Capítulo 77 - Atravessando o vale das sombras
“O vale das sombras é um território onde apenas os valentes se aventuram. Cada sombra oculta um segredo, cada passo é um embate com o perigo.”
— O Código do Guerreiro Solitário, Verso 54.
— BOOM!
O som da explosão ecoou com uma violência, reverberando pelo vasto vazio ao redor de Harley. Depois do estrondo avassalador, o silêncio se impôs, não como uma ausência de som, mas como uma presença esmagadora. Um silêncio que tornava cada movimento, cada respiração, um ruído ensurdecedor em meio à vastidão.
Era o silêncio de uma perda irreparável.
O silêncio onde a ausência de Isabella se tornava insuportavelmente real. Ela não estava mais ali. Não haveria mais risadas, palavras ou olhares. Harley sentia o vazio crescer dentro de si, um abismo que parecia engolir sua alma, tornando o tempo uma entidade sem forma, sem relevância, apenas um eco distante do que já foi.
Mais uma mulher que ele viu morrer em sua jornada, e, mais uma vez, não foi capaz de salvá-la. O peso da perda era sufocante, mas o que realmente doía era a repetição cruel de sua incapacidade de proteger aqueles que ele se importava.
Os destroços do colar que Isabella usava, agora destruído, ainda brilhavam fracamente na terra, como um lembrete cruel de sua falha. O corpo dela, reduzido a fragmentos, estava espalhado ao redor, envolto por uma neblina silenciosa e densa.
Harley estava imóvel, como se tivesse se transformado em pedra, seus olhos fixos no que restava de sua ex-noiva, sua mente incapaz de processar a realidade.
O tempo parecia parar, ou talvez já não fizesse mais sentido. Cada segundo se estendia em uma eternidade dolorosa. Os milissegundos se arrastavam, delineados apenas pelo leve sussurro do vento, que carregava a fumaça da explosão.
O som sutil do sangue misturado ao solo, o último eco da vida que havia deixado de existir, era a única trilha sonora do desespero de Harley.
Por fim, ele cedeu. Como uma onda gigante que finalmente se quebra na costa, a dor o atingiu, arrancando qualquer vestígio de controle que ainda mantinha. Ele correu até os destroços, seus movimentos desesperados, como se pudesse juntar os pedaços de uma vida despedaçada. Cada passo era pesado, como se o chão sugasse suas forças.
Harley caiu de joelhos ao lado dos restos de Isabella, suas mãos trêmulas tentando tocar o impossível. Não havia mais o que salvar, não havia mais o que resgatar. Ela estava realmente morta e ele tinha falhado de novo.
As lágrimas, que até então ele havia lutado para conter, finalmente vieram. Elas desceram silenciosamente por seu rosto, traçando um caminho de dor que já não podia ser escondido. Ele se sentia inútil, fraco. A explosão não apenas tirara a vida dela, mas arrancara qualquer esperança que ele ainda pudesse ter guardado.
“Sergio!” — O nome de seu inimigo surgia em sua mente como um veneno, lembrando-o de que tudo isso era culpa dele.
A vingança, uma promessa antiga, parecia agora vazia. Ele havia jurado perseguir o filho do líder do clã Dragões de Sangue até o fim, mas agora essa promessa parecia não ter mais valor. Seu inimigo havia fugido para sempre, desaparecido de seu alcance, e a frustração corroía Harley ao perceber que a vingança estava além de suas mãos.
O jovem Ginsu lembrou das palavras de Isabella sobre o colar. O artefato mágico, que agora estava destruído, havia sido um símbolo de sua ligação com Sergio. Ao não removê-lo, ela estava destinada a essa morte. Seu inimigo provavelmente também estava morto. A explosão do colar confirmava isso, mas isso não trazia alívio. Apenas mais vazio.
Harley estava sozinho. A solidão agora era sua única companheira. Sem amigos, sem família, sem clã, e agora, até sem um inimigo para caçar.
O desamparo o derrubou de vez. Ele caiu no chão, apoiando-se nas mãos, sentindo o peso esmagador de um mundo que não fazia mais sentido. Não havia nada para reconstruir, nada a que voltar.
O eco da explosão continuava a ressoar na sua mente, um som distante que representava o fim de tudo o que ele havia conhecido. Ele olhou para os destroços e se perguntou, mais uma vez, se poderia ter feito algo para evitar isso. Mas a realidade era cruel. Nada poderia ser mudado agora.
Harley começou a rir. Um riso fraco, quase imperceptível, mas real. O riso de um homem que havia perdido tudo e agora entendia a brutalidade do destino. Não havia mais sentido em resistir. Não havia mais propósito em tentar consertar o que estava destruído. A vida o havia derrotado.
Mas, mesmo assim, algo dentro dele ainda lutava. Uma pequena faísca, escondida nas profundezas de sua alma, que se recusava a morrer. Mesmo no auge de sua dor, algo resistia. Uma voz, quase inaudível, que dizia que ele ainda tinha um caminho a seguir, ainda que não soubesse qual.
As memórias de sua tribo surgiram. Lembranças de quando ele era apenas uma criança, sentado no escuro de sua gaiola, ouvindo os sussurros falarem sobre o tempo, sobre a natureza dos ciclos e das perdas:
“O tempo é uma teia” — eles diziam — “e cada ação reverbera por todas as eras”.
Essas palavras agora faziam mais sentido do que nunca. O tempo era uma teia. Um ciclo interminável de perdas e ganhos, de dor e redenção. Harley não podia mais mudar o que aconteceu, mas sabia que, de alguma forma, suas ações ainda reverberariam. Ele não sabia como, mas sabia que ainda havia algo que precisava ser feito.
Ele olhou para os restos de Isabella mais uma vez.
— Me perdoe! — murmurou, sua voz rouca — Eu falhei com você… com todos.
A dor em seu peito parecia uma faca cravada, mas ele sabia que não podia ficar ali para sempre. Ele precisava se mover.
Ainda havia perguntas a serem respondidas, desafios a serem enfrentados. O destino, mesmo cruel, ainda tinha algo reservado para ele. A ideia de que tudo estava perdido começava a se dissipar. A dor não desapareceria, mas ele poderia continuar. A dor, agora, seria seu combustível.
Harley se levantou, seus olhos secos. Não havia mais lágrimas. Ele olhou para o horizonte vazio, para o caminho à frente, e deu o primeiro passo. Cada passo era pesado, difícil.
Ele parou mesmo sabendo que tinha que continuar.
— Sergio — murmurou para o vento, com um tom sombrio, quase inaudível — Eu ainda estou aqui. Estou?
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