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    “Os fantasmas que assombram a mente são ecos de escolhas passadas. Eles são sombras que só podem ser dissipados pela luz da coragem. Enfrentar os próprios demônios internos é uma batalha silenciosa, mas essencial para a evolução pessoal.”

    O Código do Guerreiro Solitário, Verso 41.


    Harley emergiu do portal, e diante dele desdobrava-se uma visão espetacular: as luzes pareciam formar a imagem majestosa de uma cabeça de dragão, abrindo a boca para a transição entre os mundos. Era como se as luzes formassem uma entidade mítica que devorava tudo ao seu redor, quebrando as barreiras impostas pelo tempo, espaço e outras forças cósmicas. 

    Apesar de se maravilhar com essa nova representação grandiosa em uma abertura de portal, o jovem sentiu uma inquietação. Ele acreditava que Anastasia estivera ao seu lado, mas a realidade revelava que ele estava completamente sozinho. A dor da perda de Lysandra reverberava, e a incerteza sobre o destino de Anastasia tornava o fardo ainda mais insuportável.

    Correndo em desespero em direção ao local onde o portal desvanecia após sua passagem, ele sentia a urgência pulsante de encontrar a princesa antes que ela caísse nas mãos de Sergio Romanov. No entanto, antes que pudesse alcançar a esperança que acreditava estar ao seu alcance, o portal se desfez, desaparecendo como fumaça ao vento. 

    Nem mesmo um novo golpe da adaga teve efeito sobre as luzes e energias remanescentes, que se dissiparam. O desespero tomou conta dele, e Harley desabou de joelhos, segurando a adaga horizontalmente com firmeza, enquanto o vazio parecia consumi-lo por completo.

    A lâmina cortou sua mão que estava em contato com ela, e o sangue escorreu, deixando rastros não apenas na outra mão que segurava o cabo, mas também no chão. 

    No entanto, o sangue derramado não era apenas físico. Ele era uma representação visível das feridas causadas por seus medos, hesitações e pela falta de força ou habilidade para alterar o destino das pessoas ao seu redor. Eram também as promessas quebradas e os compromissos que agora pesavam sobre ele como correntes implacáveis.

    O mundo parecia desmoronar ao seu redor, e, na solidão desse momento, Harley encarou o vazio de suas perdas, sentindo o peso fragmentado de sua própria existência.

    Cada gota de sangue se tornava uma metáfora, uma expressão visual das batalhas interiores que ele travava, enquanto o chão absorvia não apenas o líquido vital, mas também a essência de suas dores e arrependimentos.

    O jovem, envolto em um mar de desespero, viu-se afogado em lágrimas que representavam não apenas a perda de Lysandra, mas uma cascata de decepções e dores acumuladas ao longo de sua vida. Nenhum pensamento, lembrança ou ilusão tinha o poder de dissipar a dor que aquelas lágrimas carregavam.

    A dor de sua perda era apenas o ápice de uma vida repleta de tragédias. Desde a infância, ele experimentou o vazio da ausência materna, privado do olhar acolhedor e do afeto que uma mãe poderia proporcionar. Seu pai, desiludido com as expectativas não atendidas, sempre o considerou inferior a seu irmão, moldando uma narrativa de inadequação que persistia em sua mente.

    Os anos de sua juventude foram marcados por repetições exaustivas de movimentos, punições físicas implacáveis e desafios ininterruptos. As perdas acumulavam-se de maneira avassaladora. 

    A ausência misteriosa de seu pai, a destruição de seu clã, a perda da base no desfiladeiro e a amarga realidade de sua impotência perante as estratégias de Sérgio Romanov na muralha eram fardos insuportáveis. A incapacidade de proteger Lysandra, a quem ele jurara resguardar, só alimentava a chama da autocrítica e da frustração.

    Assim, Harley viu-se afogado em lágrimas, não apenas pela perda de uma pessoa querida, mas pela perda contínua de suas próprias batalhas pessoais. Sua primeira promessa de infância, a esperança de fazer a diferença, desvanecia-se em meio à brutalidade da realidade, deixando-o submerso em um oceano de desespero.

    À medida que as lágrimas continuavam a rolar pelo seu rosto, algo extraordinário começou a acontecer à sua volta. Uma mudança perceptiva sutil, mas palpável, transformou o ambiente ao seu redor. Cores ganharam intensidade, detalhes antes despercebidos tornaram-se nítidos, e uma aura etérea envolveu tudo.

    A experiência de ser envolvido por essa metamorfose ultrapassou as fronteiras do visual, estendendo-se para além da mera percepção dos olhos. Harley sentiu como se sua própria consciência estivesse sendo submetida a uma manipulação, como se uma força invisível estivesse explorando suas memórias e reorganizando sua visão do mundo. Era como se um artista talentoso estivesse montando peças de um quebra-cabeça, combinando cores, formas e objetos de acordo com sua própria vontade.

    — Plaft! — O impacto de uma bofetada ecoou, a sensação física era real, mas os seus outros sentidos estavam em desacordo, como se estivessem testemunhando uma realidade paralela. 

    Logo em seguida, uma voz irrompeu:

    — Humanos são criaturas demasiadamente sentimentais e frágeis — e, nesse instante, imagens de seu pai repreendendo o choro como sinal de fraqueza invadiram sua mente. Harley, perdendo o controle, parecia estar sendo conduzido por forças invisíveis, mergulhado em uma experiência que transcendia a dimensão física.

    Como um sopro, Harley foi tomado por uma lembrança que havia deixado passar despercebida. Seria possível? Ele revisitou mentalmente toda a cena, concentrando-se especialmente na memória auditiva.

    Ao reviver a formação imponente do dragão pelo portal, notou algo peculiar. Os sons familiares das energias de abertura, sucção e transição foram acompanhados por um elemento adicional, um som que se assemelhava a uma mensagem. Uma voz, próxima ao sussurro que escutou a pouco, ecoou:

    — Onde estiver o teu medo, aí estará a tua tarefa.

    O eco da voz se dissipou, mas suas palavras reverberaram na mente dele. O impacto da esbofetada, agora, parecia ter desencadeado uma transformação mais profunda em sua consciência. Era como se as palavras do dragão ecoassem em sua alma, redefinindo sua perspectiva.

    Harley levantou-se do chão, a mão ainda sangrando, mas agora, ele não sentia apenas a dor física. Uma compreensão silenciosa começou a se desdobrar diante dele. Aquelas palavras não eram apenas um som ocasional; Era uma verdade inegável. Uma verdade que não poderia mais ser escondida ou enterrada: A mensagem de que chorar ou reclamar não proporcionavam nenhum avanço. 

    A mensagem o envolveu como um abraço invisível, e, pela primeira vez, ele percebeu que sua jornada era mais do que uma série de eventos aleatórios. Havia um propósito, uma tarefa que ele precisava cumprir. O medo, que antes o dominava, tornou-se uma bússola que apontava na direção da sua verdadeira missão.

    Num misto de determinação e curiosidade, Harley contemplou a adaga em suas mãos. Ela não era meramente uma ferramenta para transitar entre mundos; era uma chave para desvendar os enigmas do destino. 

    Ciente de que tudo o que experimentara derivava do desejo da Adaga em auxiliá-lo, ele sentiu uma conexão mais profunda com a lâmina, uma parceria que transcendia o simples uso como arma.

    Ao erguer-se, o jovem compreendeu que já havia derramado lágrimas o bastante. Seus anseios agora clamavam por ação, por passos que o libertassem da paralisia e do controle que outros exerciam sobre ele por sua fraqueza. 

    Embora o portal tivesse se dissipado, levando consigo Anastasia e o deixando sozinho, Harley não se sentia abandonado. As palavras do dragão ressoavam em sua mente como um guia, uma bússola moral, e ele estava determinado a honrar a mensagem que ecoava em seu íntimo.

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