Capítulo 79: Emoções humanas.
Após o acontecimento recente, todos continuaram sua viagem para a cidade de Cristenold. Mas por causa das balas perdidas causadas pela batalha de dois magos de alta classe, uma única carruagem havia sobrado e nem todos poderiam andar nela.
A carruagem carregava suas mercadorias e mais quatro pessoas, e nestes estavam a mulher e a filha do cocheiro da primeira carruagem, Mina que teve a perna quebrada após ter sido salva pelo Ken, e Erik, o comerciante, que conduzia.
Como foram os braços de Richard e não suas pernas que haviam quebrado, ele andava junto com seus companheiros perto da traseira da carruagem, com Liv e Einard.
Com magia de cura de nível básico, Liv conseguiu de algum modo restaurar os braços quebrados de Richard, e os enrolou com esparadrapos, embora como consequência não poderia mais manejar sua espada como antes.
Era uma realidade que infelizmente ele teria que conviver pelo resto de sua vida. O arrependimento era palpável em seu rosto, sem conseguir erguê-lo, olhando apenas para o chão com restos de neve.
Ken andava perto da boleia com Joseph ao seu lado que não parava de olhá-lo com admiração, era como um jovem admirando seu ídolo.
“Sr, Erinard?”
“Hm?”
Liv se aproximou de Einard e o chamou.
“O que foi?”
Perguntou ele.
“Até agora eu não consigo entender, como foi que ele soube do ataque mágico?”
“…”
Einard podia saber de onde vinha a dúvida de Liv, ela continuou.
“E não foi qualquer magia, foi logo uma magia de raio, considerado um elemento de magia impossível de esquivar.”
“…Impossível?”
Mina esgueirou-se da carruagem para mais perto e perguntou, curiosa.
“Foi algo que eu aprendi na escola de magia. Entre todos os elementos da natureza, o raio é o segundo mais rápido, perdendo apenas para a luz. Mas em confrontos mágicos, a luz torna-se completamente inútil por não possuir massa, então o raio é mais aconselhável.”
(Autor: Não possuindo massa, significa que não pode causar dano.)
“Esquivar-se de uma magia de raio é o mesmo que cometer suicidio, então em um combate frente a frente, o aconselhável é utilizar algo para se defender, como um escudo ou ativar uma magia de barreira, sem contar que magos especializados em magias de raios são bastante raros. Além do mais, é necessário ser um mago para poder sentir o fluxo de ativação de uma magia.”
Liv então olhou para Ken ao longe com brilho nos olhos e continuou a falar.
“Mas ele não parece ser um mago, mas mesmo assim acordou repentinamente de seu sono e pulou para frente em uma velocidade tremenda, salvando a todos antes que os raios caíssem.”
Ela então voltou sua atenção para Einard.
“Diz-me, como isso é possível? Como ele pode ser tão rápido quanto um raio?”
Mina e até mesmo Richard olhavam para Einard com curiosidade, afinal, ele era o mais experiente entre os três e poderia ter uma resposta palpável. Ele ficou em silêncio por um tempo pensando em uma resposta, até responder.
“Vocês já ouviram falar do Deus do trovão e o destruidor de mil raios?”
“!”
“!”
Foi como se o ar tivesse ficado pesado após Einar pronunciar esses apelidos. Não havia como eles, ou qualquer um em Vinland ou em todo continente não os conhecerem.
Deus do trovão e destruidor de mil raios são os governantes supremos de Vinland. Deus do trovão é o rei do reino e governante do norte, enquanto o destruidor de mil raios, é o grão-duque, governador do sul.
Ambos são uma das entidades mais poderosas do continente, então eles eram mundialmente conhecidos. Existe até uma lei por escrito em Vinland que quem pronunciasse seus nomes em vão, sua pena seria a morte.
“Estas entidades são a prova de que a humanidade pode alcançar níveis inimagináveis.”
“Você está dizendo que ele está no mesmo nível que os governadores supremos?”
Perguntou Liv com ansiedade, o nervosismo presente em sua voz. Afinal, só de pronunciar seus apelidos era motivo de medo.
Einard olhou para Ken, então respondeu.
“Aquela criança ainda nem está perto de chegar aos trinta.”
“O quê?”
“Ele ainda é jovem?”
Eles ficaram surpresos pela revelação. Por causa da altura de Ken e de sua aparência selvagem, eles achavam que devia estar perto dos trinta. Mas Einard os ignorou e continuou.
“Ele pode não ser um mago, mas seus instintos conseguiram detectar o perigo mesmo estando a quilômetros de distância, e sua velocidade conseguiu se comparar com a de um raio. São pessoas como ele que sem dúvidas alguma alcançarão o mesmo nível dos governantes supremos algum dia. Sinceramente, se não fosse por ele, nós nem teríamos percebido que teríamos morrido.”
Ele expressou sua
Suas palavras fizeram a espinha de todos arrepiar. Os fazendo agora ver Ken com uma
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“Olha! Lá está a cidade.”
Gritou Joseph animadamente apontando para longe.
A cerca de alguns quilômetros, as enormes muralhas da cidade de Cristenold finalmente apareceram na visão de todos. Era como uma obrigação as cidades possuírem muralhas por causa da invasão de monstros.
Depois de andarem durante vários minutos, eles finalmente haviam chegado até o portão, que era protegido por dois guardas. Eles eram grandes e um deles até usava um machado.
“Esperem.”
Assim que eles os viram se aproximarem, ficaram na frente da carruagem e os pediram para parar. Erik, que conduzia, parou prontamente a carruagem.
“Identidade.”
Pediu ao guarda.
Erik retirou seu cartão de identidade e entregou para o guarda, que o pegou e começou a analisar, depois o outro pediu o cartão dos outros.
Cartões de identidade tornaram-se algo extremamente obrigatórios para prevenir a infiltração dos membros do culto demônios na cidade, ou de quaisquer outras pessoas hostis de outros reinos.
Então, percebendo a autenticidade do cartão, o guarda olhou para o comerciante e perguntou.
“Qual o vosso motivo para visitar a cidade?”
Erik podia notar a hostilidade na sua voz, mas ele falou com calma.
“Sou um simples comerciante comercializando. Este do lado é meu filho, os três ali são aventureiros que graciosamente me escoltaram até aqui. Este homem grande aqui é um mercenário que veio fazer um trabalho na cidade.”
“Hm…”
Assim que Erik mencionou Ken, o guarda começou a lançar-lhe um olhar questionador. Mercenários não são bem vistos no reino de Vinland, porque eles vão contra a honra de um guerreiro, porque eles lutam por dinheiro.
Mas como ele mesmo havia visto seu rank no seu cartão de identidade, também havia uma pitada de respeito, considerando o quão jovem ele parecia.
Ele então se virou e olhou para a família, a mulher, a filha e o marido.
“E eles?”
Neste momento, Erik pegou uma pequena sacola de dinheiro e se inclinou para o guarda.
“Sabe, eles estavam passando por situações difíceis na outra cidade, então estão apenas à procura de uma oportunidade, é possível deixá-los entrar?”
Embora imigração de cidades não fosse algo ilegal, mesmo assim eles não oderiam entrar caso o guarda recusasse a entrada, e é aí que entra o dinheiro.
“Você esta me subornando?”
Perguntou o guarda parecendo irritado, embora seus olhos não saíssem do dinheiro.
“Claro que não, é apenas uma compensação pelo seu trabalho duro evitando que marginais entrassem na cidade.”
“…”
O guarda estava ficando tentado em receber o dinheiro, mas assim que ele olhou para Ken, foi como se algo tivesse mudado em seu comportamento. Ele de repente olhou seriamente para Erik e entregou o dinheiro.
“Não preciso do dinheiro, vocês podem entrar.”
Disse ele com convicção.
Ele havia olhado torto para Ken por ser um mercenário que lutava por dinheiro, mas a pouco estava prestes a se entregar ao dinheiro. Sentindo que seu orgulho seria manchado se tivesse recebido na sua frente, decidiu recusar, mas ainda permitiu que entrassem.
Erik, porém, não pareceu surpreso pela reação do guarda e guardou o dinheiro com felicidade.
“Sério? Como esperado dos guardas de Cristenold, tão honrados que nenhum dinheiro do mundo é capaz de comprar.”
“Aham, claro.”
O guarda pigarreou de vergonha pelo elogio e abriu caminho, então Erik continuou a conduzir animadamente a carruagem para dentro da cidade.
Ken, por outro lado, percebeu o esquema do Erik. Ele havia entregado uma grande soma de dinheiro no guarda sem hesitar, mesmo sabendo que muitas de suas mercadorias haviam sido perdidas, o que apenas aumentaria em sua perda, mas ele não se preocupou porque sabia que o guarda não teria pego dinheiro na frente de um mercenário.
Ken achou intrigante.
“Haa!…finalmente. Não aguentava mais ficar andando.”
Liv suspirou de alívio.
Sendo uma maga, suas capacidades físicas não eram boas, então andar por horas a havia desgastado muito, mas agora poderia finalmente descansar.
A mulher e sua filha desceram da carruagem, e o marido se aproximou lentamente até Erik e se curvou.
“…Obrigado por tudo, sr. Erik. Graças a você, pudemos finalmente vir para a cidade de Cristenold e recomeçar…”
Embora Erik sentisse a gratidão do homem, também podia sentir o tom de tristeza em sua voz. Afinal, o dinheiro que eles haviam economizado para recomeçar na nova cidade, e as que trouxeram para lhes auxiliar haviam sido perdidas pelo ataque repentino dos raios.
Agora, embora tivessem chegado em segurança e com vida na nova cidade, estavam sem nada para poderem recomeçar, então não era surpresa o quanto infeliz estavam no momento.
Eles agora estavam arrependidos por terem feito esta escolha, mas já não havia mais como voltar atrás, porque tentar voltar na cidade de onde vieram seria ainda pior que agora.
“…!”
O rosto de Erik se encheu de tristeza vendo a situação lamentável em que eles se encontravam.
‘É lamentável, gostaria de poder ajudar eles, mas também estou na mesma situação.’
Ele queria ajudar, mas bem sabia que também estaria enfrentando grandes problemas.
As mercadorias que ele carregava em sua carruagem eram seus bens mais importantes para o comércio, onde também havia o lucro de investidores. Então agora ele estaria lotado de dívidas e perderia a confiança de seus clientes.
Mas o pior era que eles não podiam dizer que haviam perdido tudo por causa do confronto de dois magos de alta classe. Primeiro porque não sabiam de suas identidades, e mesmo se soubessem, eles teriam mais a perder do que a ganhar caso os processassem.
Afinal, Vinland é governado pelos mais fortes, então os responsáveis provavelmente levariam uma pequena multa, mas a retaliação vindo disso seria devastador, então ninguém queria recorrer a este risco.
‘Infelizmente, não há nada que possamos fazer.’
Lamentou Erik.
“?”
Mas foi então que Ken se aproximou e ficou entre o homem e Erik, de frente ao homem e de costas ao Erik.
“…?”
O homem ficou confuso por um momento, depois ficou com receio de que Ken pudesse causar-lhe algum mal ou machucá-lo.
Mas então Ken enfiou sua mão no bolso do manto e retirou alguma coisa.
“Abra a mão.”
Disse Ken.
“…”
O homem ficou confuso, mas hesitantemente abriu sua mão, onde quatro moedas de ouro caíram sobre ela.
“…!”
O homem parecia ter congelado no local sem saber como reagir, até que ficou extremamente surpreso quando sua mente finalmente se recuperou, percebendo que eram realmente quatro moedas de ouro em sua mão.
“M-mas o-o quê? S-sr? O que significa isso? Mas que…”
O homem ficou tão confuso que gaguejava algumas palavras, sem saber o que dizer ou pensar.
“Você precisa.”
Disse Ken, como se não fosse grande coisa.
“Não, sr. Eu não posso aceitar tanto dinheir-”
“Você tem uma família para cuidar.”
“!”
As próximas palavras de Ken o surpreenderam.
“Eu posso ver que você se preocupa e é capaz de se sacrificar pelo bem de sua família. Neste momento eles precisam que você esteja no seu melhor estado, tanto físico quanto emocional. Uso isto para encontrar um lugar para ficar enquanto lentamente começa a se reerguer. Sua esposa e sua filha precisam de ti.”
“…Obrigado…”
As mãos do homem tremiam enquanto segurava as moedas que brilhavam na palma de sua mão com toda sua força, seu coração antes pesado e com receio do que viria para frente, agora estava preenchido por uma mistura de alívio e agradecimento.
Como Ken havia dito, ele estava disposto a fazer qualquer coisa para tentar se reerguer, mesmo se tivessem que viver como mendigos. Mas com o que Ken havia dado, eles poderiam fazer tudo com mais calma porque seu futuro estava garantido.
“Obrigado…obrigado…”
Lágrimas escorriam de seu rosto enquanto ele repetia e repetia seu agradecimento, chegando a curvar-se perante Ken.
Mas Ken não o impediu de se curvar, porque era algo que ele mesmo se sentia obrigado a fazer para que pudesse se sentir melhor, sabendo que não teria mais nada a oferecer.
“Obrigada…”
Sua mulher se juntou e também agradeceu enquanto abraçava seu marido.
“Hm?…Obrigado.”
A filha, não entendendo nada, também se juntou e agradeceu, apenas copiando seus pais.
Tendo resolvido o problema deles, Ken então virou para o comerciante.
“?”
Mas o que ele viu foi a palma dele direcionado a ele, como se o pedisse para parar.
“Se você também está pensando em me oferecer algum dinheiro, é melhor parar.”
Disse o comerciante com convicção.
“Você tem certeza?”
Perguntou Ken, admitindo que planejava fazer isso.
“Sim, seria inapropriado da minha parte como comerciante receber dinheiro de alguém, principalmente quando esta pessoa salvou minha vida. Ter ajudado aquela família já serve como um agradecimento para mim.”
“…”
Ken ficou olhando para ele por um tempo, como se quisesse observar suas reais intenções. Mas vendo que ele estava realmente determinado, desistiu.
“Que seja.”
“…Posso fazer-lhe uma pergunta?”
Mas então Erik fez-lhe uma pergunta, com cautela.
“…”
Mas ao invés de responder, Ken simplesmente ficou olhando para ele, o que Erik recebeu como uma aprovação.
“Porque você estava disposto a ajudar pessoas que conheceu apenas uma vez? Não é como se você fosse ganhar nada em troca, e certamente não estás buscando fama com isso, porquê?”
“…”
Mais uma vez Ken ficou em silêncio, desta vez não porque queria, mas sim porque não tinha uma resposta.
‘Porquê?’
Ele se perguntou.
Seu olhar então vagou para todos. A família, os aventureiros, Erik e seu filho.
Ele não os salvou ou ajudou por obrigação, e sinceramente não era por boa vontade ou algo que seu coração mandou. Desde que escapou da toca do inferno suas emoções têm estado confusas. Ken foi esquecendo das emoções que lhe fazia sentir humano, não sentia empatia, amor, carinho ou as emoções que uma pessoa normal precisa para viver seu dia a dia.
Apenas o forte desejo de vingança que o prende como correntes e o desejo de descobrir a verdade de tudo.
Então, Ken finalmente encontrou sua resposta, o porquê o levou a agir como um bom samaritano. Ele olhou nos olhos do comerciante, e falou com os olhos mais frios que refletiam no espelho de seu interior.
“Simplesmente, para não esquecer o que resta da minha humanidade.”
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