Índice de Capítulo

    Eram 5h20 da manhã quando Ava chegou apressada à sede da Torre. Vestia calça militar preta e um colete de gola elegante, equilibrando um café na mão direita e dois papéis na esquerda. Nem se lembrava da Hellcat Pro oculta em sua cintura. 

    Ao entrar na sala de reuniões, encontrou Cole, de pé e bem desperto, enquanto Nicolas, com o rosto cansado, lutava contra o sono, afundado numa das cadeiras.

    — Obrigada por terem vindo assim que eu liguei — disse Ava, direta — Só nós três estamos na sede agora. Vamos ter que agir.

    — Não podia ser mais tarde? Acordar cedo não é muito minha praia — resmungou Nicolas.

    — Não tivemos escolha. Recebi uma ligação do Koji pelo micro-rádio de comunicação. Eles estão com problemas em Campo Verde, então mandei Nahome e Tovah com as tropas das Forças Especiais para lá. Aqui, nós temos outra questão.

    Cole franziu a testa, com certa confusão — O que podemos fazer aqui?

    — Quando vocês me disseram que tinham encontrado tudo sobre as conexões de Rod Sugg com o Conclave, deixaram passar algo importante — explicou Ava, pausando antes de continuar — Entre os arquivos que indicavam ligações entre Rod e uma unidade da agência nacional de comunicações em Cuiabá, havia um registro de uma sincronização de contato de rádio, monitorado e registrado no sistema da Torre.

    Cole lançou um olhar questionador a Nicolas, que, mesmo sonolento, resmungou — Não vem que nesse dia eu tava produtivo. Não deixei nada passar.

    — Não importa quem deixou passar — Ava rebateu imediatamente — Essa sincronização ocorreu no dia Synchro, às 22h.

    — Às 22h? Mas no dia Synchro o sistema já está todo desligado a essa hora — bem entretido com o desenvolvimento de informações feito pela Ava, afirmou Cole.

    Synchro era um dia da semana em que todos os agentes, especialistas em vigilância e controladores de atividades intensivas do Centro de Operações da Torre trabalhavam em sincronia por 24 horas, cobrindo missões de monitoramento, infiltração e coleta de dados em massa. Esse era o único dia em que as redes de comunicação eram totalmente centralizadas e interligadas, permitindo um fluxo rápido de informações críticas e a detecção de qualquer anomalia nos sistemas.

    No dia Synchro, seguia-se um cronograma rigoroso: todas as operações começavam pontualmente às 05h e continuavam sem interrupções até às 21h, quando era iniciada uma breve pausa para o recolhimento e armazenamento automático das informações principais e secundárias obtidas, repassadas e analisadas ao longo do dia. A operação Synchro recomeçava às 23h e só se encerrava às 08h da manhã do dia seguinte.

    Durante o trabalho nesse dia, todos os dispositivos e sistemas da Torre entravam em modo “Synchro”, sincronizando até o menor detalhe entre as redes no horário de atividade para aumentar a precisão das operações. As equipes e a inteligência da Torre utilizavam feedback contínuo, o que significava que qualquer atraso ou interrupção (mesmo que fosse de milissegundos) levantava um alerta imediato.

    Os agentes da Torre, como Nahome e Tovah, tanto em campo de batalha quanto em missões de averiguação e reforço, também sincronizavam movimentos e ações, como mudanças de posição e monitoramento, em intervalos precisos para reduzir as margens de erro em missões coordenadas.

    — Exato. Não poderia ter havido nenhuma ação às 22hrs. E outra, a sincronização de contato só pode ser feita pelo Centro de Operações, e alguém usou essa cadeia de contato num horário não permitido.

    Nicolas esfregou os olhos, agora um pouco mais atento — Então… um controlador muito foda burlou as três escalas de segurança?

    — Sim, pois precisa ser alguém com acesso muito alto para fazer isso. Por isso, hoje à noite, quando o plantão dos controladores acabar, quero que entrem na sala do Centro de Operações e averiguem tudo. Amanhã é outro dia Synchro, então provavelmente eles vão deixar pertences pessoais na sala para não precisar trazer amanhã cedo.

    — E agora? O que fazemos? — perguntou Cole.

    — Por enquanto, fiquem na sala de reuniões. Espero alguma ligação ou, com sorte, a chegada do Tahiko às 10hrs. Qualquer coisa, me avisem.

    — Não vai sair? — Nicolas tentava se acomodar melhor na cadeira.

    — Ficarei na sede, mas vou dar uma volta para ver se alguém mais apareceu depois de nós.

    Com isso, Ava saiu da sala de reuniões, deixando a porta aberta. Cole acomodou-se em uma cadeira ao fundo, enquanto Nicolas voltou a deitar o rosto na mesa, lutando contra o sono. 

    Ava caminhou com expressão firme pelos corredores, entrando no elevador e subindo para o andar presidencial. Ao sair, continuou andando com a postura rígida até a sala de Rod Sugg. Notou que a porta estava apenas encostada e, ao espiar, viu que as janelas estavam suspeitosamente abertas.

    Com cautela, sacou a Hellcat Pro, segurando-a firme na mão esquerda. Então, girou o corpo e desferiu um chute na porta, abrindo-a com força enquanto gritava — TORRE, EM POSIÇÃO DE COMANDO!

    O espaço estava vazio, e um silêncio absoluto dominava a ampla e luxuosa sala. Guardou a pistola, olhou atentamente ao ambiente e se aproximou da mesa de Rod. Vasculhou com os olhos os objetos sobre ela e então se dirigiu às janelas, verificando o exterior.

    — Ninguém.

    De repente, uma voz firme, imponente, conhecida e quase sarcástica a interrompeu — Foi um bom arrombamento.

    Ava girou rapidamente, encontrando Rod Sugg parado à porta, com um sorriso provocador em seu rosto. Ele cruzou os braços, olhando-a.

    — Rod, achei que gostasse de portas abertas — Ava manteve a postura ereta e face séria.

    — Gosto, mas não quando invadem meu espaço com tanta… violência — Ele fez uma pausa e continuou num tom meio misterioso — Sabe, Ava, desobedecer ordens é perigoso. Especialmente ordens diretas sobre não se envolver com o Conclave.

    — Desculpe se pareceu uma invasão. Estou apenas fazendo meu trabalho. Ou você está incomodado com isso?

    Rod riu com sua aura de superioridade e de segundas intenções — Ah, Ava. Sempre tão dedicada. Só não entendo por que se importa tanto com o Conclave. Há coisas mais importantes, você sabe disso.

    — Prefiro me importar com o que ameaça o país nesse momento. E você sabe que o Conclave é essa ameaça.

    Rod deu um passo à frente, olhando-a nos olhos com intensidade e certa tentativa de intimidá-la — A Torre tem suas prioridades, Ava. Talvez você devesse repensar as suas.

    — Não preciso repensar nada. Não importa quantas ordens tente me dar, não vou ignorar um grupo que ameaça o país tanto quanto o que aconteceu em Dynami.

    — Se continuar com essa teimosia, Ava, talvez você seja a próxima a se arrepender.

    Ela deu um passo adiante, encarando-o sem medo — Se você acha que uma ameaça vai me fazer recuar, Rod, sugiro que pense melhor. Eu já fui avisada sobre o Conclave antes, e ainda estou aqui. Talvez você devesse se preocupar em esconder melhor os seus rastros.

    Ele manteve uma fixação ocular, tenso, segundos antes de abrir um sorriso lento e irônico — Muito bem, Ava. Siga seu instinto, mas saiba que a Torre é grande demais para você controlar sozinha. Dentro desse departamento nessa cidade, eu estou acima de você e não tem ninguém acima de mim.

    — Talvez. Mas, ao contrário de outros aqui, sei exatamente o que estou fazendo.

    — Boa sorte, então. Você vai precisar.

    Ele virou-se, chegou nem ao menos entrar até a metade da sala, caminhou até o elevador e foi. Ava ficou na sala por alguns segundos, respirou fundo depois do contido embate verbal.

    Na devastada e morta cidade de Campo Verde…

    O corredor onde Saik encontrava-se sentado, estava mergulhado em uma poeira levemente quente. Ele estava com as costas encostadas na parede, os olhos pesados, a testa escorrendo suor, sua expressão era exausta. Suas mãos estavam sobre a cabeça, tentando conter a fadiga mental que latejava em seus pensamentos.

    Os agentes Nahome e Tovah apareceram no final do corredor, que dava acesso ao espaço circular e, posteriormente, à saída do subsolo. Sempre sério, Nahome tragava um cigarro com óculos escuros que escondiam qualquer indício de preocupação. Ao seu lado, Tovah, mais descontraído, aproveitava um picolé de morango, pois aquele cenário de destruição era algo corriqueiro. Eles pararam quando encontraram Saik.

    — A coisa foi bem feia, hein… — comentou Tovah, apontando com o picolé na direção de onde vieram. O caminho estava marcado pelo rastro de corpos e pela destruição, resquícios daquilo que haviam enfrentado para chegar ali.

    Nahome se aproximou, agachando-se ao lado de Saik, que estava com a cabeça baixa e os olhos desfocados — O que aconteceu aqui, Saik? — perguntou ele, buscando um vislumbre nos olhos de Saik, tentando entender a situação.

    Saik levantou o rosto lentamente, visivelmente atingido — O… Koji… Como ele tá?

    Nahome trocou um olhar rápido com Tovah, lembrando-se da urgência da ligação que Ava recebera de Koji.

    — Viemos por causa da ligação dele para Ava. Você avisou a Spherea para que ele fizesse contato imediato para Ava. Não lembra?

    — As coisas… estão voltando ao normal… minha cabeça… — a voz do Saik não tinha muita firmeza.

    Nahome olhou para Tovah com um gesto de cabeça — Trouxe água? — perguntou.

    Tovah, sem demora, tirou uma garrafa d’água da bolsa e entregou a Nahome — Aqui.

    Nahome destampou a garrafa e inclinou-se sobre Saik — Levanta a cabeça.

    — Não… — Saik começou a protestar, hesitante, mas Nahome não deu ouvidos. Com um gesto decidido, segurou Saik pelo cabelo e despejou a água, de certa forma agressiva e forte, em seu rosto. Splahh!

    Saik respirou fundo, estremecendo com o impacto frio da água, despertando de forma brusca. 

    Tovah soltou uma risadinha ao lado — Parece que ele se encheu de cachaça a madrugada inteira — comentou, dando de ombros.

    — Por isso joguei logo a água na cara. Jovem e cachaça é uma junção que eu não tenho paciência — respondeu Nahome, de maneira seca e olhando firmemente para Saik.

    — Achei que jogar água na cara fosse só mito, mas ele realmente acordou…

    Saik esfregou o rosto com as mãos, limpando a água. Ele respirou fundo, pegou a garrafinha d’água da mão de Nahome, e sem hesitar despejou o restante sobre a própria cabeça e ombros, tentando aliviar o calor e a fadiga mental.

    — Uh. Tem mais água? — agora ele parecia recuperado.

    — Consegue falar o que houve aqui exatamente? — perguntou Nahome, enquanto Saik passava a mão no rosto mais uma vez, relembrando os eventos dos últimos dias e, enfim, disse.

    — Eu encontrei uma mulher aqui no subsolo… ela só me revelou a primeira sigla de seu nome, ‘L’. Em um momento, começamos a lutar juntos contra feitiços, seres deformados, e depois que nos salvamos, encontramos uma letra ‘F’ marcada embaixo de várias tábuas de Ritos, era sinal da Fundação. Ela sabia que não só o Conclave está agindo aqui, mas a Fundação também está. Eu só não sei se estão atuando juntos, ou cada um com um objetivo.

    Nahome e Tovah trocaram um olhar rápido, atentos às palavras de Saik.

    — Tinha uma garotinha aqui, uma criança que estava presa num feixe de luz. Se foi o Conclave ou a Fundação que fez isso, só sei que usaram a menina para aplicar esses ritos… — Saik fez uma pausa, o peso da lembrança ainda muito presente — Transformaram os civis em zumbis.

    Tovah fez uma careta, foi um bom momento para ele sentir um gosto amargo do picolé.

    — E ela escapou, levou a garota? — questionou, tentando entender a dimensão do estrago.

    — Sim… ela fugiu antes que eu pudesse detê-la. A ‘L’ é uma portadora, ela me paralisou… não entendi exatamente o que ela fez, mas me neutralizou. Ela não parecia mal intencionada, aparentemente queria salvar a garotinha. E a cidade já estava perdida. As centenas de mortos lá fora são prova disso.

    Nahome levantou-se devagar — Temos que informar a Ava. Isso é mais sério do que prevíamos.

    Tovah jogou o palito do picolé no chão e disse — Você fez o que pôde. Agora, vamos tirar você daqui — finalizou, dando um leve tapa no ombro de Saik.

    Os três caminharam em silêncio pelo corredor destruído do subsolo rumo a superfície da cidade de Campo Verde.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota