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    Já era fim de tarde, e como prometido, Ava retornou à sala de reuniões na sede da Torre. Ao abrir a porta, deparou-se com a sala totalmente escura, exceto por uma luz amarela sobre a mesa, iluminando levemente o espaço. 

    A comandante avançou devagar, cautelosa com a falta de iluminação, até que encontrou uma pasta solitária com alguns arquivos. Pregado na capa da pasta havia um adesivo com uma curta mensagem deixada pelo Nicolas: “Tudo que achamos”. 

    Ela pegou a pasta e, nesse exato momento, o telefone sobre a mesa tocou. Ava atendeu imediatamente, certa de que seria da Central de Contenções, sobre Tahiko.

    — Comandante? — na verdade era o Nicolas.

    — Sim, Nicolas. Por que vocês saíram mais cedo? Ainda nem anoiteceu completamente.

    — Terminamos tudo antes do previsto, mas comandante, eu já tinha tentado ligar antes porque, enquanto eu e Cole ainda estávamos aí, recebemos uma ligação da Central de Contenções sobre Tahiko — explicou Nicolas, com certa ansiedade na voz.

    — E o que falaram? — ela perguntou, enquanto se virou para a vista da cidade através da grande janela da sala.

    — Que Tahiko aceitou cooperar.

    — Informaram quando ele será trazido para cá? — questionou a comandante, pois ela sentia uma necessidade de urgência.

    — Ele vai chegar amanhã aí na sede às 10h.

    — Mais alguma coisa? — ela colocou a pasta debaixo do braço esquerdo, já na intenção de ir embora, quando Nicolas queria ressaltar uma coisa — Ah, sim, para finalizar… tudo o que encontramos sobre a ligação de Rod com o Conclave está nessa pasta. Não era muita coisa.

    — Entendido, Nicolas. Boa noite.

    — Boa noite, comandante — Nicolas respondeu antes da ligação ser desligada.

    Então, Ava guardou o celular, apagou a luz amarela da sala, e saiu calmamente, fechando a porta atrás de si.

    Em St. Sudoeste, sentado no ótimo sofá de seu apartamento, Cole olhava para a única carta deixada por seus pais, que estava sobre a mesa frente ao sofá. Ao lado, sua mochila de trabalho permanecia no canto direito do móvel, enquanto somente a luz da sala estava ligada e os demais cômodos como se ninguém estivesse na residência.

    Na carta, Cole focou no último parágrafo.

    “Não precisa se preocupar, filho. Eu e sua mãe vamos retornar em breve, já estamos ansiosos e talvez demore, mas não esqueça de nós.”

    Ele leu essas palavras mentalmente e respirou fundo, absorvendo o impacto silencioso das memórias, e sussurrou baixinho para si mesmo — Eu não esqueci.

    Agora bem distante da sede da Torre ou de St. Sudoeste, que ficam em Brasília. A noite também reinou, obviamente, na cidade de Campo Verde, e já no último quarteirão da cidade, Saik reduziu a velocidade do veículo até estacionar no centro de uma rotatória.

    60% da cidade estava sem luzes, com outros 20% de luzes danificadas piscando intermitentemente. Apenas 10% da cidade parecia ter energia funcionando normalmente. 

    Não havia ninguém nas ruas, nem nas casas — a cidade parecia deserta, como uma típica cidade fantasma abandonada.

    — Como é que não tem ninguém? — perguntou Koji, saindo do veículo e fechando a porta.

    — Parece que só tinha aqueles caras do posto — Saik ficou sentado no seu banco de motorista, com a porta aberta e o olhar caído e despreocupado de sempre.

    — Então, por que não seguimos logo? O que vamos fazer aqui?

    — Vamos dormir aqui — Saik respondeu de forma casual, sem nem levantar os olhos.

    — O quê? — Koji ficou confuso e se virou para o Saik — Mas temos gasolina o suficiente pra chegar logo em Cuiabá.

    — Estamos sujos de sangue e com as roupas rasgadas. Não tem ninguém na cidade inteira. Não percebeu que temos uma cidade inteira pra gente?

    Koji olhou ao redor, vendo a escuridão dominar a paisagem, exceto por algumas luzes esparsas, o que dava um contraste exótico e sombrio.

    — Entra no carro. Vamos achar uma casa com energia funcionando e saímos pela manhã — Saik voltou para posição de motorista e fechou a porta.

    O veículo começou a andar novamente. Com apenas 20 km/h, eles percorriam a cidade, observando ruas e bairros, procurando uma casa com luzes normais. Durante essa busca, o rádio de comunicação no carro emitiu um ruído de sincronização, seguido pela voz de Max, o controlador do Centro de Operações.

    Bbrrzz!

    — Saik? Koji? Me escutam?

    — Sim — comentou Saik, sem muita emoção e, Koji também se manifestou — Estamos ouvindo.

    — Boa… estou acompanhando a viagem de vocês pela cidade. Parece que estão procurando uma casa com energia para passar a noite, não é? 

    — Isso mesmo.

    — Perceberam que três drones da Torre estão seguindo vocês? Eles estão transmitindo dados, e com base nas informações que recebemos, vocês só precisam avançar um quarteirão e dobrar na segunda rua à direita. Lá encontrarão uma casa maior que o normal, com as luzes funcionando perfeitamente. É a casa com a energia mais estável da área — informou Max.

    — Um quarteirão e duas ruas à direita, é isso? — só a confirmação, era o que Koji queria.

    — Exatamente.

    — Então bora — Saik virou o carro para entrar na avenida que corta a cidade inteira.

    Foram poucos minutos e pronto, já estavam se aproximando da casa. Max estava certo, a casa não era pequena. Saik estacionou o veículo em frente ao belo imóvel, e os dois desceram do carro.

    — Essa cidade não é boa, mas essa casa certeza que era do prefeito — comentou Saik, se surpreendendo logo ao sair do carro.

    Eles olharam cuidadosamente para os lados; a rua estava bastante escura, assim como as outras casas. Poucos postes tinham luzes, e as que ainda funcionavam piscavam, o que deixava a cena ainda mais assustadora e tensa.

    Saik foi na frente, subindo a discreta rampa até a porta. Ele girou a maçaneta e viu o interior da casa, bem claro e arrumado, uma casa bonita. Os dois entraram um pouco mais despreocupados e aliviados. Enquanto Saik foi procurar água, Koji disse.

    — Bora olhar lá em cima.

    — A casa tá com energia. Não precisa ter medo.

    — Bebe logo essa água e vem ver a casa também.

    Saik ficou lá embaixo, bebendo água e, Koji subiu as escadas. Ao chegar no andar superior, deparou-se com um corredor iluminado, cheio de portas, aparentemente todas de quartos.

    — Quanto quarto… 

    Ele deu mais um passo e, nesse momento, um déjà-vu o atingiu — Uhm? — ele franziu a testa, sem entender e extremamente confuso.

    Dentro de Koji, Spherea, que não estava em sua forma humanoide, também reagiu.

    — Quem?

    — O que foi, Spherea?

    — Nada demais, nada demais… Mas o que houve, Koji? Tá andando devagar. Tá com medo é? — Spherea desconversou de uma maneira meio estranha.

    — Perdeu o timing da piada. O Saik já fez essa do medo.

    Ele começou a abrir as portas dos quartos, e ao abrir a segunda porta, um novo déjà-vu o atingiu, mais forte dessa vez. De repente, Saik apareceu, assustando-o levemente. 

    — Não acredito que esteja com medo de verdade dessa casa.

    — Eu não tô com medo.

    — Eu vou dormir nesse quarto aqui — Saik apontou para o primeiro quarto.

    — Fico nesse aqui — Koji já estava na frente do quarto que escolheu, o segundo.

    Eles escolheram seus quartos, e cada um foi para o seu.

    No meio da madrugada, próximo das 05hrs, Koji acordou de leve, ainda tentando manter os olhos fechados, quando ouviu um barulho no piso do quarto. Não demorou quinze segundos e o barulho se estendeu para as paredes, que começou a ressoar com um som melódico cantado por uma voz feminina lindamente aguda e minimamente perturbadora, acompanhado de uma leve tremedeira. 

    No quarto ao lado, Saik ouviu o barulho e correu até o quarto de Koji. Ao entrar, deparou-se com a cena bizarra. Koji estava em pé, apenas observando o teto.

    — Vem logo pra cá! — gritou Saik.

    Antes que Koji pudesse se mover em direção à porta, a parede do quarto se quebrou, e inúmeras mãos, braços e pernas surgiram, socando e chutando para sair, acompanhados de um chiado grotesco, como zumbis.

    — Que merda é essa? — Koji deu um passo para trás, sem entender bem ainda o que estava havendo.

    — São pessoas! — sussurrou Saik, olhando para o corredor onde mais corpos surgiam das paredes.

    Os “zumbis” se comportavam de maneira raivosa, esmurrando as paredes para escapar, mas seus chiados e os movimentos confusos faziam parecer que estavam sob algum tipo de transe. 

    A melodia melancólica e perturbadora aumentava a cada minuto, e Koji tentou se aproximar de Saik, mas uma das criaturas agarrou seu braço direito. Sem pensar duas vezes, Koji acertou um soco com a mão esquerda na cara do “zumbi”, que foi arremessado para o canto do quarto.

    — O QUE SÃO ESSAS PESSOAS? POR QUE ESTÃO ASSIM? — Koji gritou para o Saik, em meio aos chiados dos zumbis e do som desconhecido que só aumentava.

    — DEVEM SER IGUAIS AOS CARAS DO POSTO. ESTÃO NUM TRANSE, MAS PARECE SER MAIS PROFUNDO! — respondeu Saik, gritando também no meio dos inúmeros barulhos no quarto.

    Mais zumbis avançaram contra Koji, correndo como se fossem derrubá-lo. No entanto, quando colidiram com ele, simplesmente se jogaram contra seu corpo, sem causar qualquer impacto, como se estivessem batendo contra uma parede sólida.

    Imagine você correndo com toda sua velocidade e força para tentar empurrar um prédio, é a analogia perfeita.

    — Vamos sair daqui logo! — gritou Koji, chutando os zumbis caídos e acertando outros com facilidade.

    No corredor, Saik jogou três zumbis escada abaixo empurrando eles agressivamente, enquanto pensava — Que bando de idiota. Esse transe parece deixar eles mais burros do que devem ser.

    — Eles são totalmente humanos, Koji. Apesar do transe, nada mudou na composição deles — Saik berrou, durante o tempo que dava tapas descontraídos e sem esforço na cara dos zumbis que se aproximavam correndo.

    — É, eu percebi — Koji também estava ocupado derrubando os zumbis burros.

    — Não vai usar as esferas? Elas poderiam cuidar disso — sugeriu Saik, aproximando-se da porta do quarto.

    — As esferas só aparecem contra algo que represente perigo real pra mim. Esses caras aqui não… 

    De repente, a melodia perturbadora cantada cessou. Koji e Saik se entreolharam, confusos, quando o teto da casa inteira, repentinamente, desabou de uma vez. A música melódica e assustadora recomeçou a soar logo em seguida.

    Koji se jogou na janela para se proteger, enquanto Saik, rápido, alinhou seu corpo perfeitamente com a porta, escapando do desabamento. Escombros caíram por toda parte, esmagando os zumbis.

    — Que som chato… — resmungou Koji, tampando os ouvidos.

    Saik percebeu que a música estava afetando Koji de forma estranha.

    — A música está atingindo ele? — pensou ele.

    Koji gemeu de dor com as mãos pressionando os ouvidos. O som perturbador parecia atingir um ponto de ruptura dentro dele. Nesse momento, o que fazia Koji quase invencível contra os zumbis parecia desvanecer, e ele se desequilibrou, quase caindo de volta no quarto.

    — Koji! — gritou Saik num leve susto pela queda.

    Antes que Koji atingisse o chão, as esferas surgiram, formando uma base sólida para segurá-lo. Ele pousou suavemente, mas ainda estava sofrendo com a dor, enquanto tampava os ouvidos.

    — Que porra de dor é essa…? Aahh! — Koji continuava sentindo uma agonia crescente.

    Saik refletia rapidamente — Antes as esferas não surgiram porque os caras não representavam perigo, mas o som… fez as esferas aparecerem. De onde isso tá vindo? E por que o Koji tá sofrendo com o som, e eu tô imune?

    O piso do quarto começou a ranger, se quebrando gradativamente e se abrindo. O barulho era ensurdecedor, e Saik percebeu o óbvio — Alguém armou tudo isso. Armaram pra gente…

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