saltar ao céu, despencou sobre a criatura e a esmagou com a pressão de seu soco.
Materializando uma pata de panda com uma energia roxa, ela pressionou outra criatura semelhante à anterior no chão, esmagando-a por completo em segundos.
Jeanne estava um pouco longe, sentada num pequeno morro enquanto assistia a sua general treinar com as criaturas de mana.
— Mas, é sério que eles estão se divorciando? — indagou a general, atentando-se às palavras de sua princesa.
— Aparentemente, é. Vai abrir algumas brechas pra traições dentro do reino, disso eu tenho certeza…
— E ainda quer ir para lá? Podemos muito bem ordenar que algum soldado envie a mensagem de que estamos indo para a capital, assim irá evitar que entremos numa guerra alheia.
— É… Ordenar que nosso exército se retire e retorne para a capital é uma boa, mas não acha que isso criará uma intriga maior? Tipo, é literalmente a mensagem: “Estamos virando as costas depois de tudo o que fizeste para nós, agora, se vire”.
— Bom… Isso é problema dela agora. Ninguém mandou ela se casar com alguém que não teria poder para controlar.
— De fato… Mas, ei. Eu tô pensando em padronizar um uniforme para as nossas Legiões, o que acha?
— Sério?! Que cor?
Nora ficou animada, porém, antes que pudesse obter uma resposta de sua princesa, outra criatura decidiu atacá-la.
Uma espécie de lagarto humanoide, com brechas vermelhas em seu corpo marrom carente de olhos, porém, possuindo dois chifres que rotacionam rumo a sua mandíbula.
Fechando os punhos e correndo em direção a general, a criatura logo saltou ao ar e jogou seu rabo como um martelo que, ao se encontrar com o chão, criou uma pequena fenda.
Nora desviou dando um simples passo para a esquerda. Desequilibrando-se repentinamente graças a ruptura no chão, ela recompôs a postura e avançou contra o lagarto, buscando diminuir a distância.
Pulando para o lado direito, Nora girou em torno do próprio tronco e caiu com o calcanhar nas costas da besta. Todavia, o lacertna revidou, segurando a canela da general e a jogando de cara no chão.
Mas, antes que fosse arremessada, Nora usou sua perna livre para manter-se de pé e utilizou sua perna agarrada, aplicando força, para puxar-se até a criatura.
Repousando a palma aberta no chifre do lacertna, onde outra pata de panda se materializou e aplicou pressão novamente contra a besta. Com o breve contato, o lacertna teve sua cabeça esmagada pela pressão.
Podendo se livrar da criatura, Nora brincou:
— Ótimo, já temos a janta.
Jeanne resmungou com nojo.
— O quê? Os lacertnas possuem bastante energia e proteína, é uma boa alimentação…
Ela foi interrompida por outra criatura, de uma raça subterrânea. Aquela região era uma das piores da floresta das ninfas justamente por sua variedade de criaturas, porém, nenhuma delas estava ao nível dos vermes que se esgueiram abaixo do solo. Pelo menos não as bestas inconscientes.
A primeira fase da árvore genealógica evolutiva, warm’st — um verme gigante e branco, com algumas manchas semelhantes a raios negros por todo o corpo e dentes tão afiadas quanto lanças.
O warm’st surgiu atrás de Nora, aproveitando as fendas criadas pelo lacertna anteriormente.
Causando um breve susto na general que ficou paralisada e sem reação, por outro lado, serviu de experimento para Jeanne que apenas observou a besta atacar sua general.
Num único segundo, uma distorção no vento rasgou a atmosfera rumo ao warm’st e o atingiu como uma flecha de vento. Não à toa, realmente era.
— Ártemis: Sagitta Lunae divinae Cervi — conjurou Theo, no ponto mais alto do morro que Jeanne descansava.
O feitiço do jovem se encontrou com o warm’st e o perfurou seriamente na região da cabeça, causando uma explosão de vento pressurizado que deixou a criatura preparada para a morte. O corpo colossal da besta caiu no chão, causando um leve tremor.
Um ar refrescante escapou da boca de Theo.
Jeanne olhou para cima, encarando profundamente a postura e expressão cansada do rapaz.
Seu manto voou pelo ar, buscando acompanhar seu disparo de energia. Aquele manto, inclusive, despertou a curiosidade da jovem moça.
Os cabelos loiros de Theo seguiam o mesmo rumo do manto, cobrindo o rosto do rapaz eventualmente enquanto encarava o cadáver do warm’st morto no chão.
Notando que a “pequena deusa” estava o encarando, Theo revidou o olhar e esboçou um falso sorriso; notoriamente estava irritado e cansado, porém, tentou passar uma boa primeira impressão para Jeanne.
Segundos após, eles puderam se apresentar adequadamente. Nora se juntou a sua protegida, enquanto Nihaya acompanhou Theo até sua filha — que não sabia da presença do próprio pai diante de seus olhos.
— Eu sou a general e braço direito da princesa Jeanne, Nora de Alsu — apresentou-se a Theo. — Se está ao lado do general Nietsz, então, é de confiança.
Theo assentiu.
— Me chamo Theo Augustus De Lawrence.
Ambas espantaram-se por um instante, deveria ser impossível existir um Lawrence naquela época. Porém, Nihaya assumiu a resposta.
— Ele é um dos rivais de Bvoyna, sobreviveu ao combate contra Zethíer e seus guardiões — disse Nihaya.
Aquelas palavras significavam que Theo veio de outro mundo. Primordialmente, deveria ser o motivo de felicidade, já que eles almejam por esses “herois”.
Entretanto, não era o caso. Muitas incursões de rivais já haviam sido feitas, e nenhuma delas foi realmente capaz de derrotar Bvoyna.
— Essa é a pequena deusa? — perguntou Theo, olhando atenciosamente para Jeanne. A moça, então, revidou com um olhar confiante e de pura personalidade.
— Sim. Me chamam de Jeanne, no entanto, o nome a mim concebido é Jane, a deusa da graciosidade. Admirei-me com teu poder.
“Graciosidade? Então foi isso. Ela me sentiu e agraciou a minha flecha de Artemis, por isso aquela distorção na atmosfera…” ponderou Theo.
— Obrigado, senhorita Jane.
— Jane — reforçou, especificando que odiava o termo Senhorita.
— E o senhor, Theo? Qual sua função como rival?
Os olhos de Theo caíram em tensão. Tua inquietude retornou através das pupilas brilhantes como o ouro; após analisar, a expressão dele mudou repentinamente para olhos caídos e sérios.
— A função de matar Bvoyna.
— E como pretende matá-lo? — perguntou Nora, curiosa. Afinal, ninguém conseguiu vislumbrar diretamente a Bvoyna.
— Da forma que for necessário, sacrificando o que tiver de ser sacrificado; destruindo a criação que tenha de ser destruída. Obliterado o que tiver de ser obliterado e… Contrariando o destino se necessário — afirmou, de tom sério e confiante, carregando responsabilidade e personalidade consigo.
A confiança de Jeanne cresceu exponencialmente.
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