Capítulo 21 - Revelações
“Os segredos enterrados sob camadas de tempo e silêncio são as chaves para a libertação. Descobrir a verdade é a maior das revoluções.”
— Sussurros das Sombras VII, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Harley acordou lentamente da inconsciência, seus olhos piscando enquanto a realidade ao seu redor começava a tomar forma. Seu corpo parecia pesado, e a dor constante latejava em cada um de seus membros.
Por um breve momento, ele pensou que ainda estivesse caindo no abismo, mas o toque duro da superfície sob ele e o som distante de uma lareira crepitando o trouxeram de volta à consciência. Ele estava vivo. De alguma forma, talvez com a ajuda da adaga, havia sobrevivido.
As memórias dos momentos finais antes de desmaiar voltaram em fragmentos confusos. Harley percebeu que o lugar onde se encontrava não era o fundo de um precipício, como havia temido. Em vez disso, estava em um cômodo pequeno e aconchegante, esculpido diretamente nas rochas.
As paredes de pedra cinzenta eram apoiadas por vigas de madeira envelhecida, e o ar cheirava a terra e lenha queimando. O calor suave do fogo contrastava com o frio cortante do abismo que havia deixado para trás.
Tentando se mover, Harley percebeu que seu corpo estava preso a uma fraqueza devastadora. Cada tentativa de levantar-se era frustrada por dores lancinantes.
Seu braço direito estava envolto em grossas bandagens, latejando com uma dor que o fazia cerrar os dentes. Com um esforço mínimo, tentou ajustar-se na cama, mas foi interrompido por uma voz firme, porém calma.
— Não se mova — a voz advertiu com autoridade — Seus ferimentos são graves, e você perdeu muito sangue. Não vai ajudar nada se tentar forçar seu corpo agora.
Harley virou a cabeça, com esforço, para localizar a origem da voz. Ao lado da cama, sentado em uma cadeira de madeira, estava um homem de aparência idosa. Seus cabelos e barba eram brancos, e o rosto, marcado por rugas profundas.
Vestido de forma simples, o homem o observava com olhos cheios de paciência, suas mãos repousando sobre os joelhos enquanto ele ajeitava a barba com um gesto meticuloso.
— Eu sou Silas Ginsu — disse o homem, sua voz grave — Guardião deste santuário. Sei que deve estar confuso e com muitas perguntas.
Harley piscou, ainda processando as palavras, e balançou a cabeça lentamente.
— Sim… — murmurou, a voz rouca e fraca, mal reconhecendo o som que saía de sua própria boca.
Seus olhos caíram sobre a adaga negra repousando em uma mesa próxima. Ela não brilhava mais. Em um murmúrio, que soava tanto para si mesmo quanto para Silas, disse:
— Por que ela não brilha mais? Será que… tudo isso foi apenas fruto da minha imaginação?
Silas, com um olhar compreensivo, fitou Harley por um momento antes de responder.
— Não foi imaginação, Harley — disse o velho guardião — O que você segurou é a Adaga Ancestral, um artefato sagrado do nosso clã. Se ela brilhou para você, significa que foi levado para lugares onde poucos ousam ir. E foi graças a isso que você conseguiu chegar até aqui.
Harley olhou fixamente para a adaga, sentindo incredulidade. As memórias dos portais, dos mundos estranhos, das criaturas e das batalhas voltaram, mas agora pareciam distorcidas, como se fossem ecos de outra vida.
— Eu me lembro de estar em perigo — disse ele, franzindo a testa enquanto tentava recompor os pensamentos — A adaga… ela me salvou. Mas sinto que… o que vi foi uma mistura de realidade e… algo mais.
Silas esboçou um sorriso suave, como se já tivesse ouvido aquela confusão antes.
— Isso é natural — disse ele — A Adaga Ancestral pode abrir portais entre mundos, mas também entrelaça suas percepções e memórias. Ela não apenas salvou sua vida, Harley; ela estava testando você.
— Testando? — repetiu Harley, surpreso — Agora até uma adaga pode julgar meu valor?
Silas riu baixinho, como se estivesse conversando com um neto teimoso.
— Esta não é uma arma comum — explicou ele — A Adaga Ancestral simboliza a liderança de nosso clã. Ela escolhe seu portador, testa sua força de vontade, coragem e sacrifício. Se brilhou para você, é porque viu algo em você que poucos possuem.
Harley permaneceu em silêncio, assimilando aquelas palavras. O peso da responsabilidade que a adaga trazia era esmagador. Ele se lembrou de todas as vezes em que lutou, não apenas contra inimigos, mas contra si mesmo.
— E meu pai? — perguntou Harley finalmente, a pergunta que tanto o atormentava pairando no ar — O que aconteceu com ele? Ele está… morto?
Silas suspirou, seus olhos envelhecidos estudando Harley com cuidado.
— Não, Julius ainda está vivo — respondeu Silas com um tom grave — Se ele estivesse morto, a adaga teria se vinculado completamente a você. O fato de ela ter testado você significa que há algo mais acontecendo. Seu pai desapareceu sob circunstâncias misteriosas, e parece que alguém tentou tomar posse da adaga antes de você. Quem quer que tenha sido, falhou no teste, mas deixou suas marcas.
O coração de Harley se apertou. A ideia de que seu pai ainda estivesse vivo era ao mesmo tempo um alívio e uma tortura. “Se estava vivo, porque desaparecera? Por que abandonara o clã?”
— E quem tentou controlar a adaga? — perguntou Harley, uma tempestade de perguntas se formando em sua mente.
Silas esfregou a barba com uma expressão pensativa.
— Ainda não sabemos ao certo — admitiu ele — Mas seja quem for, compreende o valor e o poder da adaga, e está disposto a tudo para usá-la. Essa pessoa pode estar envolvida no desaparecimento de seu pai. Agora, como portador da adaga, é sua responsabilidade descobrir a verdade.
Harley olhou novamente para a adaga, sentindo o peso invisível do fardo que agora carregava. A lâmina, outrora vibrante, estava inerte, mas ele sabia que o poder que ela continha era incomensurável. Ele sabia que havia muitos segredos enterrados nas sombras de seu clã, e muitos mais ligados à sua linhagem.
— Descanse agora — disse Silas, levantando-se devagar — Conversaremos mais quando você estiver recuperado. Há muito a aprender, e você precisará de toda sua força para o que está por vir.
Silas saiu do quarto silenciosamente, e Harley ficou sozinho, as palavras do guardião reverberando em sua mente. Ele queria respostas, mas naquele momento, tudo o que podia fazer era descansar.
Seu corpo doía, e a exaustão mental o consumia. Com um suspiro resignado, ele fechou os olhos, entregando-se ao sono, enquanto sua mente tentava lidar com a magnitude de sua nova realidade.
Os sonhos que se seguiram foram assombrados por visões. Harley viu a si mesmo novamente caindo no abismo, com a adaga pulsando em suas mãos, cercado por portais que se abriam para mundos desconhecidos.
Criaturas monstruosas rastejavam em direção a ele, cidades queimavam e batalhas colossais faziam a terra tremer. Em meio ao caos, seu pai surgiu, segurando uma adaga que absorvia toda a luz ao redor, o olhar sombrio e indecifrável.
Harley acordou com um sobressalto, ofegante e coberto de suor frio.
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