Capítulo 287: Orbe Cinza
O que sabia até o momento era o seguinte:
A garota à sua frente era uma Heroína Ádvena de nome Hime, vulgo Inquisidora. Seu apelido era devido à maneira como ela buscava e punia todos aqueles considerados “pecadores”.
Hime portava uma katana fina e de aparência frágil, que contrastava com a sua verdadeira força. A lâmina era capaz de rachar o solo com facilidade, abrir uma pessoa em duas bandas e expelir um feixe que danificava a alma do alvo.
Considerando isso, a melhor estratégia era tentar o combate à curta distância e evitar que a garota usasse seu feixe.
Bang! Bang!
Kurone cuidou logo de se aproximar o máximo possível e trocou a escopeta de canos serrados pelos revólveres de tambores giratórios. Sua mira era perfeita, mas a precisão com que a Inquisidora usava o corpo da espada para refletir os projéteis se igualava a ela.
Nos poucos segundos que demorava para o tambor girar, Annie aproveitava para atacar, não permitindo que Hime descansasse um segundo sequer. A companheira do garoto lançava lâminas tiradas sabe-se lá de onde com exímia habilidade, um movimento que lembrava muito Lothus, a irmã de Asmodeus do Laplace, e suas agulhas envenenadas.
Bang! Bang!
Os tiros recomeçaram, mas dessa vez não havia fuga para a garota que ficou entre as balas e as lâminas vindo ao seu encontro. Sem outra alternativa, Hime cravou a ponta da sua katana no chão com todas as suas forças e aproveitou do movimento para se impulsionar no ar. Os projéteis se perderam pela escuridão e a Inquisidora planou no ar por alguns segundos, aterrissando no topo se uma pedra grande ali perto.
Annie também não perdeu tempo e acompanhou o movimento, indo na direção da sua oponente com um chute violento na grama, o objetivo dela era afundar um punhal na garganta de Hime.
Dessa vez, a Heroína Ádvena não tentou fugir. Ela entrou em posição de combate e interceptou a mão segurando a lâmina vindo em sua direção — a torção usada pela garota lembrava muito um movimento de aikidô.
Pela maneira como os olhos de Annie se arregalaram, ela não esperava que a sua oponente fosse portadora de tamanha força. Veias surgiram no braço da deusa, tentando, com todas as suas forças, evitar que o seu membro fosse colocado em uma posição anormal e dolorosa.
Bang!
Kurone, abaixo da pedra, disparou sem a mínima preocupação de atingir a sua aliada sem querer. Ele não tinha mais essa falta de confiança em suas habilidades. A bala disparada percorreu o ar rapidamente e passou de raspão pelo ombro da Inquisidora, obrigando-a a recuar e largar o braço segurado.
— Pecadores como vocês não irão escapar impunes daqui — afirmou a garota apertando em sua mão um par de pequenos cristais brilhantes. Annie ficou confusa com a ação repentina, mas logo foi obrigada a pular quando os objetos foram arremessados em sua direção.
Boooooooom!
As pedrinhas produziram uma explosão tremenda, desestabilizando Kurone e arremessando Annie para longe.
Hime saltou da fumaça e aterrissou casualmente ao lado da sua lâmina fincada no chão. No momento que o punho da espada foi tocado, Kurone sentiu mana percorrendo todo o corpo da arma, pronta para ser disparada contra um dos dois adversários da garota.
Pow!
Novamente, ele trocou suas armas e disparou com a escopeta de canos serrados. A área de dano dessa arma era maior, apesar de ter menos alcance. O chumbo mágico voando na direção da Inquisidora foi o suficiente para fazê-la cancelar seu ataque e tentar fugir para o alto das árvores.
— Como se eu fosse deixar! — vociferou Kurone, reduzindo sua distância o máximo possível e arremessando minas terrestres na direção da Inquisidora.
Hime respondeu à altura e lançou seus pequenos cristais brilhantes. O apito das minas terrestres e o chiado das pedrinhas tomaram conta do ar antes de serem sobrepostos pelo barulhão ensurdecedor da explosão.
Mais uma vez, as pessoas envolvidas foram arremessadas para longe.
Kurone deslizou pelo chão para lidar com o empurrão causado pelos estouros. Quanto à adversária, ela não teve esse privilégio: Annie surgiu de surpresa nas costas de Hime e desferiu um chute com todas as suas forças.
Não houve como defender, a Inquisidora recebeu todo o impacto e voou, bateu contra uma árvore e rolou algumas vezes pela escuridão antes de ficar sobre seus pés de novo.
“Tem alguma coisa errada. Sei que a gente tá se contendo, mas ela não tem motivo para se conter também. O que será que ela tá esperando?”
[Ela imagina que esse seja todo o poder físico da Inquisidora. Contudo, nesse mundo não basta ter poder físico para ser poderoso.]
Kurone analisou o semblante da sua oponente. Ela estava ofegante, com alguns arranhões e um pouco de sangue surgindo na testa. Apesar de ser um pouco forte e resistente, Hime não era mais forte que o vice-capitão Paltraint Atrex.
E foi essa garota que garantiu que lidaria com Azazel van Elsie com tamanha confiança. Havia algo errado nisso, algo que o garoto não conseguia ver. Mesmo nessa situação, a Inquisidora não parecia estar tão preocupada.
[A Inquisidora está reunindo mana na lâmina novamente.]
Kurone materializou a sua Franchi Spas-12. Seu alcance era ainda menor com essa escopeta, mas a área de dano dela obrigaria a Heroína Ádvena a recuar… foi isso que pensou, mas todos os seus projéteis foram destruídos por um corte rápido da arma nas mãos da garota.
Naturalmente, o movimento fez toda a mana acumulada na lâmina se dispersar pelo ar, isso obrigou a Inquisidora a recomeçar o processo.
Nesse momento, Annie agiu novamente, ficando bem ao lado da adversária e desferindo diversos golpes com os punhais — a maioria passava de raspão e deixava rasgos leves na pele bonita da garota.
Hime utilizou apenas seus reflexos para esquivar o máximo possível e, quando já havia reunido mana suficiente na sua katana, afastou-se de Annie com um chute no estômago dela.
Kurone disparou diversas vezes com a escopeta negra em mãos, contudo não foi possível parar a garota, ela já devia ter algum plano em mente, pois se recusava a destruir os projéteis como fez antes.
A Heroína Ádvena alocou-se novamente no alto de uma rocha e se posicionou de uma maneira estranha. Ela segurou o punho da katana com ambas as mãos e uma quantidade insana de energia surgiu ao seu redor de repente. O corpo magro assumiu a pose “tosar a ovelha” do kung fu, com os joelhos flexionados para fora.
Percebendo o que a garota tentava fazer, Kurone virou o rosto para a sua companheira um pouco atordoada devido ao chute no estômago e gritou:
— Nie! Sai daí! Agora!
Mas o aviso foi tarde demais.
— Eu avisei, todos os pecadores devem ser punidos. O salário do pecado é a morte.
Um feixe em formato de meia-lua extinguiu toda a escuridão da floresta por um momento. O ataque seguiu em uma velocidade insana na direção de Annie, não dando tempo para ela desviar — ela foi atingida em cheio.
Kurone abriu os olhos após o clarão desaparecer e buscou pela figura da sua amada. Ele quase gritou ao ver sua companheira imóvel, com os glóbulos oculares arregalados e a pele pálida.
Sua mente foi a mil. Havia acabado de se reunir com a deusa, não poderia perdê-la. Seus pés se moveram e ele correu na direção de Annie, porém foi obrigado a parar no caminho após o corpo da companheira começar a ter espasmos.
Annie caiu de joelhos, com o corpo fazendo movimentos estranhos, até mesmo Hime olhou um pouco confusa para a cena.
E, sem ninguém esperar, outro clarão tomou conta do lugar e o feixe azulado na forma de meia-lua reapareceu, ou melhor, saiu do corpo de Annie, como se estivesse sendo regurgitado, e seguiu em direção a Hime novamente.
Em um movimento involuntário, a Heroína Ádvena pôs a lâmina na horizontal para a proteger, mas isso não a impediu de ser arremessada para longe pelo impacto.
O único foco de Kurone foi Annie. Ele correu na direção da garota e a abraçou, olhando direto nos olhos dela. Ela ainda estava pálida e confusa, parecia que havia acabado de retornar do mundo dos mortos. As mãos trêmulas da deusa não conseguiram segurar os punhais e eles foram ao chão, ela também não possuía mais forças para levantar.
Ainda a abraçando, Kurone ajudou a garota a se levantar e olhou firme na direção da rocha. Sentia a Inquisidora retornando, mas a aura dela estava diferente de antes.
Enfim, Hime surgiu em seu campo de visão, ainda mais surrada que antes e com uma linha de sangue originando-se do meio da testa e fazendo uma curva na esquerda para terminar no queixo.
A Heroína Ádvena estava desarmada, e ao seu lado havia um objeto brilhante, que parecia se misturar à presença dela.
Kurone Nakano deixou um suspiro escapar ao ver o objeto, afinal possuía um parecido armazenado em seu Inventário Interno. O que estava ao lado de Hime era um orbe acinzentado e brilhante.
Ele imaginou que era mais uma carta na manga da sua oponente, porém descartou essa ideia ao ver a expressão de surpresa que ela estava fazendo, como se fosse a primeira vez dela também vendo esse objeto.
Uma voz soou do Orbe Cinza:
— Perdão pela minha insolência, deusa Annie. Eu não tinha ciência de que esse Seol a pertencia. Eu, Hime, sua discípula, estou envergonhada.
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