Capítulo 27 - Reencontro
“As conexões que formamos em momentos de necessidade muitas vezes são aquelas que nos definem. O reencontro com o passado pode iluminar o caminho para o futuro.”
— Sussurros das Sombras III, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Harley estava cercado, sua respiração ofegante preenchendo o ar enquanto os últimos quatro inimigos fechavam o círculo ao seu redor. Ele estava no limite de sua resistência, uma fera acuada, pronta para lutar até a morte.
O sangue escorria pelos cortes abertos em seu corpo, misturando-se ao chão lamacento da floresta. A dor era intensa, mas a adrenalina o mantinha em pé, sua mente afiada como a lâmina de sua adaga.
As espadas dos adversários brilhavam à luz da lua, prontas para desferir golpes fatais a qualquer momento. Harley sabia que não podia vacilar. Cada movimento precisaria ser calculado, cada erro seria sua ruína.
— Cling-clang-ting… — De repente, o som cortante de inúmeras adagas sendo lançadas preencheu o ambiente.
Em um piscar de olhos, uma chuva mortal de lâminas se espalhou por todos os lados, perfurando corpos, se chocando e cravando-se no solo. O caos tomou conta da cena, e Harley viu sua chance.
Enquanto os inimigos eram surpreendidos pelo ataque inesperado, ele se movia rapidamente, buscando uma posição mais favorável.
Com um salto ágil seguido de um rolamento, Harley se posicionou atrás de uma árvore, afastando-se da direção de onde as adagas tinham sido lançadas. No entanto, não escapou ileso. Uma adaga o atingiu no braço, arrancando um gemido de dor enquanto o sangue escorria da nova ferida.
— Bom! Vejo que não é um completo inútil. Você aguentou bem até agora — disse uma voz feminina, familiar e carregada de ironia.
A voz atravessou o ar, ecoando em sua mente com a força de uma memória que ele nunca poderia esquecer. Aquela arrogância fria, aquela tonalidade implacável. Isabella.
Harley virou-se lentamente, os olhos arregalados pensando:
“Como poderia esquecer aquela voz?”
Isabella, a garota que, aos sete anos, o forçara a engolir o contrato de casamento diante de seu pai. A dor e a humilhação daquele momento ressurgiram como uma onda, misturando-se com a adrenalina do presente.
— Sai! Sai logo daí! — continuou Isabella, com uma voz que agora carregava um tom mais sério — Se eu quisesse te matar, já teria usado adagas envenenadas. Venha, não temos muito tempo.
Harley sabia que não havia utilidade em continuar escondido. Ele emergiu de trás da árvore, ainda com a adaga firme em mãos, o olhar fixo em Isabella.
— Isabella — disse ele, o nome saindo de sua boca com ressentimento — O que você quer agora? Achei que, da última vez, você e seu clã deixaram bem claro o que pensam de mim.
Isabella soltou uma risada curta, cheia de desdém.
— Ah, Harley… Sempre se subestimando — seus olhos faiscavam com uma espécie de divertimento — Meu pai me deu ordens, é verdade. Mas eu não sou o tipo que segue ordens cegamente.
— Então, veio reatar o noivado? — Harley retrucou, com uma sobrancelha erguida em desafio.
— Reatar o noivado? — Isabella riu alto, e o som foi como um eco cruel na floresta silenciosa — Por favor, não se iluda. Você quase foi morto por esse grupo patético. Como poderia alguém como eu ter interesse em alguém como você? — ela cruzou os braços, o olhar frio e penetrante — Você continua o mesmo: sem clã, sem força e sem destino. Um fantasma de um passado irrelevante.
Harley a encarou por um momento, seus olhos duros, mas sua respiração ainda pesada. As palavras de Isabella cortavam mais fundo do que qualquer lâmina, mas ele não recuaria diante dela.
— Pelo fato de você ter ajudado agora, vou esquecer o que disse — declarou ele, sua voz mais controlada, embora carregada de desafio — E vou te dar uma chance de viver.
Isabella arqueou uma sobrancelha, surpresa com a ousadia dele.
— Uma chance de viver? — repetiu, com um tom de sarcasmo — Você mal consegue ficar de pé, e está me oferecendo uma chance de viver? — Ela deu um passo à frente, seus olhos fixos nos dele — Você não tem para onde ir, Harley. Está ferido, sem clã, sem aliados. Eu poderia acabar com isso agora mesmo, mas escolhi não fazer. Pergunte-se por quê.
Harley sorriu, mesmo sabendo que sua situação era desesperadora. Havia algo naquela conversa que o fazia lembrar de sua juventude, de todas as vezes que ele se rebelara contra as expectativas. Ele não tinha medo de Isabella, nem do que ela representava.
— Talvez… mas por que você está realmente aqui, Isabella? Não acredito que seja só para zombar de mim. O que você quer?
Isabella parou, sua expressão mudando levemente, algo mais complexo surgindo em seus olhos.
— Vim lhe dar uma chance — disse ela, finalmente, com um tom mais sério — Uma chance de viver. Por mais que nosso clã tenha seguido caminhos diferentes, existe algo que me impede de ignorar completamente o destino que nos ligou.
Harley observou-a atentamente, sem saber se acreditava em suas palavras.
— Nós dois sabemos que este destino imposto desde o nascimento nunca fez sentido — ela continuou, sua voz mais baixa, mas carregada de peso — O que começou como uma união planejada entre nossos clãs terminou com a ruína do seu. Hoje, seu clã está extinto. Como isso pode ser o destino?
— Enquanto eu estiver vivo, o Clã da Adaga Arcana viverá — respondeu Harley com firmeza, sua voz firme, mas sua dor e cansaço evidentes.
Isabella suspirou, retirando uma pequena caixa de seu manto e entregando-a a ele.
— Pegue isso. Vai te ajudar a se recuperar — disse ela, quase com um toque de suavidade em sua voz — Vá ao Clã Lâmina Oculta. É sua melhor chance de sobrevivência.
Harley olhou para a caixa, depois para Isabella. Por um momento, ele viu a jovem que havia sido forçada a seguir os caprichos de seu pai, assim como ele próprio. Havia mais nessa história, algo que ele não entendia completamente. Mas agora não era o momento de buscar respostas. Ele precisava sobreviver.
— Da próxima vez que nos encontrarmos — disse ele, guardando a caixa — Será diferente. Você e seu clã vão se arrepender de ter me subestimado.
Isabella sorriu levemente, como se esperasse essa resposta.
— Vamos ver, Harley. Vamos ver.
Ela se afastou lentamente, deixando Harley com suas palavras e o peso de sua escolha. Enquanto ela desaparecia na escuridão da floresta, Harley sabia que aquele encontro era apenas o início de algo maior.
Uma promessa de confrontos futuros, onde o passado e o presente finalmente colidiriam.
Com a adaga em mãos e o presente de Isabella em seu bolso, ele seguiu em direção ao Clã Lâmina Oculta, consciente de que sua sobrevivência dependia de muito mais do que força física. O destino, aquele mesmo destino que ambos desprezavam, ainda tinha muitas cartas a jogar.
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